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Jovem que vendia calcinhas e salgados pelas ruas foi eleita Miss Taguatinga

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postado em 09/01/2009 09:43
Ela já vendeu salgados pelas ruas de Taguatinga. Junto com a mãe, saía com uma cesta e andava pelas avenidas. O rosto bonito e a altura da menina chamavam a atenção dos fregueses. Tempos depois, também em companhia da mãe, virou camelô. Vendia calcinhas numa banquinha no centro da cidade, perto da Praça do Relógio. E começou a correr. Corria todos os dias do rapa, de segunda a sábado, das 6h às 19h. Corria para não perder o pouco da mercadoria que tinha. Corria para ter o que comer no dia seguinte. ;Quando o rapa leva a mercadoria, ele leva também a esperança dos ambulantes. Era muito triste. Não era a chuva ou o sol que incomodava a gente. O que doía era perder tudo de uma hora pra outra, ficar sem nada, sem chão;, ela lembra. Um dia, aos 17 anos, enquanto tentava vender mais uma calcinha, uma mulher a achou ;bonitinha;. Convidou-a para ser vendedora de uma loja. Depois, aos 18, sua vida mudaria mais uma vez. Virou secretária em escritório de advocacia. E agora, aos 20, a menina que corria do rapa virou miss. Isso mesmo. A moça de pernas compridas e cabelos negros que vendia calcinhas no centro da maior cidade do DF foi eleita Miss Taguatinga. Derrotou 18 candidatas. Algumas lindas, belas, com pele de porcelana, de famílias importantes da sociedade. Nenhuma delas correu do rapa. Nem vendeu salgadinhos pelas ruas. A miss recebeu a faixa de mulher mais bonita de Taguatinga. A plateia foi ao delírio. A mãe dela, a ainda camelô Heloisa Buéri, 40, não acreditou. O único irmão e mais cinco amigos, que eram sua torcida, também não. Mas era verdade. Depois da festa, de dar entrevista e posar para centenas de fotos, cansada, a miss foi comer cachorro-quente numa barraquinha do centro da cidade. Foi de vestido de festa alugado por R$ 140 (;a dona da loja queria R$ 200, mas eu pechinchei;, conta ela, aos risos), salto alto e a faixa. O povo parou. Os marmanjos deliraram. Houve quem pedisse autógrafo. Em 8 de março, no Centro de Convenções, ela disputará com outras 26 candidatas o título de Miss DF 2009. Parece um conto de fadas? E é. Lorena Buéri é a personagem principal dele. Mineira de Pirapora, com 11 anos de idade chegou com a mãe e o único irmão a Taguatinga. Separada do marido, a mãe viera tentar a vida no DF. Trouxe apenas o dinheiro do aluguel de um barraco de fundos. ;Passamos uma semana comendo pão com salsicha;, conta. Como cozinhava bem, Heloísa tratou de fazer salgados. Colocava-os numa cestinha coberta. Lorena e a mãe saíam pelas ruas da cidade que mal conheciam. Era o sustento diário. A certeza de que no dia seguinte teriam o que comer. Anos difíceis Como vendedora de salgados e camelô, viveu anos difíceis. Tudo era contado. Quando sobrava alguma coisa, virava festa. O cachorro-quente estava garantido. Lorena sempre fez da vida uma festa: ;Nunca tive vergonha de nada. Trabalhar sempre me deu prazer;. A vida sempre lhe foi muito real, nada de contos imaginários. Em tempo: a miss nunca leu O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. O tempo passou. A moça deixou a banquinha de camelô e virou secretária em Brasília. Terminou o ensino médio. Tinha 18 anos. No fim do ano passado, quando passeava pelas ruas da sua cidade, viu um outdoor, no centro da cidade : ;Procura-se Miss Taguatinga;. Ela cutucou uma amiga e disse que ia concorrer ao título. Ainda brincou: ;Se eu perder, terei que ir embora daqui. A