postado em 21/02/2009 08:14
Os riscos em torno do Córrego Alagado, no bairro Residencial América do Sul, existem desde a transferência dos atuais moradores para um dos assentamentos mais recentes do Novo Gama (GO). A prefeitura local usou a área, afastada cerca de 5km do centro do município goiano, para construir 250 casas populares e abrigar aproximadamente 1,5 mil pessoas que viviam em uma invasão nos arredores da cidade. A proximidade de algumas residências com o riacho, no entanto, expõe ao perigo adultos e crianças, principalmente na época das chuvas.
A mudança de endereço começou em 2007. O bairro é tão novo que falta infraestrutura básica. Não há asfalto e a iluminação continua precária. Meninos e meninas convivem com cães, gatos e lixo. A falta de opções de lazer ainda deixa o Alagado com uma das únicas alternativas para as brincadeiras da garotada. O problema começa pelas encostas do ribeirão. São altas, com até quatro metros, e revelam vários sinais de erosão. Do lado da mata fechada, quase não há rachaduras. Do lado das casas, porém, a ausência de proteção natural facilita os desmoronamentos.
Com a tragédia de ontem, as ameaças do lugar ficaram ainda mais evidentes. O secretário de Infraestrutura e Obras do Novo Gama, Marinaldo Almeida Nascimento, reconheceu a destruição gradual das ribanceiras. Mesmo assim, não admitiu o perigo iminente. ;Não chega a ser uma área de risco. Mas sabemos que o ribeirão faz um processo corrosivo nas bordas. Muita água vem do sistema de águas pluviais do Gama, que se junta com a água da chuva e com a do córrego e o barranco fica frágil;, afirmou o secretário municipal.
Segundo ele, a prefeitura tentou isolar as casas mais próximas do riacho durante a transferência da Vila Zequinha para o Residencial América do Sul. Mas a construção de cercas de arame farpado não resistiu aos moradores. Quase todas têm fendas e ficam abertas ao longo do dia. Servem como passagem livre para crianças e animais. Marinaldo disse ao Correio que estuda a colocação de novo cercamento no local. Ainda não há previsão para o início das obras. ;É um caso bastante complicado ali, pois não tem como segurar todas aquelas crianças;, avaliou.
Os próprios moradores admitem ter dificuldades para vigiar os mais jovens. Apesar de apavorados com as mortes das duas crianças, alguns pais admitiram a impossibilidade de segurar os filhos em casa. O mesmo ponto do deslizamento, por exemplo, estava tomado por inúmeros garotos dispostos a brincar na ribanceira menos de quatro horas após a tragédia. Nem mesmo a presença de policiais militares, escalados para isolar a área, inibiu a criançada. ;A única coisa viável aqui é a orientação dos pais;, sugeriu o tenente Waldomiro Ferreira da Silva, comandante do policiamento urbano do Novo Gama.
Descaso
A comunidade do Residencial América do Sul também aproveitou o momento de tristeza e revolta para exigir mais atenção da prefeitura do Novo Gama. Muitos reclamaram do isolamento do bairro, carente de necessidades básicas e de informação ; a maioria das mães tem mais de três filhos. ;Nós estamos esquecidos aqui. É preciso uma tragédia dessas para nos verem. Nos tiraram de uma invasão porque era área de risco e aqui estamos nós, perdendo nosso filhos;, revoltou-se uma das moradoras, a doméstica Maria do Socorro da Silva, 37.
O auxiliar de serviços gerais, Raimundo Gomes da Silveira, 41, demonstrava indignação. ;Nos tiraram de uma área que era de risco, a Vila Zequinha, e nos colocaram aqui. Isso aqui é pior, estamos ao lado de um córrego com ribanceira. Não conseguimos segurar os filhos dentro de casa e eles sempre vêm para cá;, disse o pai de três adolescentes. ;Aqui é perigoso. Quando chove, desaba sempre. Mas é o lugar onde os meninos sempre estão. É perto de casa e não tem como proibir. Mas minha mãe sempre dizia para eles não irem;, disse Dayane Ferreira da Silva, 19, irmã de Elvis, morto no desabamento.
A dona-de-casa Vera Lúcia Pereira de Souza, 39, por pouco não chorou a morte de Daniel, 11. O filho brincava com os amigos e também acabou soterrado. ;Eu fiquei doidinha. Chamei um homem para tirá-los de lá. Encontrou ele só com as pernas de fora. Nem vou mais dormir porque eles vão voltar a brincar ali. Não tem jeito de segurá-los;. O menino, no entanto, parece ter assimilado o risco após o susto. ;Minha mãe sempre deu conselho para eu não ir no córrego. Ela dizia que era perigoso, mas eu teimava. Agora, não vou lá nunca mais;, disse.
PLANTIO DE MUDAS
O Governo do Distrito Federal, por meio da Companhia Energética de Brasília (CEB), realizou em dezembro de 2005 o ;Mutirão ecológico; nas nascentes dos córregos Santa Maria, Alagado e Paiva, entre as cidades de Santa Maria (DF) e Novo Gama (GO). Na época, o GDF anunciou que 400 alunos da Universidade de Brasília (UnB) e do ensino fundamental fizeram o replantio de mais de 10 mil mudas de árvores típicas do cerrado, como ipês, copaíbas e gonçalos-alves. Além do replantio, mais de 6 toneladas de lixo foram retiradas pelos garis da Belacap, segundo o governo. O mutirão fazia parte do ;Projeto Nascentes do Corumbá;, que o governador Joaquim Roriz dizia ser um sonho dele. A intenção era recuperar os córregos afluentes da usina hidrelétrica de Corumbá IV, para que a Caesb pudesse usar sua água para abastecer o DF e Entorno pelos próximos 100 anos.
Memória
Sustos nos deslizamentos
20 de março de 2008
Dois operários que trabalhavam em uma obra na garagem do Bloco G da 215 Norte ficaram parcialmente soterrados quando um deslizamento de terra os deixou presos a uma parede. O resgate durou cinco horas e foi marcado por muita tensão e expectativa. O Corpo de Bombeiros teve que usar três retroescavadeiras e 59 homens na operação, que começou por volta das 14h. Os dois trabalhadores foram encaminhados ao Hospital de Base, onde se constatou que sofreram apenas escoriações leves. Porém, no momento em que eram retirados do local do acidente, um buraco de três metros, entraram em estado de choque.
18 de novembro de 2006
Os operários Gezivaldo dos Santos da Silva, 32 anos, e Marcos Ferreira da Silva, 29, passaram por um grande susto enquando trabalhavam em uma vala ao lado do Bloco B da Superquadra 102 Norte. Um desabamento de terra soterrou parcialmente os dois colegas por volta das 13h. Os bombeiros levaram aproximadamente duas horas e trinta minutos para retirar os operários do buraco. Ambos sofreram escoriações leves.
18 de maio de 2002
Longe dos olhos de Luzineide Souza, 25 anos, Lorrane, de um ano e meio, caiu e ficou presa num buraco de uma obra por quase cinco horas. A mãe da menina não conseguiu acompanhar o trabalho do Corpo de Bombeiros, que resgatou a menina com vida, sem graves ferimentos. A criança caiu em pé num buraco com 20cm de diâmetro e 5m de profundidade, num canteiro de obras próximo ao depósito da Antártica, na Via Estrutural. A menina brincava na área acompanhada da mãe e do pai, Izânio Vieira de Oliveira, 27 anos. Ele era pedreiro em uma obra próxima e morava com a família no lote.