postado em 05/02/2009 08:20
Depois de 10 dias em meio à intensa polêmica sobre o projeto da Praça da Soberania, Oscar Niemeyer foi reverenciado ontem pelos seus principais críticos. A carta, em que abre mão do que chamou de ;boa briga;, resgatou o sentimento de admiração por parte daqueles que divergiam de sua proposta. Niemeyer mostrou com as palavras a maestria da prancheta. Se seu último desenho não agradou a todos, seu último artigo unificou o movimento pela rediscussão urbanística de Brasília. ;Quem sabe um dia %u2026;, suspirou ontem, após a publicação do texto, em que confessa sentir ;um certo alívio em pôr um ponto final a essa celeuma que tanto nos ocupara.;
No artigo publicado ontem pelo Correio, o arquiteto ressalta ;que o que mais importa não são as tarefas que às vezes com sucesso realizamos, mas sim a luta por um mundo mais justo e solidário que nos ocupa, e que um dia mais próximo do que imaginamos se tornará realidade.; A imagem da Praça continua na sua cabeça. Ainda sente o encantamento do que poderá vir a ser. ;Gosto muito do projeto. Achei realmente que iríamos fazê-lo para o cinquentenário de Brasília. Mas diante da polêmica %u2026;, repetiu Niemeyer ontem.
A arquiteta Sylvia Ficher, uma das autoras do artigo ;Verso e reverso em Niemeyer;, que abriu toda a discussão sobre a Praça da Soberania, desabafou o desejo pela trégua ;em respeito a tudo que o arquiteto representa;. ;Era um debate de ordem arquitetônica, que estava se tornando muito emocional. Niemeyer merece ser preservado;, disse Ficher, que é doutora em história social e professora da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo ela, Niemeyer deu uma grande contribuição reacendendo a discussão sobre o tombamento de Brasília. ;Lamento que algumas coisas que ele disse serão mal-interpretadas. Mas o importante é que iniciamos um novo patamar de discussão da urbanidade. De forma mais aberta, com menos patrulhamento. Esse episódio todo não pode ser visto como confronto a Niemeyer, mas sim como o fato para repensar Brasília. Isso é maior que o projeto da Praça da Soberania;, avalia Ficher.
A professora é também uma crítica ao tombamento. ;Eu não sou favorável. Sou contra a lei do não-pode. Esse não era o meu argumento. Discuto o monopólio do escritório de Niemeyer. E no caso da praça eu realmente era contra que ela ficasse na Esplanada;, explica. ;Abrimos agora uma nova e saudável fase de discussão sobre a cidade como um todo;, reforça.
O arquiteto Jorge Guilherme Francisconi, co-autor do artigo que critica a ;excepcionalidade; concedida aos projetos de Niemeyer em Brasília, também fez seu elogio. ;O arquiteto foi extremamente elegante. Sua carta foi um gesto de cortesia;, declarou. No artigo, ele cita que a atuação de Niemeyer em Brasília nos últimos tempos passou a contribuir para ;a desorganização e destruição do aclamado urbanismo da cidade.; E ;como Lucio Costa mesmo disse ;os arquitetos são estimulados a serem gênios, para inventar, ficam inventando demais, o próprio Niemeyer foi culpado disso %u2026;
Na opinião de Francisconi, o criador da Catedral e dos palácios de Brasília deu uma grande contribuição ao debate sobre a capital. ;Foi a primeira vez na história de Brasília que um tema foi tão intensamente debatido com seriedade e criatividade. Niemeyer foi muito feliz ao citar o problema das cidades-satélites. Ao apontar que Brasília precisa ser revista, atualizada;, comentou Francisconi, que é Ph.D. em ciências sociais.
O secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, próximo de Niemeyer , afirmou que nunca vai abrir mão da defesa do arquiteto e de seu projeto. A carta, para ele, foi um gesto de ;humildade;. ;Ele tem todo o direito de fazer projetos, de propor novas coisas para Brasília. Com essa carta, foi humilde, quis buscar o consenso;, destacou. Gorgulho lembra que Niemeyer, como presidente da comissão julgadora do concurso que escolheu o projeto para a nova capital, foi o maior defensor de Lucio Costa. ;Se não fosse Niemeyer, o projeto de Lucio Costa não teria sido feito. Houve uma tentativa de última hora em alterar o resultado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). Mas, Niemeyer disse que não aceitaria tapetão. Defendeu sozinho Lucio Costa.; Gorgulho, Francisconi e Sylvia Ficher fazem parte do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF (Conplan), que se reuniu ontem.
Localização
A discussão sobre a Praça da Soberania se dividiu entre opositores, defensores, e aqueles que não questionaram a projeto, mas o local onde seria executado. ;A obra é genial, mas a localização talvez não fosse adequada. A proposta de se fazer em Taguatinga é muito boa;, comentou o presidente da Confraria dos Cidadãos Honorários de Brasília, Wilon Wander Lopes. Para o historiador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG), Jarbas Marques, a decisão de Niemeyer foi acertada. ;Teremos tempo para pensar toda essa questão. Os outros quadrantes do Eixo Monumental, por exemplo, têm condições de abrigar a praça;, apontou.
Projeto na prancheta
Mesmo tendo desistido de lutar pela polêmica Praça da Soberania, o arquiteto Oscar Niemeyer não abandonou a ideia de que uma cidade, ainda que tombada, não possa ser modificada. Em entrevista à TV Brasil, o arquiteto voltou a fazer ressalvas quanto ao tombamento de Brasília. ;Não há razão para uma cidade não poder ser modificada. Isso aconteceu no mundo inteiro. Uma cidade tem que ser modificada. Vai sempre aparecer uma coisa diferente que é obrigatório aceitar;, afirmou.
Niemeyer sinalizou, no entanto, que um dia poderá voltar a defender seu projeto para o canteiro central da Esplanada. ;Meu projeto vai ficar na prancheta. Quem sabe pronto para ser utilizado no dia que um governador apareça, mais tarde, e concorde com os pontos de vista que estou defendendo;, disse na entrevista, veiculada ontem. ;Por que continuar nesse clima de ódio e discussão que não leva a nada? Principalmente nós que queremos cidades tranquilas, com pessoas se entendendo, procurando ajudar o outro;, finalizou o arquiteto.