Cidades

Testemunhas incriminaram Nenê Constantino

Mais de 30 depoimentos, entre eles o do ex-genro Eduardo Queiroz, e a quebra do sigilo telefônico fizeram a polícia indiciar o fundador da Gol por dois assassinatos e uma tentativa de homicídio.

postado em 04/01/2009 08:20
A polícia conta com quebras de sigilo telefônico e pelo menos 30 depoimentos para incriminar Constantino de Oliveira por duplo homicídio e tentativa de assassinato. Fundador e sócio da Gol Linhas Aéreas e dono do grupo Planeta de transportes urbanos, Nenê Constantino, como é conhecido, acumula acusações que contrastam com o perfil consolidado ao longo de 50 anos como empresário bem-sucedido. Aos 78 anos, tem agora o nome envolvido em histórias de violência, disputas de terra e pistolagem no Distrito Federal. Uma mudança radical para o mineiro de Patrocínio, que se destacou pela discrição, jeitão de interior e habilidade nos negócios. As principais provas reunidas pela Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida), da Polícia Civil do DF, passam pelas testemunhas do caso. Nos dois inquéritos abertos na divisão especializada, os investigadores ouviram pessoas em Brasília, Goiás, Bahia e Minas Gerais. O relato mais importante chegou à polícia em abril. Foi feito pelo também empresário Eduardo Alves Queiroz, 54 anos. Ele era casado com uma das filhas de Constantino, de quem era sócio no grupo Planeta. As duas separações ; pessoal e profissional ; os tornaram inimigos. Queiroz disse saber do planejamento da execução do líder comunitário Márcio Leonardo de Sousa Brito, 27 anos. O crime ocorreu em 12 de outubro de 2001, em Taguatinga, onde um grupo de 100 moradores ocupava a garagem da antiga Viação Pioneira, na QI 25. Constantino movia ação de despejo contra eles e pressionava para que abandonassem o local ; um outro morador morreu assassinado em fevereiro. A partir do depoimento do ex-genro, os agentes identificaram um suspeito do primeiro assassinato. Ele deu o nome de três homens. Entre eles, o do fundador da Gol e o do funcionário Vanderlei Batista Silva. Dois meses após conversar com a polícia, no entanto, Eduardo Queiroz se viu alvo de um atirador. O bandido, na garupa de uma moto, deu cinco tiros em direção ao carro do empresário. O ataque ocorreu por volta das 21h de 5 de junho. O empresário saía do escritório da empresa União (de transporte interestadual e do mesmo grupo Planeta), no Setor de Garagens e Concessionárias Sul. Quatro balas atingiram o veículo ; uma delas parou na jaqueta da vítima ; e outra acertou o pneu dianteiro direito do Fox 1.6. Queiroz saiu ileso. Investigadores da 8ª Delegacia de Polícia, no Setor de Indústrias e Abastecimento, assumiram o caso e trabalham com a hipótese de crime encomendado. Mas ainda não chegaram ao nome do mandante, nem ao autor dos disparos. Também apuram se existe alguma relação entre o depoimento prestado pouco antes à polícia e o atentado cometido com um revólver calibre .38. O ex-genro de Nenê Constantino não dá entrevista. Mandante Sob o comando do chefe da Corvida, o delegado Luiz Julião Ribeiro, as investigações pesam diretamente contra Constantino. O empresário foi indiciado em dezembro. O motivo: forçar o abandono do prédio da Pioneira, de propriedade dele. O lugar tinha sido fracionado, sem consentimento, por um ex-funcionário do grupo Planeta encarregado de cuidar do terreno. Cada uma das 100 famílias pagou para ocupar a área sem saber a quem ela pertencia. O ex-empregado morreu de cirrose um ano após a morte de Márcio Leonardo. Para Julião, as provas não deixam dúvidas: o fundador da Gol e os motoristas aposentados Vanderlei Silva e João Alcides Miranda são os responsáveis pelos crimes. Sabe-se, ainda, que as duas vítimas morreram com balas saídas do mesmo revólver calibre .38. ;A investigação é absolutamente consistente de que ele (Constantino) é o mandante desses três crimes. Tudo converge em termos de interesse, lucro e ação. O interesse todo era dele. O terreno era dele. Era ele quem lucrava;, afirmou o delegado. Nenhum dos três está preso e provavelmente aguardarão os julgamentos em liberdade. Na época dos crimes, Vanderlei Silva fazia a segurança pessoal do patrão. Reelegeu-se vereador, aos 67 anos, em Amaralina (GO) nas últimas eleições. A Corvida ainda investiga a compra de um Mercedes Classe A, por R$ 37 mil, 11 dias após o assassinato de Tarcísio. Segundo a polícia, Vanderlei não tinha recursos para tanto. Miranda, 61, trabalhava como vigilante da garagem da Pioneira pouco antes dos crimes. Ainda mora no local com a família. A reportagem o procurou em dezembro, mas ele não retornou as ligações. O Correio também tentou ouvir o principal acusado dos homicídios nas duas vezes em que a Corvida divulgou à imprensa