Cidades

Laudos comprovam que 48 operários da Pacheco Fernandes foram agredidos

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postado em 08/02/2009 09:05
Documentos e laudos médicos obtidos com exclusividade pelo Correio desvendam um dos mistérios mais antigos da história de capital: a quantidade de operários feridos durante o ataque da temida Guarda Especial de Brasília (GEB) ao acampamento da construtora Pacheco Fernandes Dantas. A ação ocorreu no início de fevereiro de 1959, durante o carnaval, e a história contou um trabalhador morto e três feridos à bala. Meio século depois, os ;autos de exame de corpo de delito; reforçam a violência policial e desmontam a versão oficial do episódio. Os atestados, guardados há décadas pelo jornalista e historiador Adirson Vasconcelos, comprovam que 48 funcionários da Pacheco Fernandes sofreram algum tipo de agressão durante a intervenção da GEB ; eles se revoltaram contra a qualidade da comida servida no local. Três acabaram atingidos por tiros de revólver calibre. 38. O restante teve escoriações, hematomas e fraturas, segundo mostram os documentos assinados pelo delegado Arquelau Augusto Gonzaga, do Departamento de Segurança Pública (DSP), e os peritos médicos João Batista Palmieri e Alberto Pimentel Cardoso. Os laudos foram preenchidos individualmente. Revelam que cada operário recebeu atendimento médico no hospital da Vila do IAPI (atual Núcleo Bandeirante) e passou por perícia. Pela primeira vez, divulgam-se os nomes dos operários feridos no alojamento da construtora em 9 de fevereiro de 1959 (leia arte). São Silvas, Ferreiras, Souzas, Santos que viveram momentos de medo e horror meses antes da inauguração da nova capital. Os exames de corpo de delito também chamam a atenção por detalhes descritos pela equipe responsável pela avaliação médica dos feridos. No caso do operário Francisco Clemente dos Santos, por exemplo, o documento atesta que o ;paciente apresenta ferida; provocada por ;projétil de arma de fogo; na ;face anterior da coxa esquerda;. Há descrições parecidas sobre as duas outras vítimas de ferimentos à bala, também atingidas nos membros inferiores. São eles: Antônio de Souza e Antônio Ubaldo Morais. Os demais 45 trabalhadores atendidos no centro clínico da Vila do IAPI apresentaram marcas de pancadas e batidas, provavelmente provocadas pela correria no acampamento da Pacheco Fernandes e pelos cassetetes usados pelos policiais da GEB. Segundo a perícia médica, o operário José Pozella Filho ficou com ;escoriação e hematoma subcutânea ao nível da região mamária direita;. A avaliação confirmou também que as manchas no peito do trabalhador foram feitas por ;instrumento contundente;. Vasconcelos tem ainda o exame cadavérico do único operário morto oficialmente no conflito ; testemunhas falam em dezenas ou centenas. O laudo, assinado pelos mesmos peritos e o delegado que avaliaram os feridos, diz que Evaristo Soares Brandão levou um tiro na perna esquerda. Não resistiu por causa de uma hemorragia. Para o repórter e historiador, as partes do corpo das vítimas atingidas pelos disparos dão indícios que os homens da GEB não miraram pontos vitais. ;Os laudos podem revelar que eles (os policiais) receberam ordens para não matar. Tanto que os buracos das balas nas paredes de madeira do alojamento estão no teto e na altura do que seriam os membros inferiores do operários.; Parecer técnico anexado ao processo aponta 41 perfurações à bala em paredes, portas e telhados do alojamento. Havia ainda 13 cápsulas de calibre .38. Arquivamento No total, 30 homens, entre civis e militares, acabaram indiciados pelo crime: dois funcionários da Pacheco Fernandes ; Presbi Elpídio de Medeiros e Rui Elpídio de Medeiros, que chamaram a polícia após a confusão ;, o chefe da Seção de Controle da Polícia de Brasília, Fernando de Faria Pimentel, e 27 soldados da GEB. Além dos três nomes citados, o Ministério Público denunciou à Justiça o soldado Otacílio Camelo da Silva. Suspeitou-se na época que o tiro responsável pela morte de Evaristo Brandão tivesse saído da arma dele. O caso foi arquivado por falta de provas. Após 50 anos desde o episódio na Pacheco Fernandes, o calhamaço de documentos e anotações reunidos pelo cearense Adirson Vasconcelos será organizado em um livro sobre o assunto. Na última semana, o Correio publicou reportagens sobre os 50 anos do episódio que ficou conhecido como Massacre da Pacheco Fernandes. Mais de 10 pessoas, entre testemunhas, pioneiros e pesquisadores relembraram a história. A equipe do jornal também teve acesso ao inquérito oficial do caso, estudos acadêmicos, livros e reportagens antigas, além dos 21 depoimentos orais à disposição no Arquivo Público do DF.

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