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Entrequadra da 314/315 Norte é nova cracolândia em Brasília

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postado em 09/01/2009 08:00
O dia amanhece e logo aparecem os primeiros rastros dos habitantes noturnos do fim da Asa Norte. Latas de cervejas e de refrigerantes com pequenos furos, palitos de fósforo queimados e canudos de plástico largados embaixo das marquises de blocos residenciais dão pistas da movimentação ao longo da madrugada. Os sinais deixados nos prédios da classe média brasiliense não deixam dúvidas: são de traficantes e usuários de crack, droga de alto poder de destruição que agora mantém centenas de moradores acuados nos próprios apartamentos. Vídeo: moradores reclamam da presença de traficantes [VIDEO1] O Correio precisou de duas noites e duas madrugadas para flagrar a movimentação de traficantes, olheiros e viciados nas comerciais e residenciais da 314 e 315 Norte. As quadras, marcadas há décadas pela presença de prostitutas e de traficantes de maconha e cocaína, sofrem hoje com a presença do crack. A negociação, o repasse e o consumo são feitos na região por dezenas de jovens, que usam bermudões, bonés e camisas largas como uma espécie de uniforme. Vistos das coberturas dos edifícios, lembram filas de formigas em deslocamento incessante. As duas quadras aparecem como novidade no mapa da cracolândia no Distrito Federal. No início de dezembro, o Correio publicou série de reportagens sobre o avanço da droga derivada da cocaína em várias capitais do Brasil, inclusive em Brasília. Apareciam entre os principais locais de venda e consumo no DF oito pontos de traficantes e usuários: dois na área central do Plano Piloto (Conic e Setor Comercial Sul), dois na Asa Norte (911 e 116 Norte), dois em Ceilândia, um em Taguatinga e um na Vila Planalto. Todos atraem a prostituição e diversos tipos de crime, assim como na 314 e 315 Norte. Árvore de Natal A movimentação nas quadras do fim da Asa Norte é percebida com facilidade por moradores e funcionários de blocos, principalmente daqueles próximos às comerciais. A maioria dos usuários, por exemplo, parece não se importar com os olhares das janelas dos apartamentos e das guaritas dos porteiros. ;Eles consomem o crack nas pontas dos edifícios e sempre com as tais latinhas. Tem dia que são tantos que, ao acenderem, lembram uma árvore de Natal;, contou um porteiro da 314 Norte que, assim como os colegas de profissão ouvidos pela reportagem, preferiu não se identificar. A quadra tem pontos conhecidos para o vício: o gramado entre os blocos F e I, a esquina entre os prédios E e G e o parquinho e o coreto ao lado do D. É por ali que se concentra a maioria dos usuários. Eles compram as pedras na comercial e as inalam embaixo de pilotis e marquises. Muitas vezes nem se incomodam com as luzes. E muito menos se intimidam com os porteiros, que trabalham com as guaritas chaveadas. ;Alguns se aproximam para pedir papel e latinhas. Até remexem nas lixeiras em busca de qualquer coisa que ajude o consumo;, disse um dos funcionários. Para piorar, a 314 Norte está com a principal cadeira da prefeitura vazia desde setembro. A ex-prefeita deixou o cargo após o término do mandato e, desde então, a quadra sofre com o abandono. O matagal tomou conta do parque infantil. As luzes de iluminação pública, algumas quebradas pelos próprios traficantes, demoram para ser trocadas. A parceria com a Polícia Militar, chamada regularmente pela antiga gestão, também diminuiu. ;Estamos acuados e sofrendo ameaças;, reclamou uma moradora de 60 anos, que evita descer depois das 18h. A ex-prefeita não quis dar entrevistas. Flagrante do consumo da droga na madrugada315 Norte Um dos motivos para a concentração de traficantes e viciados em crack na 314 Norte é a tentativa da prefeitura da residencial vizinha em afastar tais grupos. Até dezembro, por exemplo, o movimento se dividia entre as duas quadras. Só que caiu a partir da contratação de um vigilante noturno durante