o envolvimento dele nos casos. Constantino evitou entrevistas. Preferiu se manifestar em notas assinadas por advogados e divulgadas pela Gol. Nelas, o resultado da investigação é tratado como ;absurdo;. Perfil ousado O momento vivido por Constantino vai contra aquilo por que ele sempre primou: discrição. O empresário vive na capital do país desde 1977 e, mesmo na esteira de um império em crescimento, se manteve longe dos holofotes. O homem de hábitos simples, que não concluiu o primário e tem como melhores amigos ex-rodoviários, apareceu com frequência no noticiário nacional só no fim da década de 1990, quando entrou no ramo da aviação. Antes disso, Constantino já tinha se firmado como uma das lideranças no setor de transportes urbanos no país. O filho de lavrador precisou de 50 anos para, a partir da compra de um caminhão, se tornar o maior proprietário de ônibus do Brasil. A frota se espalha por sete estados, além do DF. Desde o início dos anos 2000, os negócios da família alcançam fazendas, concessionárias de veículos e empresas de engenharia. O patrimônio chega a mais de R$ 1 bilhão. Em janeiro de 2001, Constantino confirmou o perfil de empresário ousado e fundou a Gol Linhas Aéreas. Enveredou no ramo mesmo com a malsucedida experiência da família Canhedo, dona da Viplan no Distrito Federal, que acabou com a falência da Vasp. Já a Gol, que começou a operar com quatro aviões, hoje aparece como a segunda maior do mercado. Além de expor Constantino, a data de fundação da Gol coincidiu com os crimes que envolvem o nome dele ; apesar de os dois casos só virem à tona sete anos depois. O empresário também apareceu recentemente na mídia por causa de um amigo influente, o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. O político renunciou ao mandato de senador em 2007 depois que se abriu investigação por conta da partilha de um cheque de R$ 2,2 milhões, assinado pelo empresário mineiro. Caso Constantino A Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida) indiciou Constantino de Oliveira, João Alcides Miranda e Vanderlei Batista Silva por dois assassinatos e uma tentativa de homicídio no DF. Os crimes teriam sido cometidos por disputas de terra com moradores da garagem da antiga Viação Pioneira, em Taguatinga. A investigação está adiantada, mas faltam detalhes a esclarecer. OS CRIMES # A primeira morte ocorreu em 9 de fevereiro de 2001. O caminhoneiro Tarcísio Gomes Ferreira, 42 anos, levou quatro tiros em um quiosque próximo ao antigo prédio da Pioneira, na QI 25. Um pistoleiro o atingiu por volta das 19h. Estava ao lado da filha de 4 anos. A vítima havia trabalhado nas empresas de Constantino como motorista de ônibus. Desentendeu-se com o patrão por atrasos no pagamento. Morava com a família na garagem, mas ficava até 15 dias longe por causa do trabalho. Segundo a polícia, Tarcísio foi morto como tentativa de pressionar os ocupantes a deixar o lugar. # O ataque do dia 9 deixou ferido outro homem. Mas o pintor José Amorim dos Reis, também 42, teria sido atingido por dois disparos por engano. Ele estava próximo a Tarcísio. # O segundo homicídio ocorreu em 12 de outubro de 2001. Desta vez, o assassino acabou com a vida do principal líder dos cerca de 100 moradores do lugar. Márcio Leonardo de Sousa Brito, 27, levou três tiros ao ser atraído para uma emboscada. Um desconhecido bateu à porta dele a 0h15. Ao sair, recebeu três tiros. Pela manhã, advogados do sócio e fundador da Gol retiraram os moradores. Os chefes de cada família receberam R$ 500. AS CERTEZAS # Para a polícia, não há dúvidas de que Constantino de Oliveira, 78, é o mandante dos crimes. Ele movia ação de despejo contra os ocupantes e pressionava para que abandonassem o local. # Vanderlei Batista Silva, 67, fazia a segurança pessoal de Constantino. De acordo com a investigação, contratou o pistoleiro que matou as duas vítimas. Vanderlei Silva é vereador reeleito em Amaralina (GO). # João Alcides Miranda, 61, se passou por morador e vigilante da invasão para levantar informações sobre os líderes. Também é acusado de participar dos dois crimes. Teria atraído uma das vítimas para a armadilha e identificado a outra para o pistoleiro. Ainda mora na garagem, local das mortes. AS DÚVIDAS # As balas que mataram Tarcísio e Márcio Leonardo saíram do mesmo revólver calibre .38, segundo exame de balística. O resultado levantou a suspeita de que o mesmo pistoleiro, ainda não identificado, cometeu os dois assassinados. É procurado pela polícia. # Vanderlei comprou uma Mercedes Classe A por R$ 37 mil 11 dias após a morte de Tarcísio. A polícia aprofunda a investigação, mas sabe que o salário da família não dava condições para a compra de um carro caro.

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