postado em 27/02/2009 10:00
A faxineira Maria José de Souza Silva, 59 anos, parou o seu trabalho por alguns minutos para contemplar, na tarde de ontem, a exposição fotográfica produzida por internos do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), localizado na Asa Norte. Funcionária da Câmara dos Deputados há 30 anos, dona Zezé, como é conhecida, se encantou com a sensibilidade das imagens captadas por oito jovens, que passaram dois meses e meio com uma câmera nas mãos registrando o cotidiano do lugar cheio de grades e cadeados onde vivem. E não foi a única. Em meio ao expediente corrido na Casa, muitas outras pessoas pararam para ver a exposição.
Os oito internos participaram do Projeto Libertas, uma oficina de fotografia coordenada pelo fotógrafo Humberto Lemos, do Fotoclube f/508, que quis mostrar o centro de internação juvenil de dentro para fora. ;Nós temos uma imagem errada do Caje;, analisa Lemos. ;A mídia costuma mostrá-lo apenas durante as rebeliões, sempre com referências à violência. Mas, quando nós demos câmeras a esses meninos, surgiu o olhar de dentro para fora e nós finalmente tivemos acesso ao seu cotidiano;, completa.
Lemos trabalhou entre maio e julho de 2008 com internos de alas diferentes do Caje. Seis garotos ; dois deles considerados casos muito complicados ; e duas meninas selecionados pela direção do centro aprenderam noções básicas de fotografia e tiveram acesso à história da prática fotográfica. ;Nós demos uma câmera descartável a cada um e deixamos que eles tirassem fotos ao longo do dia, mas eles também trabalharam com câmeras analógicas;, explica o coordenador, que ficou muito satisfeito com o resultado do trabalho. ;As fotos fazem referência à família, à casa e à liberdade. Em nenhum dos 550 registros feitos por eles transparece o tema da violência, e sem que nós os tenhamos intruído para isso;, diz Lemos.
As fotos mostram flores, sombras projetadas por barras de ferro e uma casa de joão de barro cercada por arame farpado. ;Esses jovens evoluíram muito dentro do centro. Ao misturar internos de condutas distintas, o projeto trabalhou a convivência;, celebra Maria de Fátima Esteves Dias Dutra, diretora do Caje. Ela também destaca a possibilidade que os internos tiveram de visitar uma exposição fotográfica durante as aulas, que aconteciam no próprio Caje. ;Eles exercitaram a busca pela luz e desenvolveram uma olhar de esperança;, analisa Maria de Fátima. A experiência foi tão boa que a direção do Caje estuda, junto com o colegiado da instituição, um retorno do projeto em 2009. ;É muito difícil que ele não aconteça neste ano;, diz a diretora.
Quatro dos oito alunos que participaram do Projeto Libertas já cumpriram suas penas e deixaram o Caje, graças, em parte, à oficina de fotografia, segundo a diretora do Caje. ;Eles aprenderam a se disciplinar, a buscar a orientação do professor;, analisa Maria de Fátima Dutra, que demonstra predileção especial pela foto que mostra a casa do joão de barro. ;Ela representa acolhida, bem-estar;, observa. Segundo a diretora do Caje, os jovens perceberam a importância da beleza e deixaram de lado o pessimismo que a situação por que eles passam provoca.
Futebol fotográfico
A condição dos jovens envolvidos no projeto exigiu de Lemos estratégias para motivar seus alunos. ;O grupo era muito disperso;, lembra. Um dos esforços para envolver os internos na oficina foi o ;futebol fotográfico;. O fotógrafo dividiu o grupo em dois times que deveriam partilhar apenas uma máquina na tentativa de conseguir as melhores fotos em menor tempo. ;É claro que não havia outro resultado que o empate para o jogo;, entrega Lemos.
Apesar da resistência inicial, os alunos corresponderam às expectativas do professor. ;Eles se comportaram muito bem e não faltaram a nenhuma aula;, elogia o fotógrafo, que tem uma predileção por projetos de inclusão visual. Em 2005, o idealizador do Fotoclube f/508 organizou uma oficina com cegos. O projeto ;Retratando com a Alma; expôs o trabalho de quatro deficientes visuais.
A exposição também impressionou o assessor da Presidência da Câmara Almiro Archimedes, 61 anos. ;Eu me impressionei com as sombras que eles conseguiram. Passei alguns minutos analisando essas imagens outro dia. Onde é que eles foram buscar essas flores? Dentro do Caje?;, questionou o espectador, enquanto tentava decifrar uma das 14 fotografias que compõem a mostra.
NÃO PERCA!
A exposição Libertas pode ser vista diariamente, até o dia o próximo dia 26, na parede do Corredor da Presidência da Câmara dos Deputados, das 9h às 17h. A entrada é gratuita.