a época de Natal. O segurança deveria apenas cuidar da iluminação natalina, mas acabou inibindo a presença de parte do comércio e consumo ilegais. O resultado do serviço deve render a efetivação do funcionário para o restante do ano. A prefeitura da 315 Norte também investiu no aumento da iluminação em alguns pontos específicos. Um dos holofotes, entre a quadra comercial e o Bloco G, precisou ser trocado cinco vezes em poucos meses. Os quatro anteriores foram destruídos pelos viciados porque ficavam em um dos locais preferidos para o consumo das pedras. O último só continua intacto por causa de um suporte que o deixou mais alto. Também há postes de luz na quadra esportiva, na sede da administração e em um caramanchão. Mesmo assim, a residencial não se viu livre por completo do problema. As extremidades dos edifícios ainda funcionam como ponto de encontro. Os funcionários dos prédios se sentem ameaçados. Nada fazem, pois temem ser atacados pelos noiados. ;Estou aqui há 16 anos e rola consumo e tráfico de drogas desde 1997. Antes, era maconha direto. Agora, é essa tal de latinha que tomou conta;, afirmou o porteiro de um dos edifícios mais visados pelos usuários. Ele também trabalha com a portaria trancada à chave e acompanha o consumo diário pelo sistema de vídeo do edifício. Olheiros para evitar flagrante Correio fez série sobre avanço do crack no DFOs traficantes e viciados da quadras 314 e 315 Norte atuam organizados e em alerta para a chegada da polícia. Carros da PM circulam entre as duas comerciais com frequência, mas olheiros de prontidão acusam com rapidez a presença do policiamento ostensivo. O surgimento dos veículos coincide com o movimento de jovens para dentro das residenciais. A maioria esconde as drogas embaixo de pedras e em tomadas elétricas. Quando pegos para revista, normalmente portam pequena quantidade. O comandante do 3º Batalhão de Polícia Militar (Asa Norte), tenente-coronel Carlos Alberto Teixeira Pinto, afirmou que 85% dos traficantes da região foram presos pela polícia e voltaram às ruas. A maioria portava pouca quantidade da droga, insuficiente para caracterizar o tráfico. ;O problema ali é o crack mesmo. E a dificuldade em manter os envolvidos presos;, contou o oficial. Segundo ele, há previsão para a construção de um posto comunitário da Polícia Militar entre a 314 e a 315 Norte. Existe um em funcionamento na 312 Norte. O delegado-adjunto da 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte), Rogério Borges Cunha, disse que a polícia reúne informações sobre a nova cracolândia do Distrito Federal. E intensificará a investigação no local. ;A situação ali naquelas duas quadras é bem complicada. Um dos problemas que identificamos é a alta rotatividade. Prendemos alguns, mas logo outros tomam o lugar;, explicou. Segundo o delegado, a prostituição também dificulta a identificação dos traficantes que, durante a madrugada, se camuflam entre as prostitutas das comerciais. Duas mortes A capital do país registra pelo menos duas mortes por dívidas com traficantes de crack. Nos últimos cinco meses, dois jovens moradores de Brasília acabaram executados no Plano Piloto. A primeira envolveu um morador da 315 Norte. O rapaz de 25 anos sofreu torturas em área de mata fechada na 912 Norte antes de ser executado com cinco tiros, em 10 de julho. O segundo caso envolveu uma moça de 18 anos, assassinada a pedradas no Setor Bancário Norte em 4 de novembro. A vítima se prostituía para sustentar o vício. As estatísticas oficiais confirmam o avanço do crack no DF. Enquanto as apreensões de merla e cocaína diminuem a cada ano, as da pedra aumentam. A Polícia Civil realizou a primeira apreensão em 2006: uma pequena porção de 2,85g. No ano seguinte, foram 562g. Já nos nove primeiros meses de 2008, os agentes flagraram 3,122kg. Crescimento de 455% em relação a 2007. A quantidade apreendida no ano passado parece pequena, mas equivale a mais de 12 mil pedras prontas para consumo.

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