Cidades

Seis colégios deixarão de oferecer as últimas séries do ensino fundamental

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postado em 18/12/2008 08:15
Uma das últimas trincheiras dos planos do urbanista Lucio Costa e do sonho do educador Anísio Teixeira ; a oferta de ensino democrático e de qualidade na capital do país ; está ameaçada. Pelo menos dois jardins de infância da rede pública de ensino localizados na Asa Sul serão fechados nos próximos dias. E seis colégios de quadras, que funcionam como centros de ensino fundamental (CEF) há 15 anos, estão em processo de reformulação. Dois deles, na SQS 107 e na SQN 104, já não tiveram a 5ª série neste ano e não terão a 6ª série no ano que vem. Aos poucos, perderão as séries finais do ensino fundamental. Outros quatro CEFs passarão pelas mesmas mudanças nos próximos anos. A explicação oficial do governo é contraditória. No caso dos jardins de infância, fala-se em falta de demanda no Plano Piloto. No da reformulação dos CEFs, a proposta é voltar ao plano original da cidade, que previa escolas classe (EC) com turmas de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. ;A determinação pelo reordenamento das escolas de 5ª a 8ª séries vai atender a legislação que rege o Plano Piloto, uma vez que a oferta de vagas para os mais velhos dentro das quadras fere a proposta pedagógica inicial de Brasília;, explica Mara Gomes, diretora de Planejamento da Secretaria de Educação. Há 15 anos, porém, um parecer do Conselho de Educação do DF autorizou o ensino das séries finais do ensino fundamental nas escolas de quadra por conta, justamente, da crescente demanda por vagas. Argumentava-se que a população do Plano Piloto estava em processo de envelhecimento, e os pequenos já eram atendidos, em sua maioria, nas instituições particulares. Reunião A dona-de-casa Cecília Fonseca de Oliveira, moradora da SQS 305 tem três filhos matriculados na rede pública e considera o ensino oferecido nas duas escolas da quadra equivalente ao de colégios pagos. Cecília estava revoltada ontem com a notícia do fechamento das escolas para crianças com idade entre 3 e 6 anos. Em uma reunião na Secretaria de Educação, na última terça-feira, os diretores dos jardins de infância localizados nas quadras 303, 305 e 108 da Asa Sul foram avisados que os estabelecimentos seriam fechados. Eles também foram orientados a não comentar o fato na rede até que uma solução definitiva fosse encontrada. Neste ano letivo, os colégios tiveram, respectivamente, 120, 99 e 75 crianças matriculadas. ;Dava para ser mais porque a demanda por vaga para crianças dessa faixa etária é grande em todo o país;, observa uma professora que pediu para não ser identificada. Em 2008, 6.781 meninos e meninas não conseguiram vaga no ensino infantil do DF. A notícia do fechamento das escolas deixou professores e pais apreensivos. ;As crianças estão de férias. Não sabemos onde nossos filhos serão matriculados no ano que vem;, diz a servidora pública Suely Alves, mãe da aluna Beatriz, 4 anos, do segundo ano do Jardim da 305. ;O que mais me revolta é sabermos isso por meio de boatos. O próximo ano letivo iria começar e a gente não saberia de nada?;, completa Rosenete Araújo, mãe de Isabela e Rafaela, de 6 e 4 anos, também alunas da 305. A secretária-adjunta de Educação, Eunice Oliveira, garantiu ao Correio que nenhum dos alunos vai ficar sem aula. ;Os alunos de 6 anos irão para as escolas classes, onde freqüentarão o primeiro ano da alfabetização. O que não dá é para o contribuinte arcar com o sustento de escolas sem alunos. Vamos remanejar os meninos e meninas para o ensino infantil mais próximo;, afirmou. A idéia, de acordo com ela, é unir as turmas da 303 e da 305 e levar os alunos da 108 para o Jardim da 308 Sul. Ainda não se sabe o que será feito dos prédios que ficarão vazios. Outros fins A reformulação dos seis centros de ensino fundamental é mais delicada. Na Secretaria de Educação admite-se abertamente que não existirá demanda para turmas de 1ª a 4ª séries no Plano Piloto. Para completar, atualmente, 90% dos alunos do Plano vêm de outras regiões administrativas que são capazes de absorver, sozinhas, as matrículas dos mais novos. ;Após as mudanças, vamos fazer chamada para ver se recebemos alunos de outras regionais de ensino;, explica a diretora da Regional do Plano Piloto e Cruzeiro, Leila Pavanelli. Adiantando-se à previsão de que não haverá demanda, a Secretaria já procura novo usos para as escolas. ;Ao fim do período de matrículas, analisaremos de demanda. Algumas escolas do Plano Piloto serão usadas para outras atribuições, mas vale destacar que a alteração do uso só será feita de acordo com o que permite a lei;, afirma Mara Gomes. O principal alvo da reformulação são as escolas localizadas dentro do que Lucio Costa batizou de Unidades Vizinhança, compostas originalmente por quatro quadras residenciais e três escolas: jardim de infância, escola classe ou CEF e uma escola parque. ;A escola é o coração da Unidade Vizinhança, isso não pode mudar;, defende o diretor do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (Depha), José Carlos Coutinho. Ao contrário do que argumenta a Secretaria de Educação, Coutinho explica que a transformação das escolas classe das SQS 106, SQS 107, SQS 103, SQS 113, SQS 408 e SQN 104 em CEFs, há 15 anos, não feriu o plano da Unidade Vizinhança. ;A mudança foi necessária devido à queda da natalidade e