postado em 18/02/2009 07:40
Um homem está prestes a ser julgado no Tribunal do Júri de Sobradinho por duplo assassinato e ocultação de cadáveres mesmo sem a polícia nunca ter encontrado os corpos das supostas vítimas. Caso raro no Distrito Federal e no Brasil. Tanto que há resistência do Ministério Público, apesar dos indícios de crimes levantados pela polícia e o respaldo de uma juíza.
Yuri Faria de Araújo é acusado de matar o único irmão, Ernesto Faria de Araújo, e o avô materno, Mário Gomes de Faria. Os três moravam em uma chácara no Núcleo Rural de Sobradinho I, até abril de 2000. Desde então, diferentemente de Yuri, Ernesto e Mário nunca mais foram vistos por vizinhos e amigos. Ernesto era servidor do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Mário, reservista do Exército.
O inquérito sobre os desaparecimentos, ao qual o Correio teve acesso com exclusividade, só foi concluído no fim do ano passado. Nele, os delegados afirmam que Yuri deu sumiço no irmão e no avô para se apoderar dos bens dos parentes. O suspeito deixou a chácara onde morava com ambos sem comunicar o desaparecimento. Passou a sacar a pensão do avô e usar carro e outros pertences do irmão.
Após os colegas de Ernesto darem falta dele no trabalho, Yuri mudou-se da chácara em Sobradinho, numa madrugada, para um condomínio em Ceilândia. A polícia o encontrou apenas em 2005, quando chegou a ficar preso durante seis meses por suspeita de envolvimento nos desaparecimentos do irmão e do avô. Mas acabou solto por falta de provas, como a arma do crime e os corpos das supostas vítimas.
Em depoimento à polícia, Yuri negou as acusações. Afirmou que o irmão havia decidido largar o emprego estável no STJ para procurar trabalho em uma empresa privada de São Paulo, na companhia do avô. Mas não informou o destino deles nem os contatos. Ernesto havia ingressado no STJ em 17 de janeiro de 2000, por meio de concurso público.
Abandono de emprego
Ernesto era lotado na Seção de Análise de Novas Tecnologias do STJ e ganhava R$ 2 mil líquidos (sem contar benefícios como tíquetes e plano de saúde). Deixou de comparecer ao trabalho em 26 de abril de 2000, quatro meses após a admissão. Passados alguns dias das faltas frequentes, os colegas começaram a procurá-lo, sem sucesso. Não encontraram ninguém na chácara onde o servidor morava.
O STJ abriu processo contra Ernesto por abandono de emprego. Mas apenas após a conclusão da investigação interna é que a direção do tribunal procurou a polícia para comunicar o desaparecimento. O caso foi registrado em 26 de janeiro de 2001, na delegacia de Sobradinho (13ªDP), pois a suposta vítima morava naquela região. Logo a polícia descobriu que o avô também havia sumido.
Sem conseguir desvendar o mistério, a 13ª DP enviou, em 11 de abril de 2005, o inquérito à Delegacia de Homicídios, especializada em assassinatos. Os agentes da DH foram atrás de vizinhos e parentes dos desaparecidos. Também ouviram o acusado e pessoas que haviam convivido com ele após o sumiço do avô e do irmão.
A dona do imóvel em Ceilândia, para o qual Yuri mudou-se após o desaparecimento do avô e irmão dele, contou que o rapaz pagou o aluguel adiantado e disse ter decidido sair da chácara de Sobradinho por ter se desentendido com os dois parentes. Depois, Yuri se mudou ao menos mais cinco vezes, por isso os investigadores tiveram dificuldades em encontrá-lo para intimá-lo a depor.
A ex-namorada relatou que Yuri ficava nervoso quando perguntado sobre o avô e o irmão. Ela falou da pretensão de Yuri vender a chácara em Sobradinho, mesmo sem saber do paradeiro do irmão, o outro herdeiro. E disse que o ex-namorado contou ter matado um chacareiro com um tiro, jogado soda cáustica e ateado fogo no corpo , sem falar o nome da vítima e a data do crime. Os investigadores não descobriram o desaparecimento de algum chacareiro na área rural onde Yuri morava.
