Cidades

Joãosinho Trinta vira enredo de escola de samba do Cruzeiro

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postado em 13/01/2009 08:26
O maranhense que transformou o carnaval carioca, que fez da Beija-Flor uma grande e histórica campeã, que amou o Rio de Janeiro como amou São Luís e que decidiu que nunca mais sairá de Brasília virou enredo da Aruc, a escola de samba do Cruzeiro. Esse homem miudinho, que nunca passou de 1,58m, se agiganta de paixão quando fala de sua trajetória. Estamos diante de João Clemente Jorge Trinta. Quem? Joãosinho Trinta, o maior carnavalesco da história do país. ;Se virar samba-enredo de escola de samba me envaidece? Não, não gosto dessa palavra. Me lembra vaidade;, ele diz, sentado em sua cadeira de rodas, na casa com vista para o Lago Paranoá, onde mora desde que saiu do Hospital Sarah. Depois, deixa a modéstia de lado e assume: ;O que me deixa feliz é saber que isso é um reconhecimento do meu trabalho feito pelo universo do samba;. Joãosinho gostou do samba? Sabedor do que diz, sai pela tangente: ;Minha opinião pode influenciar o júri. Não quero que isso aconteça;. Em seguida, deixa escapar: ;Estou honrado com o carinho com que todas as pessoas me receberam aqui. A Aruc é uma grande escola. Mas meu coração é de todas;. Ouça trecho do samba-enredo da Aruc para o carnaval (13/01) Para ficar bem distante de qualquer coisa ;que possa influenciar os jurados;, Joãosinho nem desfilará pela Aruc. ;Pretendo desfilar na abertura oficial do carnaval, junto com o Rei Momo, a Rainha e a Imperatriz.; Mas ele estará no Ceilambódromo, para ver a escola passar cantando o seu nome. E certamente irá chorar. ;Só choro no carnaval;, admite o maranhense que se tornou a referência de maior festa popular do país. Passa das 15h. Numa casa de um amigo, com vista cinematográfica, na ML 12 do Lago Norte, Joãosinho Trinta está hospedado desde que deixou o hospital. A voz pausada e os movimentos lentos, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC), tornam a conversa mais calma. E até por isso mais intimista. O homem de 75 anos fala com alegria de menino. Num certo momento da entrevista, diz, com sinceridade comovente: ;Não consigo entender como uma pessoa sofre de depressão. A vida é maravilhosa;. Em seguida, pergunto qual a grande paixão de sua vida. O homem com forte sotaque ainda ludovicence (de quem nasce na capital São Luís), mesmo depois de mais de 50 anos vividos no Rio de Janeiro, responde: ;Minha grande paixão é a vida e seus mistérios. Os desafios que ela nos impõe;. Esse é o homem, um eterno apaixonado pela vida, que fez a negra Pinah sambar com o príncipe de Gales. Diante da exuberância da passista careca da Beija-Flor, Charles ficou com as pernas bambas e os olhos esbugalhados. Em 1978, o mundo inteiro assistiu a essa cena. Há três anos, Joãosinho deixou o Rio de Janeiro. Veio em busca de tratamento para as sequelas do derrame ; todo o lado direito ficou paralisado. A voz teve que ser treinada. A vida, reiventada. Ele sabia que nunca mais andaria apressado pelas alas da sua escola. Ou gritaria como sempre gritou. Ou emendaria noites insones antes do carnaval. Ele sabia que a vida agora lhe pedia calma. Lembranças A letra do samba da Aruc diz: ;Liberta a fantasia, voa meu gavião, vamos exaltar o grande mago que vem lá do Maranhão;. E é de lá, mais precisamente de São Luís, cidade cheia de história e magia escondidas em suas ruas estreitas, nos casarões com azulejos seculares e nas lendas do bumba-meu-boi, que vêm as melhores lembranças de sua vida. Sentado na varanda de onde vê o lago, Joãosinho viaja à sua terra natal. ;Nasci numa ilha, cercada de mar por todos