Jornal Correio Braziliense

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Uma chance à vida no cerrado

Pesquisadores da Embrapa desenvolvem tecnologia de reprodução de animais que poderá salvar espécies nativas em risco de extinção

Hércules e Neo. Nomes de heróis, mitológicos e modernos, e com os quais dois bezerros no Centro de Transferência de Tecnologias de Raças Zebuínas com Aptidão Leiteira (CTZL), no Gama, passaram a ser conhecidos. Os animais merecem o título, uma vez que nasceram três anos após a morte dos touros reprodutores. Como isso ocorreu? Por um processo de inseminação artificial desenvolvido pela Embrapa Cerrados que possibilitará a reprodução de touros de elite. A pesquisa ainda pretende ajudar na conservação de espécies de animais silvestres do cerrado em uma nova etapa de estudos que começa este mês. Os dois bezerros fazem parte da primeira geração de bovinos brasileiros desenvolvidos com essas técnicas. Mas não são os únicos. Um terceiro animal deve nascer até março. E, caso seja uma fêmea, já tem nome: Fênix. Hércules foi o primeiro bezerro a nascer, em 11 de dezembro de 2008. O segundo veio um pouco depois, em 1º de janeiro de 2009. A data, e não o filme Matrix, levou os pesquisadores a chamá-lo de Neo, que significa novo. Como nasceram pouco tempo atrás, Hércules e Neo procuram não se afastar muito das mães. E ficam nervosos quando os tratadores os separam delas. As mães reagem mugindo ; sinal de que estão aflitas. A dupla de bezerros continuará a ser estudada nos próximos anos. Os pesquisadores farão um acompanhamento do crescimento de ambos. A expectativa é de que os animais se tornem férteis dentro de dois anos. Mas não devem ser usados como reprodutores, uma vez que são filhos de cinco touros abatidos em frigoríficos. Resfriamento A pesquisa que possibilitou o nascimento de Hércules e Neo começou com a aquisição dos órgãos reprodutores dos touros mortos. ;Nesse estágio, os testículos precisam ser mantidos a uma temperatura de 5ºC, para diminuir o metabolismo dos espermatozóides e conservá-los;, detalhou o pesquisador Carlos Frederico Martins, 37 anos. O ideal é que os testículos sejam colocados em um recipiente refrigerado até 24 horas após a morte do animal. Mas, segundo Carlos Frederico, é possível salvar material genético até três dias depois que o animal morreu. ;Mas a qualidade não é a mesma. Perde-se muito material genético;, acrescentou. Os testículos são mantidos por até três dias. Os cientistas o retiram do recipiente em que se encontravam e fazem uma incisão no epidídimo, duto microscópico por onde passam os espermatozóides. Eles são maturados e armazenados em um líquido que vai para um tubo de ensaio. Em seguida, os pesquisadores fazem um estudo para checar a qualidade do material recolhido e ver se a carga genética está ativa. Se estiver, mergulham o conteúdo em uma substância crio-protetora formada por diversos materiais, como antibióticos, açúcar e glicerol, que irá manter o conteúdo do sêmen vivo a temperaturas extremamente baixas. ;Não podemos congelar o material de uma vez ou perderíamos tudo. Por isso, as doses espermáticas são mantidas a uma temperatura de -32ºC primeiro. Só depois de três dias colocamos as substâncias em galões de nitrogênio líquido onde permanecerão conservadas a -196ºC;, explicou o pesquisador. ;Dessa forma, as doses podem se manter por longo tempo;, acrescentou. Para que o material seja utilizado, os cientistas o retiram do galão e o colocam em água morna, para ativar os espermatozóides. Uma vez que o sêmen esteja ;desperto;, a inseminação nas vacas pode ser feita manualmente. Na pesquisa, 10 animais foram inseminados, mas somente três apresentaram gravidez. Apesar disso, o resultado agradou ao pesquisador. ;Temos que considerar que os touros dos quais extraímos os espermatozóides eram animais de abates. Não grandes reprodutores;, argumentou. Para ele, o importante é que os bezerros nasceram com boa saúde e demonstraram a viabilidade do projeto. ;O próximo passo será a armazenagem de ovócitos;, complementou. Preservação Antes disso, as descobertas feitas com a inseminação de bovinos será usada para um estudo com animais silvestres. ;O projeto já foi aprovado e conseguimos R$ 150 mil para iniciar a pesquisa, que começará ainda este mês;, contou Carlos Frederico. A Embrapa Cerrados contará com o apoio do setor de triagem do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Parque Jardim Zoológico para conseguir espécimes mortos para pesquisa. O estudo seguirá a mesma metodologia adotada com os bovinos. Primeiro, serão feitos testes in vitro para garantir a viabilidade do projeto. Só depois de os cientistas obterem sucesso nessa primeira etapa serão feitas inseminações em animais vivos. A ideia é oferecer uma opção de preservação para espécies ameaçadas, como o lobo-guará. ;Trata-se de uma medida emergencial. Não é a melhor maneira de conservação, mas é melhor que a extinção;, concluiu.