postado em 03/02/2009 08:39
O urbanista Lucio Costa sempre rejeitou propostas para ocupação do gramado central da Esplanada e também de outras áreas livres do Eixo Monumental. De forma ;elegante; disse não até para o grande amigo Roberto Burle Marx, o arquiteto e paisagista com diversos projetos assinados em Brasília. Quem lembra é o discípulo do ;artista dos jardins;, Haruyoshi Ono. ;Burle se aconselhava muito com Lucio Costa. E acatava o que ele dizia. Lucio queria aquelas áreas limpas, descortinar a arquitetura, não queria nem vegetação grande;, aponta.
Burle Marx apresentou dois projetos. O primeiro, ainda na época da construção de Brasília, foi o do Parque da Esplanada, que previa jardins e lagos no canteiro entre os ministérios, como publicou o Correio no último sábado. O segundo, já na década de 1980, também seria no Eixo Monumental. Lucio Costa se mostrou contrário às ideias. A última proposta está ainda hoje guardada no arquivo do escritório Burle Marx e Cia., no Rio de Janeiro. Haruyoshi Ono trabalhou com Burle de 1965 a 1994, quando o paisagista morreu. Começou como estagiário e se tornou sócio do escritório. Na avaliação dele, seu mestre não estaria no grupo de apoio à Praça da Soberania projetada por Oscar Niemeyer. ;Em meio a essa polêmica, acredito que a posição de Burle estaria mais próxima à do grupo crítico ao projeto. A proposta deve ser avaliada não somente sob a ótica da praça em si, mas sob um contexto maior, de como ele está inserida;, avaliou Ono.
Concepção
;Burle Marx seria a voz crítica mais poderosa neste momento. Tenho certeza de que ele acharia um absurdo essa praça. Ele entendia a concepção de Lucio Costa;, destaca a filha do criador da nova capital, Maria Elisa Costa. Burle e Lucio tinham uma relação próxima. Uma amizade que começou na época em que Burle, ainda menino, era vizinho de Lucio no Leme, bairro da capital fluminense.
Os dois fizeram parte do Conselho de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, na década de 1970. ;Tinham o mesmo entendimento. Impediram que muita besteira fosse feita no Rio naquela época;, conta Maria Elisa. Burle Marx foi incentivado por Lucio Costa a unir a pintura ao paisagismo, quando ainda era um jovem estudante de belas artes.
Segundo Ono, para Burle Marx, o fato de a proposta ser assinada por Niemeyer não implicaria que fosse necessariamente executada. O discípulo lembra a passagem em que o próprio Burle Marx também teve rejeitada uma proposta. Ono acha importante considerar o tombamento da área no caso da Praça da Soberania. ;Qualquer inserção de volume no centro de Brasília precisa ser muito bem pensada;, conclui. O arquiteto e paisagista responsável pelo legado de Burle Marx diz que acompanha a polêmica mais como observador. Mostra preocupação maior com o que já existe e não é devidamente mantido, como as praças de Burle Marx em Brasília e projetos como o da SQS 308 Sul. ;É importante dar valor ao que já foi feito em termos de paisagismo em Brasília.;
PARTICIPE:
Dê sua opinião sobre o assunto e escreva para o e-mail leitor.df@ diariosassociados.com.br
MPF aguarda informações
Elisa Tecles
Da equipe do Correio
O Governo do Distrito Federal e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) têm sete dias úteis para apresentar posicionamento oficial sobre a construção da Praça da Soberania ao Ministério Público Federal. Na última semana, o MPF abriu inquérito para apurar a regularidade da proposta de erguer a praça no gramado central da Esplanada dos Ministérios. Os GDF e o Iphan ainda não se manifestaram e podem pedir prorrogação do prazo.
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no DF, Alfredo Gastal, enviou nota afirmando que não pretende se pronunciar sobre o assunto para a imprensa até o MPF concluir o inquérito. No texto, Gastal explica que considera Niemeyer o maior arquiteto do país e reconhece como obras-primas o Congresso Nacional, a Catedral e outros. ;Esta superintendência, no entanto, reafirma ser contra a quebra do tombamento para a construção do projeto intitulado Praça da Soberania no canteiro central do Eixo Monumental com base nas legislações distrital e federal de tombamento da cidade;, completou o superintendente. No texto, Gastal reitera que o canteiro central do Eixo Monumental não é edificável e que a praça poderia interferir na visão do Congresso e da Rodoviária.
Não é a primeira vez que um projeto de autoria do arquiteto enfrenta problemas em Brasília. Em novembro do ano passado, a Agência de Fiscalização (Agefis) embargou as obras da sede do Conselho da Justiça Federal, no Setor de Clubes Esportivos Sul. A altura do prédio idealizado pelo arquiteto ultrapassou em 1,3m do limite permitido para a área, de 12m. A Agefis informou que a obra continua embargada e só pode ser liberada com autorização do Iphan e da Administração de Brasília. A Universidade Salgado de Oliveira (Universo) tentou construir um prédio projetado por Niemeyer às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), área com limite de 12m de altura para edificações. O prédio pensado por Niemeyer teria 30m de altura.
Protesto marcado
A discussão sobre a Praça da Soberania não está restrita a um círculo de arquitetos, representantes do governo e defensores do patrimônio. Um grupo de moradores prepara uma manifestação contra a construção do monumento, marcada para o próximo sábado. Eles ocuparão o espaço próximo à Rodoviária do Plano Piloto, onde Oscar Niemeyer quer ver a obra edificada.
O encontro começa às 16h e é aberto a todos que quiserem demonstrar a opinião sobre a praça. Por volta das 18h, os manifestantes prometem fazer um panelaço e se juntar para dizer ;não; em coro. ;É uma manifestação tranquila, simpática, sem palavras de ordem. É para ocupar o espaço;, lembrou a organizadora do protesto, Marta Litwinczik. Ela é historiadora, tem mestrado em planejamento urbano e trabalha desde 1992 com a questão do patrimônio de Brasília. A historiadora explica que não questiona a estética do projeto, mas sim a questão legal. ;A área não é edificante, é proibido construir qualquer coisa nela. As leis estão aí para a gente observar ou para burlar?;, indagou. Marta ressalta que, ;do ponto de vista do planejamento urbano moderno, não dá para investir em uma praça, quando há outros problemas na cidade;, concluiu. (ET)