os lados. O lago de Brasília faz às vezes de mar;, compara, com olhar distante. E as lembranças do mar o transportam a São Luís. Recorda-se das duas irmãs que ainda estão vivas e moram na capital. Eleusina e Aldenora nasceram antes de Joãosinho. ;Sou mais moço que elas. Mas não coloca a idade delas aí, não (ele tinha acabado de dizer). O povo de lá ainda tem essas coisas;, pede, às gargalhadas. E faz uma declaração apaixonada às duas: ;Um dos maiores prazeres da minha vida foi a relação com minhas irmãs. São amorosas e queridas;. Esse é Joãosinho, que fez do carnaval uma apoteose. Fez gente simples acreditar que era rei ou rainha ; mesmo que por alguns minutos. Um dia, cansado das críticas que recebia na imprensa ; diziam que fazia um carnaval para ricos ;, o miudinho cresceu e sapecou: ;Quem gosta de miséria é intelectual. Pobre gosta de luxo;. E foi assim, em 1977, com muito luxo, que ele levou a Beija-Flor, até então uma desconhecida escola do segundo grupo, para o estrelato. Naquele ano, Joãosinho virou verbete. É esse o homem que será cantado em verso e prosa pela Aruc, em fevereiro. Hélio Silva, diretor-geral da escola, explica a homenagem: ;Joãosinho é um patrimônio do carnaval brasileiro. É o nosso agradecimento e reconhecimento por tudo que ele fez ao país. Além disso, é uma pessoa querida em toda a nossa comunidade. Esteve na quadra algumas vezes e elogiou o nosso carnaval;. Para os 50 anos de Brasília, em 2010, o mago prepara um grande carnaval. ;Faremos oficinas em todas as 18 escolas. Traremos gente do Rio. Será um carnaval mais bem estruturado, com mais beleza e profissionalismo;, adianta. E torce para que o governo construa o sambódromo perto da Torre de TV, no Eixo Monumental. ;É o local que representa Brasília, fica bem central, perto da rodoviária, com fácil acesso, onde o povo de todos os lugares consegue chegar. E foi aprovado em enquete por 82% da população;, empolga-se. O homem que ama São Luís, fez-se famoso no Rio de Janeiro e adotou Brasília para ;viver pra sempre;, revela: ;Essa cidade aconteceu na minha vida antes de ser inaugurada. Conheci o presidente Juscelino no Rio e sabia as várias razões dele para trazer a capital pra cá. Daqui, eu não saio mais. É minha moradia definitiva;. Depois, encanta-se com a idade e com as experiências vividas ao longo dos anos. ;Hoje, eu sou melhor do que antes. E entendo bem Nelson Rodrigues (escritor e dramaturgo), quando ele diz: ;Jovens, envelheçam rapidamente;;. Esse é Joãosinho, o homem que sabe de carnaval tanto quanto sabe da vida. Letra do samba da Aruc O Gavião abre as asas para Joãosinho Trinta Autores: Dílson Marimba, Wander Timbalada, Mestre Lolo e Fabi Rosa Liberta a fantasia, Voa meu gavião, Vamos exaltar, O grande mago que vem lá do Maranhão. Numa viagem encantada, Chega no Rio Cidade Maravilhosa, A sua arte é poesia, encanto e magia, Mostrou pro mundo a sua ousadia. No país das maravilhas sonhou, sonhar... Viu o sol da meia-noite arrepiar... (bis) No jardim das delícias, Alice a brincar, delirar... Mostrou as minas do Rei Salomão, É Aruc na cabeça, Sonhar com rei dá leão, Com sutileza fez gentileza, Mostrar a paz, amor e compaixão (la laiá), Brilha a negra estrela da grande constelação, Negro é arte é cultura, Na criação Nagô a tradição, Tem Chica da Silva, festa para o Rei Negro, Bahia de todos os deuses, Do lixo o luxo iluminou a escuridão, Joãosinho Trinta um exemplo de viver, Hoje Brasília faz a festa pra você. Deixa o meu samba te levar amor... Nessa ópera de rua eu vou... (refrão) Abraçado com a folia brincar... Com o projeto do amanhã eu vou brindar Ô liberta...

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