Cidades

Administrações regionais não cumprem lei de licenciamento de obras

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postado em 16/02/2009 08:51
Quase cinco meses após a publicação do decreto que permitiu a retomada das obras nos condomínios do Distrito Federal, as administrações regionais não estão concedendo o licenciamento das obras iniciadas antes de janeiro de 2007, o que abre espaço para ilegalidades. Mesmo sem autorização, caminhões carregados com material de construção circulam livremente pelas ruas dos parcelamentos do DF. O governo reconhece o problema e prepara uma instrução normativa para orientar as administrações a analisar e aprovar os projetos. O documento está sendo redigido e deve ser publicado no Diário Oficial do DF em 15 dias. O objetivo do decreto é frear a construção irregular nos condomínios do DF. Apesar de estarem proibidas caso não estejam licenciadas, é comum encontrar obras em andamento em loteamentos sem projeto urbanístico e ambiental aprovados. Na última sexta-feira, o Correio circulou por Vicente Pires (que não teve nem o Estudo de Impacto Ambiental aprovado) e, em apenas uma manhã, encontrou pedreiros trabalhando em cinco construções ; duas delas de prédios, que não podem ser erguidos no setor habitacional. O andamento das obras sugere que o embargo jamais foi respeitado por ali. As construções estão em fase avançada. Os pedreiros já trabalhavam no reboco dos prédios, de três e quatro andares, erguiam o segundo pavimento de duas casas e pintavam o interior de outra, que já tinha as paredes externas pintadas de vermelho. A insistência em construir ilegalmente tem um preço: desde outubro do ano passado (o decreto foi assinado em 26 de setembro), os fiscais da Subsecretaria de Defesa do Solo e da Água (Sudesa) derrubaram 162 casas de alvenaria porque os donos descumpriram o embargo do GDF, construíram em áreas de proteção ambiental ou em locais embargados pela Justiça. ;Por mais que a gente peça para os moradores cumprirem a lei, ficamos com o discurso fragilizado com o descumprimento do decreto. As pessoas não acreditam que o problema vai ter fim um dia;, explica a presidente da União dos Condomínios Horizontais do DF (Única), Júnia Bittencourt. ;Moradia é um direito constitucional. Se não dermos um encaminhamento legal, as pessoas vão construir de todo jeito;, ressalta o gerente de Condomínios do DF, Paulo Serejo. Serejo comenta que as administrações não estavam acostumadas a liberar construções em loteamentos irregulares e a instrução normativa vai esclarecer o tipo de obra que é permitida em cada parcelamento, além de dar sugestões de documentos que deverão pedir aos moradores, como notas fiscais de materiais de construção comprados. Regulamentação As obras em condomínios ficaram proibidas por um ano e nove meses (leia Entenda o Caso) até o decreto permitir que as construções iniciadas até dezembro de 2006 fossem retomadas. Apesar das regras, a Coordenadoria das Cidades (órgão que reúne as administrações regionais) alega que o decreto precisa ser regulamentado e orientou que os administradores esperem um detalhamento do governo para emitirem o licenciamento. ;O decreto tem que ser regulamentado para as administrações saberem como devem proceder;, argumenta o coordenador das Cidades, Irio Depieri. Até agora, as administrações de Sobradinho, Planaltina, Gama, São Sebastião, Guará, Taguatinga (responsável por Vicente Pires) e Lago Norte negaram licença para as obras. A Única recebeu 18 reclamações formais, mas as ligações e e-mails de moradores na mesma situação são incontáveis. De acordo com Júnia Bittencourt, apenas a Administração do Jardim Botânico está liberando as obras (leia abaixo). Um dos casos intermediados pela entidade é o de um senhor que tenta construir um prédio com lojas no térreo e residência no primeiro andar no Grande Colorado. Ele começou a erguer o prédio em 2004 e recebeu o primeiro embargo naquele mesmo ano. Em 2006, vendeu todos os bens que tinha, comprou material de construção e retomou a obra. Mas teve que parar mais uma vez em 2007. Depois que o decreto foi publicado, ele foi até a Administração de Sobradinho, que negou o licenciamento. ;Falaram que ele poderia fazer pequenos reparos. Ele estava pintando o prédio e recebeu uma multa;, conta Júnia. Na varanda Outro morador, que pede para não ser identificado, enfrenta o mesmo problema. Ele mora com a mulher e os dois filhos, de 3 e 6 anos, em uma casa na Colônia Agrícola Águas Claras desde 2004. Em dezembro do ano passado, decidiu