Cidades

Água Quente, um setor habitacional onde falta tudo

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postado em 21/01/2009 08:25
Cerca de 15 mil pessoas vivem em uma área sobre a qual pouco se sabe no Distrito Federal. Uma região resultante da ocupação desordenada de terras na capital que abriga famílias humildes. No Setor Habitacional Água Quente, entre Samambaia e Recanto das Emas, não há posto de saúde ou asfalto. A única escola sofre com a superlotação e vira uma cachoeira de lama e cascalho quando chove. A segurança pública se resume a uma viatura da Polícia Militar, que patrulha os oito condomínios irregulares e serve como ambulância. O nome ;Prefeito;, por ali, serve apenas para identificar um rapaz de 25 anos acusado de espalhar o terror na região. Cultura e esporte só existem no imaginário de crianças e jovens habitantes. Surgida do parcelamento da antiga Fazenda Tição, há cerca de 15 anos, a área ganhou status de zona urbana de baixa renda no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) do DF, aprovado em dezembro. Infraestrutura, no entanto, é palavra vazia. Esgoto e rede de águas pluviais não existem. A típica tranquilidade de cidade do interior deu lugar ao medo e à insegurança. Nas casas de tijolo aparente dos sete condomínios abertos ; Guarapari, Nova Betânia, Dom Pedro, Galiléia, Dom Francisco, Buritis e Salomão Elias ; a insatisfação é comum. No parcelamento São Francisco, um oásis em Água Quente, famílias mantêm a qualidade de vida graças aos muros que cercam o local. O setor, criado pela Lei nº 527/2002, durante o governo de Joaquim Roriz, faz divisa com Santo Antônio do Descoberto (GO). Vai do trevo da BR-060 à ponte que dá acesso ao município do Entorno. O parcelamento cresceu junto à DF-280. Os problemas começam logo na localização: do lado direito da pista ; sentido DF / Goiás; ficam três condomínio pertencentes à região administrativa de Samambaia. Do outro lado, cinco parcelamentos na área do Recanto das Emas. ;Não temos delegacia, por isso trabalhamos com as unidades de Samambaia e do Recanto, depende do lugar da ocorrência. Isso causa confusão e dificulta o trabalho;, contou o subtenente Ívisson Tagliaferro, chefe do posto da PM. A segurança da população depende de um efetivo abaixo do ideal: quatro policiais por turno e uma viatura. ;O ideal seriam oito policiais e três viaturas. Se a gente sai para a delegacia, o setor fica descoberto;, explicou o subtenente. O fenômeno da violência juvenil, característico de parcelamentos irregulares do DF, também cresce em Água Quente. O livro de ocorrências da PM exibe uma série de rostos de garotos de 11, 13 anos. ;Eles formam quadrilhas armadas e assaltam caminhões e residências;, contou o militar. Conhecido como ;o Prefeito;, Antônio Arnaldo Feitosa é apontado pela PM como o comandante do crime na região. Apesar das passagens por diversas delegacia do DF, o morador do condomínio Guarapari continua espalhando o medo: ;Aqui a bandidagem faz o que quer;, afirmou um morador. Saúde em baixa Nem médico, nem dentista, nem enfermeiro. Os moradores de Água Quente contam apenas com um posto do programa Saúde da Família, integrado por cinco agentes. ;A situação é grave. Não podemos receitar medicamentos nem fazer atendimento. Quem passa mal tem que chamar a viatura da PM para chegar a Taguatinga;, reclamou o porteiro Cláudio Silva, 36, única pessoa presente no lugar quando o Correio chegou. De acordo com a diretora de Atenção Básica da Secretaria de Saúde do DF, Jacira Abrantes, um médico deve chegar ao setor no próximos dias: ;Prevemos a chegada de outras duas equipes este ano;. No Centro de Ensino Fundamental Myriam Ervilha a situação precária se repete. Mesmo espremendo 2 mil alunos em três turnos, há cerca de 800 crianças e jovens sem vagas. ;Além da superlotação temos graves problemas quando chove. Uma corredeira de lama toma conta das salas. Temos que interromper as aulas e demais atividades;, revelou o vice-diretor do local, Salvio Bachiega. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Educação do DF, a construção de uma nova escola em Água Quente e de um muro ao redor da Myriam Ervilha estão em licitação. O lugar é uma das 29 áreas do DF que aguardam regularização. Regularização a longo prazo Não há previsão para a regularização dos oito condomínios de Água Quente. Apesar de constar no Pdot do DF, o setor habitacional está atrasado no cumprimento das exigências do GDF para dar o direito de posse dos terrenos aos moradores. Como faz parte de uma Área de Proteção Ambiental, a licença depende do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). O gerente de regularização de condomínios do DF, Paulo Serejo, explica que os moradores podem se organizar para agilizar o processo. ;Em vez de contratar uma empresa, eles mesmos podem apresentar um relatório ambiental, por exemplo. Por ser um setor de baixa renda, há uma série de vantagens garantidas pelo Tribunal de Justiça para a regularização;, afirmou. Para os moradores, sair da ilegalidade representa a esperança de tempos melhores. ;Esperamos melhorias há mais de 10 anos;, observa o líder comunitário Pedro Vieira, 40 anos, enquanto mostra o chão de terra esburacado em frente ao seu estabelecimento. Mesmo sem opções de lazer, o jovem Paulo Sales, 14, não pensa sair dali. ;Tenho amigos e família. Seria bom se tivesse um campo de futebol, um cinema. Quem sabe um dia chega, né?;, confia. Entre os adultos, a diversão se limita aos botecos. ;Mesmo assim ainda é perigoso à noite;, ressaltou Pedro César, que prometeu organizar os moradores para adiantar a regularização.

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