ao conseqüente envelhecimento da população. Não houve problema porque é a troca de uma escola por outra.; Já se a alteração representar a oferta de outro serviço no espaço dos jardins de infância ou centros de ensino fundamental irá contra o princípio do tombamento de Brasília. ;Com outro tipo de público, o movimento migrará para dentro da área residencial. As quadras foram feitas, com suas ruas e estacionamentos, para um fluxo específico. A mudança abre um precedente perigoso;, analisa o diretor do Depha. E conclui: ;É claro que existe demanda, o problema é que o ensino não é bom o suficiente e não interessa à população do Plano Piloto;. Novo centro de perícia Na escola que funciona na 711 Norte, os planos de reformulação do ensino público ofertado na capital estão em curso. Apesar de não trabalharem em um colégio que faz parte das Unidades Vizinhança, os quatro professores temporários que trabalham no período da tarde foram avisados que, assim que o ano letivo acabar, serão devolvidos ao bancos de docentes. Os cinco professores do período da manhã, todos funcionários da rede, serão readaptados ou transferidos de escola. A justificativa apresentada pela Secretaria de Educação em reunião com a direção da escola: o local será transformado em centro de perícia médica da rede pública para substituir o que funciona de forma precária na 905/906 Norte. Oficialmente, a informação não é confirmada. As crianças que estudam lá, todas da Estrutural, serão transferidas para o Cruzeiro com a direção e os funcionários administrativos. Até ano passado, a escola da 711 Norte atendia adolescentes da 5ª e 6ª séries. De acordo com Leila Pavanelli, diretora da Regional de Ensino do Plano Piloto e do Cruzeiro, os jovens foram remanejados no início do ano para o CEF 7, que fica na quadra vizinha. ;Não vamos deixar ninguém sem estudar;, garante ela. (EK) Bom desempenho no ano Duas das seis escolas do Plano Piloto a passar por reformulação estão entre as 10 do DF que conquistaram as melhores notas no Ideb Bom desempenho no ano Os primeiros centros de ensino fundamental (CEF) atingidos pelo projeto de reformulação da educação pública no Plano Piloto deram mostra da qualidade do que se aprende em sala de aula. O CEF 104, na SQN 104, ficou em segundo lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre as escolas que oferecem de 5ª a 8ª séries no Distrito Federal. E o CEF 2, localizado na SQS 107, conseguiu a sétima colocação. A avaliação, feita pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007 e divulgada neste ano, se baseia em uma prova aplicada a todos os estudantes e leva em conta os percentuais de evasão, reprovação e distorção idade-série. ;Só perdemos para o Colégio Militar no DF. Da rede pública do governo local, somos a melhor no ranking;, resume, orgulhoso, o diretor do CEF 104, Marcus Vianna. As duas escolas já não tiveram a 5ª série neste ano. E foram avisadas de que, em 2009, a 6ª série será abolida. A mudança preocupa Vianna. De acordo com ele, o ensino vai ficar comprometido. ;Quando um estudante entra na 5ª série e fica conosco até o fim do ensino fundamental, conhecemos os desafios de aprendizado e a qualidade do conteúdo oferecido.; É esse acompanhamento que tornou a escola, segundo o diretor, capaz de se posicionar bem na avaliação do MEC. Vianna explica que, em nenhum momento, explicaram para ele o motivo da reformulação nem como a escola será afetada. ;Só nos mandaram reduzir as ofertas. No ano passado, eram 18 turmas. Continuamos com o mesmo número, mas somente de 6ª, 7ª e 8ª séries;, enumera. ;Para o ano que vem, já nos disseram que a estratégia de matrícula não contemplará a 6ª série.; Quase 60% dos estudantes vêm de fora do Plano Piloto, sendo que a maioria dos matriculados no CEF 104 são do Itapoã. Ao todo, seis CEFs localizados em superquadras vão passar por essa reformulação. Animosidade No CEF 2, a mudança coincide com o agravamento da animosidade que impera na relação dos alunos com os moradores da SQS 107. A briga se revela em uma sucessão de abaixo-assinados. O primeiro foi apresentado por 60 moradores à Regional de Ensino do Plano Piloto e Cruzeiro, em 2006. A resposta veio em julho deste ano, com um documento assinado por professores, pais e alunos. De um lado, os moradores acusam os estudantes de arranhar carros, fazer bagunça no térreo dos prédios e pichar. Do outro, os professores narram episódios de preconceito. ;O porteiro de um dos blocos segura um cabo de vassoura todos os dias na hora da saída dos meninos;, lamenta um funcionário da escola, que pede para não ser identificado. Nem sempre é fácil dar aula na 107 Sul. Não bastasse ter de enfrentar a agitacão de uma turma com 37 adolescentes, a professora de história da escola, Rose Soares, agüenta o barulho vindo do prédio ao lado. É o som alto de funk e hip-hop que vem do segundo andar. Ou do carro de algum morador que abre o porta-malas e liga o rádio do carro. ;É comum eu ficar completamente sem voz;, afirma. Abalada com o rumo que a relação tomou, a presidente do Conselho Escolar do CEF 2 de Brasília, Gizele Benitz, organizou uma cantata de Natal na quadra. ;Queríamos mostrar para os moradores que os alunos são crianças e adolescentes e não são merecedores de tanta agressividade;, comenta. ;O preconceito me chateia muito. Seria maravilhoso se os filhos dos moradores da quadra estudassem lá.;

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