Provas do inquérito
Nos sete anos de investigação, Ernesto e o avô nunca movimentaram as contas bancárias, usaram cartão de crédito, votaram, tiraram documento ou alugaram algum imóvel em nome deles. Também não fizeram contato com vizinhos, amigos ou colegas de trabalho. Sumiram sem levar nenhuma das roupas, calçados, livros, carros.
Além disso, os investigadores descobriram que o telefone celular de Ernesto ficou desligado desde o desaparecimento. Ele também não quis saber do salário e benefícios do STJ nem dos R$ 11.635 que estavam em sua poupança no Banco do Brasil. A Polícia Federal não encontrou registro de saída dele do país. O avô desaparecido nunca teve passaporte.
O sítio onde Yuri, Ernesto e Mário moravam ficou abandonado, com móveis e utensílios no interior. Os vizinhos não receberam informação da possível mudança dos três homens. Hoje, todos se dizem surpresos com o destino da família, apontado pela Polícia Civil. A mãe de Yuri e Ernesto, Rosa Maria Araújo, se matou na mesma chácara, quando morava sozinha lá. O pai dos dois morrera antes. Yuri e Ernesto eram criados pelo avô no Guará. Eles não tinham outros parentes no DF.
Concursado Os delegados sempre desconfiaram do comportamento de Yuri. ;Ele negou os crimes, mas não demonstrou preocupação em relação ao paradeiro do avô e do irmão;, contou o delegado Luiz Julião Ribeiro, chefe da Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida), a antiga DH. Diante disso, os delegados do caso pediram um exame de sanidade no acusado. O teste revelou que Yuri sofre de esquizofrenia e é ;perigoso para a sociedade;. O acusado também foi pego em contradição nas entrevistas, mas não se constrangia com isso, segundo os peritos. ;O embotamento (insensibilidade) aliado a outros distúrbios emocionais primários são em parte ou totalmente responsáveis por crimes de violência humana;, ressalta o laudo anexado ao inquérito. Com base na sua apuração, a Corvida indiciou Yuri por duplo homicídio e ocultação de cadávares, que dão até 30 anos de cadeia. A juíza Clarissa Braga Mendes, do Tribunal do Júri de Sobradinho, entendeu haver provas suficientes para marcar o julgamento. Mas o Ministério Público em Sobradinho mandou arquivar o caso. Algo raro, pois os promotores costumam aceitar as denúncias dos delegados nos casos de homicídio. Agora, cabe ao procurador-geral de Justiça, Leonardo Bandarra, decidir o impasse. Ele pode acompanhar o promotor e definir o arquivamento do caso ou remetê-lo a outro promotor, que deverá acatar as denúncias da polícia e Justiça. ;O crime não pode permanecer sem solução apenas pelo fato de terem sido ocultados os cadáveres, pois, se assim fosse, todos os homicídios com ocultação de cadáver nos quais estes não venham a ser encontrados não serão punidos;, ressaltou a juíza em sua decisão. Com o pedido de prisão preventiva negado pelo Ministério Público, a polícia deixou de monitorar Yuri. O endereço dele é desconhecido. O Correio não o localizou nem encontrou qualquer telefone em nome dele. A assessoria do MP informou apenas que o caso ;está em análise; e o parecer deve sair daqui a duas semanas. (RA)
Memória Situação semelhante Michelle de Oliveira Barbosa,16 anos, foi vista pela última vez em 10 de julho de 1998. O ex-policial José Pedro da Silva foi condenado, em 2003, a 17 anos de prisão pelo assassinato dela. O corpo jamais apareceu. O julgamento pelo homicídio da adolescente é o primeiro do país em que um exame de DNA substituiu o cadáver. O teste indicou haver 72% de chance de o sangue e o cabelo encontrados no porta-malas do carro de José Pedro serem da jovem. Além disso, 12 amigas de Michelle afirmaram que ela esperava um filho do ex-policial e, em depoimento, um amigo do acusado disse ter sido orientado a forjar um álibi para José Pedro. Na condenação, o ex-policial ganhou o direito de apelar em liberdade. José Pedro recorreu da decisão e permanece livre.