vergonha vai ser grande...; E lá se foi a morena de 20 anos, cabelos e olhos escuros, 1,78m, 58kg, 60cm de cintura e 95cm de quadril atrás do sonho de conto de fadas. Conheceu as outras candidatas. Tremeu. ;Meu Deus, tinha muita menina linda, perfeita.; Teve aulas de passarela. Intensificou a malhação. Levou a sério o concurso. Teve que fechar a boca. E, pela primeira vez nos seus 20 aninhos de existência, fez algum tipo de dieta. ;Como igual a uma desorientada. Você não tá entendendo. Arroz, feijão e macarrão é comigo mesma;, entrega, às gargalhadas. Na manhã de ontem, Lorena recebeu o Correio, em sua alugada e modesta casa de fundos na QNA 31 de Taguatinga. Tinha pressa. Disse ao patrão, no escritório de advocacia no Edifício Brasil 21, que só faltaria pela manhã. Cumpriu o trato. Em cinco minutos de conversa, a miss se mostra, sem metáforas. A espontaneidade é sua marca registrada. Ela falou da vida, dos sonhos e da luta que foi ao chegar a Brasília. ;Não tive infância. Nunca ganhei presente de Papai Noel. Sempre trabalhei muito, desde pequena. Quando vou a um parquinho de diversão, mesmo com essa idade toda, eu viro uma criança. Brinco até cansar. Viro uma moleca.; E fez uma revelação comovente sobre a decisão de participar do concurso: ;Só entrei porque vi que um dos prêmios era uma bolsa de estudos numa faculdade. É o que quero. Vou estudar direito.; Preconceito A miss, pasmem, está solteira há quatro anos. ;Nunca fui muito de sair. Gosto mais de ficar em casa, na minha;, diz. Namorados de verdade só houve dois. O último, filho de uma família de classe média alta taguatinguense, estudante universitário, tinha vergonha do trabalho dela de camelô. ;Ele nunca me apresentou a nenhum amigo dele nem me apresentou os seus pais;, conta. Coitado do rapaz. Perdeu um monumento. A camelô virou miss e o assédio nunca mais parou. ;Às vezes, fico até sem graça. Quando ando na rua, em shopping, os homens me seguem, puxam conversa. Até no almoço eles me abordam...; Andar de ônibus, como faz todos os dias para chegar ao trabalho, é um terror. Os marmanjos enlouquecem. Depois da conversa na casinha de fundos, uma volta com a miss pelas ruas da cidade. Parada obrigatória: local onde ela vendia calcinhas. ;Aqui, eu conheci a vida;, reflete a bela morena. Hoje, a mãe ainda é ambulante, mas não de calcinhas. Casou-se com outro ambulante, proprietário de uma kombi que vende livros usados. Um dia depois que venceu o concurso, num sábado, Lorena acordou cedo e foi ajudar a mãe e o padrasto no ;kombão da cultura;, como ficou conhecido o lugar. Antes, porém, a miss limpou a casa e lavou o banheiro. ;Até brinquei com minha mãe dizendo que agora era miss e não podia mais fazer esses trabalhos domésticos. Ela riu muito de mim.; Em 8 de março, no Centro de Convenções, Lorena será testada mais uma vez. Está em jogo o título de Miss DF 2009. A moça está otimista: ;Vou trazer esse título pra Taguatinga. Amo essa cidade e ela merece;. Clóvis Nunes, coordenador-geral do evento, diz que este ano o concurso vai ;pegar fogo;. ;As meninas são lindas, cada uma mais que a outra;, avisa. Sobre Lorena, o experiente Clóvis é direto: ;Além de muito bonita, ela é determinada e objetiva. Sabe o que quer;. E a miss tem um desejo para o dia: ;Se eu pudesse, locaria um ônibus e chamaria todos os camelôs de Taguatinga pra torcerem por mim. Se eu ganhar, esse título será deles também;. Essa é a história de uma menina que, mesmo que não fosse miss, que não tivesse faixa, já seria bela do mesmo jeito. Ela nasceu miss.

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