Cidades

Planaltina de Goiás é o principal centro exportador de pedintes para Brasília

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postado em 11/01/2009 08:14
Vítor* ainda se recupera de uma das piores gripes que já teve nos 10 anos de vida. A febre não baixou totalmente após quatro dias debaixo das cobertas. Não é para menos. Foram 15 dias dormindo ao relento, com direito a chuva e frio tradicionais do verão brasiliense. Ele, a mãe e o irmão Vagner*, de 13 anos, saíram de Planaltina de Goiás na véspera do Natal e ficaram até depois da virada do ano na comercial da 206 Sul. Apesar de receberem bolsa do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), num total de R$ 120 por mês, os dois trabalham vendendo balas e chicletes num tradicional bar da capital do país, distante mais de 50km de casa, no bairro Imigrante. Os três podem ser vistos na região com frequência. ;A gente fica ali desde que eu era bem pequeno. Tinha uns 5 anos quando vim pela primeira vez com minha mãe;, conta Vítor. Quando não é época de festas e a solidariedade do brasiliense está em níveis normais, a família aparece na Asa Sul todas as quintas-feiras e volta para casa no domingo. No fim do ano, apostaram em ficar mais dias para ver se conseguiam aumentar o orçamento doméstico. Não deu certo. ;O Natal foi fraco. Só conseguimos R$ 66 nesse tempo todo;, afirma Vagner. O dinheiro não dá para sustentar a família. Ao todo, são 10 irmãos. Na verdade, já houve um dia que eram 15, mas cinco morreram por causa de problemas de saúde, do crime e do trânsito. Antes, Vagner e Vítor contavam com a presença da irmã Júlia*, de 16 anos. Hoje ela não faz mais a viagem. Está grávida de 8 meses de uma menina. Na manhã da última quinta-feira, a mãe dessa garotada ainda se esforçava para conseguir os R$ 12,15 da passagem para que os três pudessem vir para o Plano Piloto. Eles não estão sozinhos. Fazem parte de um exército de pessoas que moram em Brasilinha, apelido da Planaltina goiana, mas que ganham a vida em Brasília. Para sobreviver, fazem de tudo. Vale vigiar ou lavar carros, vender guloseimas, esmolar e até cometer pequenos crimes. A cidade de quase 80 mil habitantes é a maior exportadora de pedintes para a capital do país. De acordo com informações da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do Distrito Federal, 28% das famílias abordadas em situação de rua em 2008 eram do município. Em segundo lugar está Águas Lindas, com 23%. Para confirmar a enorme migração da população para o DF é só passear pelas ruas de Planaltina. Há mais casas trancadas do que abertas. O comércio é pequeno e sempre vazio. ;Não tem ninguém aqui. Todo mundo está em Brasília;, comenta Madalena Oliveira Lima, 26 anos. Ela vende blusas na feira coberta da cidade. Passagem excludente ;Aqui não tem emprego. A vida é difícil para todo mundo, mas para os jovens é ainda pior;, analisa Jonas*, de 17 anos. Ele e outros cinco amigos descem para a região do Gilberto Salomão, no Lago Sul, todas as sextas-feiras. Passam o fim de semana lavando carros. ;A gente se inscreveu em um programa de estágio numa lanchonete em Brasília. Eu e outros dois passamos, mas, quando o cara viu que a gente era de Brasilinha, desistiu;, conta Jonas. A mudança de planos se deve a uma das maiores queixas da população local. A passagem para a capital é de R$ 4,05. O alto custo do transporte é o grande responsável pelo número de moradores de Planaltina que acabam passando dias em Brasília em vez de voltar todas as noites. Rafael*, 17 anos, mora na plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto de segunda a sexta-feira. Nesses dias, a casa dele no bairro São José fica vazia. Ele pede dinheiro e cuida dos carros estacionados no Conjunto Nacional. Ele e mais oito da mesma família. Só a cunhada e a filha de 11 meses voltam todo fim de dia. ;Não durmo aqui com a minha bebê porque é perigoso demais. Tem de tudo aqui no centro, de ratos enormes a bandidagem;, comenta a jovem de 22 anos, que pediu para não ser identificada. Quando não consegue o dinheiro da passagem, implora por carona dos motoristas de ônibus. ;Ganho R$ 12 por caixa de chiclete vendida. Hoje não vendi nem metade;, conta. Desafio Outro que deixa a casa trancada é Júnior Moraes da Silva, 31 anos. Em Planaltina de Goiás, ele mora no bairro Barrolândia. Em Brasília, num barraco de lona preta com vista privilegiada da Ponte do Bragueto. ;Lavo carros na 116 Norte desde que tinha 13 anos. Já sou amigo da galera;, garante. De acordo com ele, perdeu a conta de quantas passagens ganhou do GDF. ;Vou embora, vejo meus amigos e volto;, comenta. O constante fluxo de população de rua de Brasilinha para Brasília não é novidade para o prefeito que acaba de assumir a cidade do Entorno. José Neto admite que não há empregos na cidade. ;A geração de empregos é um desafio para os políticos daqui e de outras cidades do Entorno;, comenta. Ele diz que está articulando uma reunião com outros políticos das cidades vizinhas ao DF para levar ao governador José Roberto Arruda os problemas da região. Quanto ao preço da passagem, a solução também está longe de ser simples. ;Aqui só tem uma empresa fazendo transporte interestadual. Minha idéia é construir um terminal rodoviário na divisa do DF para que a população possa pegar ônibus no DF;, afirma. * Nomes trocados em respeito à proteção dos direitos da infância e adolescência

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