Cidades

Governo estuda criar sistema de registro de ocorrências nas escolas

Para reduzir o índice de roubos nos arredores dos colégios e planejar ações preventivas, Secretaria de Segurança pretende implementar um sistema de registro de ocorrências dentro das unidades de ensino

postado em 14/01/2009 08:07
A Secretaria de Segurança Pública quer aproximar as estatísticas oficiais da realidade do ambiente escolar. Para tanto, estuda criar um sistema de registro de ocorrências nas próprias unidades de ensino. A ideia surgiu depois que o Correio revelou, em reportagens publicadas em setembro e novembro do ano passado, a atmosfera de insegurança nos arredores de colégios do Plano Piloto. Alunos são assaltados com frequência, inclusive à mão armada, e os casos não chegam à polícia. ;Se não aparece para a gente, é uma falha nossa. Os assaltos estão acontecendo e por algum motivo não estão sendo levados ao conhecimento da delegacia;, reconheceu o secretário de Segurança, Valmir Lemos. A proposta, ainda em fase de elaboração, foi apresentada pelo secretário antes do recesso de fim de ano, em reunião a portas fechadas que durou quase três horas, entre representantes do Ministério Público, Secretaria de Educação, escolas particulares e polícias Civil e Militar. Cada um ficou de pensar em sugestões para aprimorar a ideia. O grupo voltará a debater o assunto ainda este mês. O governo espera implantar o sistema neste primeiro semestre letivo e começar, de maneira experimental, pelas escolas do Plano Piloto. Se o plano vingar, os estudantes não precisarão necessariamente ir à delegacia para registrar ocorrências. Poderão, na própria escola, relatar o que aconteceu e, assim, abastecer um banco de dados ao qual o governo terá acesso. O registro será feito em formulários padronizados que serão distribuídos para todas as escolas públicas e particulares do Distrito Federal. O aluno vítima de qualquer tipo de crime ; não somente assaltos ;, na escola ou nas proximidades dela deverá informar data, hora e local do ocorrido e descrever resumidamente o episódio. O documento precisará ser assinado pelos pais ou responsáveis pela vítima. Quando receber algum formulário preenchido, a direção da escola comunicará a Secretaria de Segurança. A intenção é, com o tempo, adaptar o sistema ao formato eletrônico, para tornar o procedimento mais ágil. ;Não serão informações 100% oficiais, mas elas nos ajudarão a direcionar ações públicas. Precisamos saber o que está acontecendo para prestar um bom serviço;, destacou Lemos. Fim da ficção O promotor Rubin Lemos, coordenador do grupo de apoio à segurança escolar do Ministério Público do DF, participou da reunião no fim do ano e gostou da proposta. ;A polícia poderá trabalhar com dados reais, e não imaginários. Hoje é tudo no ;chutômetro;, as estatísticas oficiais não são nada confiáveis;, sustentou. A implantação do sistema, de acordo com o secretário de Segurança, não minimizará a importância do registro tradicional. As vítimas de crimes no ambiente escolar continuarão orientadas a também procurar as delegacias. A Polícia Militar não quis comentar a proposta. Também envolvido no debate, o subsecretário de Desenvolvimento do Sistema de Ensino da Secretaria de Educação, Atílio Mazzoleni, avaliou que o registro nos colégios será mais uma forma de a comunidade poder ajudar o governo a resolver o problema da insegurança. ;Às vezes algum fato chega à mídia antes mesmo de a polícia saber. As pessoas precisam entender que é preciso informar as autoridades sobre o que acontece;, defendeu. A presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do DF (Sinepe-DF), Amábile Passos, elogiou o fato de o Estado ter percebido conceitualmente a importância de resguardar os estudantes: ;Finalmente as escolas particulares terão acesso a uma política de segurança pública;. Reforço para a polícia Ainda que não estejam registradas no banco de dados oficial da Secretaria de Segurança, as informações colhidas por meio dos formulários entregues às escolas serão levadas em conta pela polícia na hora de montar estratégias. ;Nosso objetivo é alcançar pessoas que por algum motivo não levam o fato às delegacias;, comentou o secretário Valmir Lemos. Ele acredita que, muitas vezes, pais e responsáveis não registram ocorrência por acharem que um assalto é ;coisa pequena;. ;Se isso é pequeno para um pai, para nós não é. Hoje é um furto de celular, amanhã podemos ter uma vítima de latrocínio (roubo seguido de morte);, completou Lemos. O filho da professora Tatiana André de Arimatéia, 39 anos, foi vítima de assaltantes em dezembro. Dois rapazes, um deles com revólver, abordaram o garoto de 15 anos enquanto ele ia a pé para a escola, no fim da Asa Norte. Levaram o celular e a mochila. A mãe registrou ocorrência na delegacia. ;Se não, a polícia acredita que está tudo tranquilo na região;, justificou a professora, que aprova o registro nas escolas. ;Será um grande facilitador;, definiu. Prioridades O coordenador disciplinar do Centro Educacional Leonardo da Vinci da Asa Norte, Luciano Gallo, tem esperança de que a proposta do governo vá para frente. ;Sabemos que a polícia não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Com essas informações, ela poderá estabelecer prioridades;, afirmou. Já a servidora pública Terezinha de Jesus, 54 anos, discorda do sistema que a Secretaria de Segurança pretende implantar. ;Tem é que aumentar o efetivo nas ruas, e não transferir o papel de polícia para a escola;, argumentou. No mesmo tom, o diretor do Centro Educacional Sagrada Família (906 Norte), Leocir Thomé, cobra desdobramentos mais efetivos: ;Fazer esse levantamento é fácil. Quero ver as providências concretas;. O delegado Miguel Lucena, diretor de Comunicação da Polícia Civil do DF, também avaliou a ideia do governo com cautela. ;O que não podemos é confundir escola com delegacia: uma instrui e educa, a outra investiga crimes e previne a delinquência. O registro na escola não elimina a necessidade do registro na unidade policial;, ressaltou. Entenda o caso Em 14 de setembro do ano passado, o Correio trouxe reportagem que descrevia a onda de assaltos nos arredores de escolas particulares das asas Sul e Norte. O texto revelava que as abordagens ocorriam geralmente na entrada e na saída dos estudantes, em plena luz do dia ou no fim de tarde. Os assaltantes roubavam celulares, tênis, aparelhos de MP3 Player e bonés. Na época, a Polícia Militar prometeu intensificar o policiamento perto das escolas. Dois meses depois, em 17 de novembro, o Correio voltou a publicar matéria sobre o mesmo tema. A reportagem esteve novamente nos colégios do Plano Piloto e constatou que o reforço prometido pela PM não se consolidou como havia sido prometido. Além disso, um agravante tornou o problema mais sério: os assaltos passaram a ser à mão armada. De acordo com levantamento feito pela reportagem em 10 escolas das asas Sul e Norte, em 2008 houve pelo menos 45 assaltos a estudantes perto das unidades de ensino. Os casos, no entanto, não constam nas estatísticas oficiais da Secretaria de Segurança. Foi daí que surgiu a ideia de montar um sistema em que alunos possam registrar ocorrências na própria escola, por meio de formulários.

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