Cidades

Cartões-postais de Brasília sofrem com a falta de cuidados

Depois de reconhecer que falta uma política de preservação dos monumentos da capital, governo dará início a um estudo sobre as condições dos prédios tombados para renová-los até os 50 anos de Brasília

postado em 13/01/2009 08:42
Brasília deve à arquitetura de seus monumentos e ao desenho peculiar das quadras e das ruas o título de Patrimônio Histórico da Humanidade. Mas o que aconteceu com a Igrejinha Nossa Senhora de Fátima (307/308 Sul) na última sexta-feira, quando um incêndio destruiu parte dos azulejos de Athos Bulcão na parede externa, é apenas um exemplo do descaso com os prédios tombados. Dos 26 monumentos projetados por Oscar Niemeyer e reconhecidos pelo Patrimônio Histórico Nacional, pelo menos sete apresentam problemas graves provocados pela falta de manutenção e por vandalismo e cinco passam por reforma. OUÇA: Arruda lamenta incêndio na Igrejinha Secretária Eliana Pedrosa: "Não deem esmolas" Superintendente do Iphan fala sobre troca dos azulejos A equipe de reportagem do Correio visitou ontem oito desses monumentos e constatou danos que vão de pinturas descascadas, passando por infiltrações, pichações e até rachaduras. As falhas, no entanto, vão além das estruturais. Turistas reclamam da falta de sinalização e de informações sobre os prédios. Na tarde de ontem, o governador José Roberto Arruda e integrantes de vários segmentos do governo visitaram a Igrejinha. Arruda admitiu a inexistência de uma política de manutenção dos prédios tombados, mas anunciou que isso vai mudar. ;Determinei que seja feito um diagnóstico de todos os monumentos. Quero todos em perfeitas condições para o aniversário de 50 anos de Brasília;, avisou. A tarefa de traçar o levantamento caberá ao presidente da Empresa Brasiliense de Turismo (Brasiliatur), Roney Nemer. Ele garantiu que, em 10 dias, o documento estará pronto. Até o ano que vem, portanto, o turista local e especialmente os que vem de fora terão de se esforçar para entender a grandiosidade dos prédios que a cidade abriga. O estudante universitário paulista Bernardo Yono, 19 anos, passou os últimos cinco dias em sua primeira visita a Brasília, onde tem parentes. Ele aproveitou para conhecer vários exemplos da arquitetura de Niemeyer, como o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, a Catedral Metropolitana, o Memorial JK e o Memorial dos Povos Indígenas, onde falou ao jornal. ;Este prédio é significativo do que vi em Brasília. Possui um acervo muito interessante, mas falta cuidado com as instalações;, apontou. ;Tive prazer em descobrir esta parte de nossa história, mas o mobiliário urbano, como praças e calçadas, está todo quebrado. Também não há informações sobre o que visitar;, completou. O monumento dedicado aos índios precisa de pintura e está sujo em vários pontos. O local tem segurança 24 horas por dia, mas não há guias para dar explicações sobre as mostras. Abandono Praça dos Três Poderes: calçamento está danificadoA Praça dos Três Poderes, símbolo do país e da cidade, também demonstra abandono. Há pedras soltas nas calçadas, infiltrações no Espaço Lucio Costa, onde existe uma maquete do Plano Piloto, e monumentos sem acesso. O Panteão da Liberdade, por exemplo, está fechado desde abril de 2008. Parte de um teto de mármore do lugar desabou e o conserto deve ser feito pela Novacap. Perto dali, o gramado em que estão localizadas a Bandeira do Brasil e a Pira virou um matagal cheio de lixo e fezes. Poucos têm coragem de andar por ali, e quem o faz encontra pichada a parede da tocha acesa eternamente e muita ferrugem na base do mastro da bandeira. Com o estrago, uma proteção de ferro cedeu e uma piscina de água parada se formou no local. Mastro da bandeira: ferrugem e água empoçadaA falta de cuidado sobe a Esplanada rumo à Rodoferroviária. A Torre de TV está suja, pichada e enferrujada. O Complexo Cultural Funarte apresenta infiltrações nos dois teatros e pintura descascada, o que pode ser resolvido se uma reforma prevista para começar este mês sair mesmo. ;Dia desses estava aqui num show à noite e surgiu uma goteira. Caiu uma gota imunda na minha blusa branca. Será bom quando o prédio for renovado;, comentou o bancário Fernando Radaz, 26, que passou pelo local ontem. É do GDF a responsabilidade por manter a integridade de quase todos os prédios tombados. As unidades têm administrações diferentes, e as que não estão ligadas diretamente aos órgãos distritais devem