construir a laje da casa, fazer mais dois cômodos e refazer o telhado. Procurou a Administração do Guará para licenciar a obra, mas não conseguiu o documento. ;Falaram que essa área não tinha projeto urbanístico aprovado ainda e não poderiam me dar a licença. Mas disseram que, para fazer o telhado, não precisava de autorização;, conta. Ele prosseguiu com a obra, mas foi notificado e teve que paralisar a construção. Agora, vive na varanda da casa com a família. ;A casa está sem telhado. Fechei a varanda e estou vivendo lá. Tenho mais uns cinco vizinhos na mesma situação.; LIMITES DA LEI O que pode # Fazer pequenos reparos, como colocar telhado ou pintar paredes # Concluir obras iniciadas até dezembro de 2006 # Construir novas casas em condomínios já regularizados O que não pode # Construir muros, cercas ou grades em novos condomínios ou parcelamentos vazios # Abrir ruas # Fazer obras de infraestrutura em parcelamentos irregulares # Começar a fazer casas em condomínios em terra pública ou em particulares sem projetos urbanísticos e ambientais aprovados ENTENDA O CASO Regras específicas A determinação para parar as construções foi dada no primeiro dia do governo de José Roberto Arruda. O governador anunciou disposição de regularizar todos os loteamentos existentes, mas mandou um aviso aos compradores dos lotes: qualquer obra em parcelamentos irregulares seria embargada e demolida. No primeiro ano do governo Arruda, as equipes de fiscalização emitiram 4.628 autos de infração relacionados a obras em todo o DF. Ano passado, a Agência de Fiscalização do DF (Agefis) flagrou 11.592 edificações irregulares e notificou, multou ou embargou as construções. Um total de 756 delas acabaram demolidas. Em 26 de setembro do ano passado, Arruda assinou um decreto que permitiu a continuidade das obras. O documento estabeleceu regras específicas e separou as construções em três casos. Quem comprovasse que começou a construir até dezembro de 2006 poderia retirar a licença na administração regional e continuar a obra. Moradores de parcelamentos com licenciamento ambiental e projeto urbanístico aprovado também poderiam construir, inclusive novas casas, mesmo sem o registro dos terrenos em cartório ou sem a regularização fundiária definitiva. As reformas estariam liberadas em todo o DF e não dependeriam mais da regularização. Legalidade questionada Além de não ser cumprido pelas administrações regionais, o decreto nº29.562 é questionado pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT). Em 20 de janeiro, a Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) enviou recomendação ao GDF para revogar o documento que permitiu a retomada das construções e orientar as administrações a não emitir licenças baseadas no decreto. A promotora que assina o documento, Marisa Isar, diz que é ilegal emitir autorização para obras em condomínios irregulares. ;Nos preocupamos com o crescimento do condomínio. Essas autorizações podem transformar um parcelamento vazio em consolidado;, justifica. Na recomendação, a promotora argumenta que um decreto não pode ser autônomo, ou seja, precisa estar vinculado a uma lei. ;Um decreto pode, no máximo, regulamentar uma norma e não mudar ou acrescentar uma lei. E esse decreto mudou o Código de Edificações;, explica Marisa Isar. Outro argumento do Ministério Público é que o GDF se comprometeu a comercializar os lotes vazios por licitação e não por venda direta e, ao liberar as construções, vai acabar permitindo que todos os terrenos acabem ocupados por edificações. O gerente de Condomínios do DF, Paulo Serejo, diz que a proposta do GDF é mudar a cultura de regularização do DF. ;Nos últimos 10 anos, a regra era regularizar os condomínios, dar o alvará e depois o habite-se. A experiência mostrou que esse raciocínio não funciona. Não autorizamos todas as obras, mas precisamos atrair as pessoas para a legalidade;, afirma. Interpretação Por enquanto, a Administração do Jardim Botânico tem conseguido interpretar o decreto e liberar as licenças para quem tem direito de construir. Até agora, 30 documentos já foram expedidos, 15 projetos estão aprovados (falta apenas a emissão da licença) e mais de 100 estão sendo analisados. ;Nossa região é formada por condomínios, o que é um facilitador. Não tem segredo, basta ler o decreto e seguir as normas que ele estabelece. Acho que todo mundo tem boa vontade, mas falta conhecimento da realidade dos parcelamentos;, diz o administrador Fábio Barcellos.

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