postado em 27/12/2008 08:22
Era uma vez, um menino que nasceu com uma doença degenerativa que o impossibilitaria, enquanto vida tivesse, de andar e mover braços. O menino nunca andou, tampouco mexeu os braços. Nunca sentiu o chão sobre os pés. Nunca penteou os cabelos. Nunca vestiu as próprias roupas. Cresceu se arrastando. A mãe e o pai do menino, lá em Barreiras, interior da Bahia, decidiram que o filho não iria viver naquela cidade, onde até os médicos que chegaram a vê-lo só lhe faziam previsões pessimistas. E pouco, muito pouco, entendiam o que o menino tinha de verdade. Um deles chegou a lhes dizer: ;Essa criança tem problema no corpo inteiro. Como vão criar um menino assim?;. E, depois, sentenciou: ;Ele não viverá muito;.
Era uma vez, um menino que, aqui em Brasília, conseguiu um tratamento na Rede Sarah. Lá, a ;estranheza; dele foi identificada. Ele é portador de artrogripose múltipla ; doença congênita caracterizada por várias deformidades rígidas nas articulações. O menino e a família foram treinados a lidar com a deficiência. E como, mesmo com tanta dificuldade, poderia ser integrado à vida.
Era uma vez, um menino que um dia, aos 4 anos, encontrou, em Planaltina, numa escola pública onde estudava, uma professora de educação física que acreditava ; e acredita ; na inclusão. Mais do que isso: ela acredita e gosta de gente. A vida do menino, a partir daquele encontro, mudaria para sempre. Ele se arrastava, mas participava das aulas. Até futebol jogava. Um dia, o menino pediu à ;tia;, como súplica: ;Me ensina a escrever;. Ela foi às lagrimas. ;Como fazer aquele menino escrever, se ele tinha tanta limitação?;, perguntou a professora a si própria. Ela mesma achou a resposta: ;A vida é feita de adaptações;.
Era uma vez, uma professora, Crislei Maria de Morais, hoje com 35 anos, que acreditou naquela criança que não andava nem mexia os braços. O menino, então, começou a rabiscar as primeiras letras com a boca. Depois, escreveu o próprio nome. Formaram-se calos na língua. Ele nunca desistiu. Tempos depois, o menino que não desistiu da vida e a professora sonhadora decidiram, juntos, que ele escreveria um livro contando a própria vida. O preconceito que enfrentou desde que nasceu. As dificuldades do pai pedreiro e da mãe dona-de-casa para que o filho vivesse e levasse uma vida normal. Os sonhos e planos dele. A esperança escrita com a boca.
Era uma vez, um menino que passou seis longos anos de sua vida escrevendo um livro. Varava noites insones, enchendo folhas de cadernos. Um dia, a obra ficou pronta. Mas nem o menino nem a professora tinham dinheiro para bancar a publicação. Em abril deste ano, o Correio contou, com exclusividade, a história de Jeferson Ramos da Cruz, de13 anos. O drama dele comoveu Brasília. A solidariedade se espalhou. Veio ajuda para reformar a casa humilde de chão de cimento bruto onde mora com os pais e os três irmãos, no Vale do Amanhecer.
Chegou o computador, para que ele escrevesse melhor. E finalmente a ajuda para publicar a obra de Jeferson. O senador Cristovam Buarque (PTD-DF) e a editora Thesaurus se juntaram. O rascunho chegou à gráfica. No início deste mês, aquele monte de vida escrita com a boca virou livro de verdade. Minha vida em rodas me faz capaz de voar e sonhar nasceu com mil exemplares.
Autógrafos
A assessoria da apresentadora Xuxa, que vinha fazer um show em Brasília, soube da história do menino. Ela quis conhecê-lo. E o recebeu, no camarim. Ele lhe deu um livro, autografado. Ela lhe disse, em lágrimas: ;Você é bonito de verdade. Sua história é um exemplo pra todos nós;. Uma assistente da rainha dos baixinhos, antes de o show começar, leu a reportagem do Correio no palco. A platéia se emocionou. Xuxa ainda o convidou para ir ao programa dela, no início de 2009. Jeferson virou notícia em matéria de televisão e programas de rádio.
Era uma vez, um menino que escreveu um livro com a boca e o publicou. Mas faltava mostrá-lo às pessoas. Veio a tarde de lançamento, no último dia 17, na Administração Regional de Planaltina. Na segunda-feira passada, foi a vez da noite de autógrafos no Carpe Diem, na 104 Sul. Uma enorme fila se formou em torno do escritor. ;Autografei mais de 100 livros;, comemora ele, sem esconder o orgulho.
Entre aquela gente que foi conhecer Jeferson, havia um convidado muito especial. Mateus, de 12 anos, morador de Vila Velha, no Espírito Santo. Ele tinha vindo a uma consulta no Sarah. O garoto tem a mesma doença de Jeferson. A família de Mateus o levou para conhecer o menino que escreve com a boca. Mateus, por sua vez, pinta belos quadros, também com a boca. Emocionado, o escritor disse à mãe, naquela noite: ;Nunca tinha conhecido ninguém como eu;. E autografou seu livro ao amigo recém-conquistado.
Era uma vez, um menino que quis escrever um livro para que, com o que arrecadasse nas vendas, pudesse comprar uma cadeira de rodas motorizada. Ele lamenta o esforço que a mãe faz todos os dias para conduzi-lo dentro de casa e levá-lo à escola. Nem foi preciso esperar que todos os livros fossem vendidos. Na segunda-feira, horas antes do lançamento no Carpe Diem, um advogado do Plano Piloto doou a cadeira de que ele tanto precisava.
Novos sonhos
Na tarde de ontem, pilotando sua ;Ferrari;, como ele a batizou, Jeferson admitiu ao Correio: ;São as minhas pernas emprestadas. Há quatro dias, minha vida mudou pra sempre. Eu acordo de noite e acho que tô sonhando;. A mãe, Cleide Ramos, 32, chora: ;Eu nem sei como agradecer toda essa reviravolta que aconteceu na vida do meu filho;. O pai, Gilmar Rosa, 33, homem de mãos calejadas e sentimento contido, também não esconde a emoção: ;Como não chorar quando a gente vê um filho feliz e realizado?;.
Jeferson agora tem muitos outros planos: quer escrever um segundo livro. Sobre o quê? ;Eu e tia Crislei estamos vendo, mas vai ser alguma coisa sobre deficiência, não mais a minha, mas de outros tipos.; E não pára por aí: ;Quero pular de pará-quedas. Deve ser pura adrenalina;. De cabelo com luzes e brinco na orelha esquerda, o vaidoso escritor adolescente também sonha em colocar um piercing na sobrancelha. ;Meu pai disse que se eu ficasse menos envergonhado, ele deixaria. Eu já tô mais solto;, ele diz, às gargalhadas. E reconhece: ;O ano de 2009 vai bombar pra mim;. Era uma vez, um menino que acreditou em sonhos e na vida. E fez dela, da sua vida com limitações, sua melhor e mais emocionante história.
SOLIDARIEDADE
O livro está à venda na Livraria da Rodoviária. Preço: R$ 20. Contato com Cleide, a mãe:9128-8849