garantir a preservação do bem. A Catedral e a Igrejinha da 307/8 Sul, por exemplo, não têm gestão direta do governo local, mas da Arquidiocese. ;Apesar disso, tentamos conseguir parcerias que possibilitem a restauração. A reforma da Catedral é um exemplo do nosso empenho em conseguir verba com o governo federal;, citou o secretário-adjunto de Cultura, Beto Sales. Pira: pichação, ainda que em forma de floresEntre as metas do GDF para o futuro, destaca-se a de tornar cada prédio tombado autossustentável. Uma das alternativas é a cobrança de ingressos. ;Em qualquer lugar do mundo, paga-se para visitar monumentos. Em Brasília, criou-se a cultura de não cobrar, mas precisamos, pelo menos, pensar nessa possibilidade;, comentou o secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho. O secretário e a administradora de Brasília, Ivelise Longhi, sugeriram a criação de um pelotão para vigiar os bens tombados. Arruda não descartou a ideia: ;É possível que façamos isso, mas dependemos de estudos;. Ainda ontem, o governador afirmou que pedirá à Secretaria de Segurança Pública a presença constante de policiais nos monumentos da capital. Restaurações atrasadas Entre os monumentos em reforma, a obra mais adiantada é a do Teatro Nacional Cláudio Santoro, iniciada em maio de 2007. Os cubos de Athos Bulcão deveriam ser restaurados em seis meses, por R$ 2,59 milhões, mas até hoje a fachada frontal está lisa ; a Secretaria de Cultura quer concluir a restauração em até dois meses. A da Catedral (foto), que sofre com vitrais quebrados e problemas hidráulicos e elétricos, também está atrasada. Fruto de um acordo de R$ 25 milhões entre o GDF e a Petrobras, a obra só começou este mês. Tudo deve ficar pronto em abril de 2010. No Palácio do Planalto, devem começar em fevereiro os trabalhos para eliminar goteiras e fios expostos, ao custo de R$ 88 milhões. Até o ano que vem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai despachar no Centro Cultural Banco do Brasil. O Touring Club, outra construção tombada, será um centro de serviços do governo local. Prédios mais antigos, como o Catetinho e a Torre de TV, esperam por projetos de reformas mais amplas. Ação policial na Igrejinha O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estuda a possibilidade de trocar todos os azulejos da Igreja Nossa Senhora de Fátima e não somente os que estão danificados, como está previsto no projeto de reforma do prédio localizado na 307/308 Sul. A hipótese foi levantada ontem pelo secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho. A sugestão, se aceita, vai evitar a diferença nas cores das peças novas e das antigas. A obra vai começar na próxima segunda-feira, está orçada em R$ 250 mil e deve ser concluída em até seis meses. O incêndio que destruiu na última sexta-feira parte dos azulejos da Igrejinha, como o templo desenhado por Niemeyer é conhecido, não deve alterar significativamente o valor. Mas, se faltar dinheiro ao Iphan, a Brasiliatur completará o orçamento, segundo garantiu o governador José Roberto Arruda, que visitou o local ontem à tarde, depois de recepcionar 662 servidores empossados na Secretaria de Saúde. Na entrequadra da Asa Sul, ele estava acompanhado de uma comissão de secretários, além de titulares da Brasiliatur, Câmara Legislativa e Polícia Militar. Os moradores das quadras vizinhas cobraram do governo a retirada dos pedintes que vivem em volta da igreja ou perto dos blocos. Eles acusam essas pessoas de terem iniciado o fogo na parede externa do templo. Em resposta às queixas, Arruda determinou ao comando da Polícia Regional Metropolitana ; responsável pelo policiamento ostensivo de todo o Plano Piloto ; que reforce as operações nas proximidades da 307/308 Sul. ;A ordem é levar essas pessoas ; moradores de rua ; à delegacia para saber se têm passagem. Caso não tenham, oferecemos o abrigamento ou a passagem de volta para a cidade de origem;, disse o governador, que planeja uma ampla campanha para orientar a população a não dar esmolas. A determinação de Arruda para a remoção dos pedintes, no entanto, é considerada arbitrária pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção DF (OAB-DF). ;A praça é pública. Mendigo ou não, quem quiser ficar lá tem esse direito. Desde que não cometa nenhum ato ilícito, o que é proibido em qualquer lugar. A ação do governo se mostra preconceituosa;, explicou o presidente da entidade, Jomar Alves Moreno.

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