Cidades

Um ano para pegar a estrada

Projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional prevê que ;calouros no volante; terão de completar um ano de condução na cidade até conquistarem o direito de dirigir em rodovias

postado em 03/01/2009 08:44
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) está prestes a ficar mais rigoroso com o motorista que acaba de tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O Congresso Nacional quer incluir no texto da lei um artigo que proíbe o condutor de pegar o volante nas estradas e rodovias durante o primeiro ano de habilitação ; período que dura a permissão para dirigir. A proposta é do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Com a restrição, espera-se conseguir queda nos índices de acidentes e mortes nas rodovias. A mudança é considerada polêmica e não há consenso entre os especialistas ouvidos pelo Correio. Levantamento preliminar do Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF) revela que, dos 122 mil acidentes ocorridos em rodovias federais ano passado, foi constatado o envolvimento de 3.565 condutores com menos de um ano de habilitação. A assessoria de imprensa do órgão ressaltou que o número é subestimado porque um acidente pode ter mais de um condutor envolvido, já que a maioria é colisão frontal, lateral ou traseira. Se a proibição entrasse em vigor hoje, cerca de 2,8 milhões de condutores habilitados entre janeiro e dezembro em todo o país estariam proibidos de dirigir nas rodovias ; exceto nos trechos urbanos (veja o que diz a lei). Cerca de 240 mil deles ; média mensal de permissões emitidas pelos detrans ; só ficariam livres da restrição após dezembro deste ano. Muito em breve, a microempresária Edmar da Silva Lopes de Almeida vai entrar para esse universo de condutores. Aos 56 anos, só falta ela ser aprovada no exame prático para conseguir a primeira habilitação. ;Eu concordo com essa lei. Nos falta maturidade e experiência no trânsito. O que eles ensinam na auto-escola não é suficiente para pegar rodovia. A velocidade é mais alta e a ultrapassagem, mais perigosa;, reconheceu. O impacto da aprovação da lei no DF e nos municípios vizinhos seria grande. O DF é cortado por seis rodovias federais: BR;s 020, 040, 060, 070, 080 e a 251. Tem 24 estradas parques, 26 DF;, ; ambas rodovias estaduais ; e 24 vicinais. Entre as rodovias federais, somente a BR-251 não tem trecho urbano, onde o portador de permissão para dirigir poderá trafegar normalmente. As rodovias distritais são repletas de trechos urbanos. ;Se essa lei for aprovada vai virar uma confusão. Quem mora em Águas Lindas (GO) e trabalha no Plano pode dirigir num trecho e no outro, não. Sem fiscalização, ninguém vai respeitar;, afirmou o comerciante José Lázaro da Silva, 32 anos, morador de Águas Lindas, preocupado com o filho Douglas, 20, com habilitação há seis meses e que faz esse trajeto diariamente. Ao propor o projeto, o senador Aloizio Mercadante justificou: ;Nas estradas, em face das altas velocidades permitidas (frequentemente ultrapassadas), das comumente longas jornadas de viagem e do mau estado de conservação de muitas delas, os riscos de acidentes fatais são notoriamente maiores que nas vias urbanas%u2026;. A proposta já passou pelo Senado e agora segue para a Câmara Federal, onde será avaliada mais uma vez. Opiniões dos especialistas não são consensuais Estudioso do trânsito, o Coordenador do Núcleo de Transporte da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (NucleTrans /UFMG), Ronaldo Guimarães Gouvêa, classificou o projeto de lei como ;uma iniciativa ingênua para tentar reduzir as mortes nas rodovias;. Gouvêa lembrou que não existe um estudo científico sobre a relação de acidentes nas estradas e o envolvimento de motoristas com até um ano de aprovação no exame do Detran. De acordo com Ronaldo Gouvêa, os condutores recém habilitados costumam ser mais cautelosos que os mais experientes. ;A lei tira os inexperientes das pistas, mas as rodovias continuam ao léu, sem fiscalização. Sabemos que a imprudência e o excesso de velocidade são as causas mais frequentes das mortes. E é notadamente o motorista mais experiente quem trafega de maneira ousada e arriscada;, afirmou. ;Sem fiscalização, eles vão continuar agindo assim;, concluiu. Balanço divulgado em dezembro pela Polícia Rodoviária Federal revelou que as mortes nas estradas brasileiras diminuíram. Em 2007, morria uma pessoa em cada 21,7 desastres. Após a Lei Federal 11.705/08, a lei seca, foram necessárias 25,1 ocorrências para produzir uma vítima fatal. A queda também foi observada na relação acidentes por frota. Em 2007, a Polícia Rodoviária Federal registrou 27 ocorrências por 10 mil veículos. Em 2008, o índice baixou para 26. Convicção Autor do projeto, o senador Aloizio Mercadante está convicto de que, se aprovada, a exigência vai salvar vidas, a exemplo do que vem ocorrendo com a lei seca. Mercadante lembra que o Conselho Nacional de Trânsito proíbe o tráfego de aprendizes em rodovias durante o processo de formação de condutores. ;Enquanto o Contran não melhora esse processo de formação dos motoristas, alguma coisa precisa ser feita. Esse tempo de um ano para poder dirigir em estradas servirá como mais uma etapa de aprendizagem;, defendeu. O senador reconhece que, além de melhorar a formação do condutor, é preciso também deixar as estradas mais seguras. ;Com o debate da lei seca foi a mesma coisa. Todos achavam que não ia mudar nada. E os resultados são incontestáveis. Apesar do aumento da frota, da precariedade das rodovias e da falta de fiscalização rígida, temos menos vítimas;, citou. Transformação Apesar de ter ouvido muitas críticas em relação ao projeto, o especialista em segurança do trânsito Eduardo Biavati concorda com a restrição aos portadores da carteira provisória. Segundo ele, países da Europa adotaram a permissão gradativa, uma ação que tem reduzido as mortes. Os motoristas são avaliados periodicamente e conquistam graduações mais elevadas com o passar do tempo. ;Considerando a transformação da nossa frota na direção da ampliação do número de motocicletas, essa medida pode, sim, reduzir as mortes nas rodovias. A composição de trânsito nas estradas é diferente. Mistura jamanta, ônibus, carro, moto. Nesse contexto, a condução com pouca experiência potencializa o risco de acidente.; O que diz a lei COMO É HOJE A única restrição ao portador de Permissão para Dirigir prevista no Código de Trânsito Brasileiro é com relação às infrações cometidas no primeiro ano após a aprovação. Nesse período ele não pode cometer nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima nem ser reincidente em infração média. Caso ocorra uma dessas situações, o condutor tem a permissão cancelada e reinicia todo o processo de obtenção de habilitação. PROPOSTA DE MUDANÇA O Projeto de Lei n° 110, do Senado Federal, de 2003, acrescenta o artigo 118-A ao Código de Trânsito Brasileiro. Se for aprovado, passará a ser exigido o porte da Carteira Nacional de Habilitação para a condução de veículos nas rodovias e estradas, salvo nos trechos urbanos dessas vias. Neles, é facultada a condução por portadores de Permissão para Dirigir.

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