postado em 30/12/2008 20:23
Na primeira noite que passou fora das grades, Gabriel Ribeiro de Sena Filho, 41 anos, teve insônia e pesadelo em casa. "Eu acordei várias vezes de madrugada", disse o vigilante em entrevista ao Correio. Eram 14h quando ele nos recebeu em sua residência de cinco cômodos situada na modesta cidade de Planaltina de Goiás. Gabriel parecia não acreditar que estava livre. Evangélico, afirma que tirou lições importantes dos 13 dias que ficou encarcerado no Departamento de Polícia Especializada (DPE) pelo não-pagamento da pensão alimentícia a um suposto filho, fruto de um relacionamento do passado. "É preciso vigiar para não fazer o que é errado, pois a liberdade é muito importante", frisa.
Foi com essa fé que o fiel da Igreja Assembléia de Deus conseguiu atravessar o pior momento da sua vida até hoje. Ele se apresentou à DPE no dia 17 para saber do que se tratava a intimação que recebeu e de lá não saiu mais. A Justiça de Santo Antônio do Descoberto expediu mandado de prisão contra ele. O processo teve início em março de 2006, quando Marilene Ramos Lopes entrou com uma representação no fórum daquela cidade com o pedido de reconhecimento de paternidade e pagamento de pensão alimentícia de um filho que afirmava ser de Gabriel.
Em junho do mesmo ano, um teste de DNA mostrou que o rapaz não é filho de Gabriel. Mesmo assim, o mandado de prisão por 90 dias foi expedido em novembro daquele ano. Mesmo sendo réu primário e possuir endereço fixo, ele acabou preso este ano. Para sair, tinha de depositar na conta de Marilene R$ 9 mil. Comovido com o sofrimento da mulher dele, que trabalha de doméstica, o advogado André de Assis Machado resolveu defendê-lo. Ele conseguiu, na tarde de ontem, na Justiça de Valparaíso (GO), uma alvará de soltura. À noite, o Tribunal de Justiça do DF endossou a decisão do Judiciário goiano. O vigilante foi liberado por volta das 22h. Fora do complexo do DPE, estava a mulher dele, Marizete Gualberto Ribeiro de Sena, 39. "Estou muito feliz. Vou preparar a refeição que ele mais gosta: frango frito".
A promessa foi cumprida onde mesmo. Eram mais de 23h, quando o casal chegou em casa, no Setor Leste de Planaltina de Goiás. Lá, os três filhos o aguardavam. O mais novo, Bruno Gualberto de Sena, de 6 anos, havia adoecido por causa da ausência do pai. Era nele que Gabriel pensava mais durante os dias que esteve na prisão. A emoção do retorno foi tanta que ele quase chegou a desmaiar. Sentiu-se tonto, mas logo recobrou a consciência.
Depois do sono intermitente, Gabriel acordou por volta das 7h. A primeira coisa que fez foi ligar o som em volume máximo com músicas do cantor brasileiro de reggae Edoson Gomes. Em seguida, o vigilante foi à sede da empresa onde trabalha, no Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA). Lá, todos estavam comovidos com a injustiça cometido ao colega. Apesar disso, ele foi escalado para o plantão de ontem. Quem acha que Gabriel ficou contrariado, está enganado. "Estou feliz em voltar ao meu posto", disse o vigilante, que está há oito anos na empresa e nunca faltou.
Durante os dias que ficou preso, Gabriel encontrou forças na palavra de Deus. Mas a Bíblia não foi sua única companheira. Lá, ele fez amizade com dois homens que também deviam pensão alimentícia. O rápido convívio não permitiu que ele soubesse seus nomes. Um ele conhecia apenas pelo apelido de Paraíba. O outro, por Ricardo. "Eles pareciam boas pessoas", acredita. "Eu li muito o Salmo 91 para os dois".
Depois do pesadelo, Gabriel agora pensa em esquecer essa passagem de sua vida. Mas o advogado dele, André de Assis Machado, quer saber por que a Justiça goiana deferiu a prisão se o processo de investigação de paternidade ; que originou a cobrança da pensão alimentícia (PA) ; está arquivado no fórum de Santo Antônio do Descoberto desde 2006 quando foi divulgado o laudo médico. "Vamos reabri-lo (processo) para saber o que ocorreu. Se foi um erro da Justiça pode caber indenização à vítima", afirma André.
"Na época, o exame foi anexado ao processo de Santo Antônio. Não sei como eles não retiraram a outra ação", lamenta Gabriel. Além dos dois processos, existe outro em trâmite na cidade de Luziânia, onde Marilene Ramos Lopes também cobra o pagamento da PA. Mas o próprio Gabriel pretende levar cópia do documento para a justiça deste último lugar e evitar passar pelo mesmo drama que começou no dia 17 e terminou ontem.