postado em 05/03/2009 08:11
O assédio da máfia dos concursos passa por candidatos de pelo menos seis órgãos públicos com sede no Distrito Federal. Depoimento obtido com exclusividade pelo Correio revela que o esquema supostamente liderado pelo ex-técnico judiciário Hélio Garcia Ortiz não sofreu interrupções e atinge interessados em cargos nos tribunais superiores, na polícia e no Congresso Nacional. A oferta do serviço que promete a aprovação fraudulenta seria feita por intermediários contratados por Ortiz.
Uma mulher, que teve o nome preservado ; ela se identifica apenas como candidata de um concurso realizado entre o início de 2007 e fim de 2008 ;, contou à reportagem detalhes da negociação com a máfia dos concursos na capital do país. Segundo ela, um homem conhecido como Leonardo atua como aliciador de interessados em pagar pela conquista de uma vaga. ;Inicialmente, ele falou que tinha condições de arranjar STJ, TJDF, Senado Federal, Técnico Penitenciário, Polícia Civil, PM. Palavras dele (Ortiz) e do Leonardo;, afirmou (leia ao lado).
A concorrente disse que recebeu a oferta em ;meados de 2007;. Após algumas reuniões na própria casa do ex-técnico judiciário, ela acertou o valor para passar na seleção de um tribunal. Pagaria R$ 5 mil como uma espécie de entrada e, depois de confirmada no cargo, completaria o acerto com o valor equivalente a 10 vezes o salário inicial. Se o vencimento fosse de R$ 3 mil, por exemplo, teria de pagar R$ 30 mil. O namorado dela também entraria no esquema fraudulento, mas só depois que o primeiro golpe desse certo.
A mulher fez as provas, mas não passou. Com a reprovação, o casal passou a pressionar Ortiz a devolver o dinheiro. Conseguiu recuperar R$ 3 mil. Ontem, o namorado voltou à casa do acusado, no Guará, para exigir o restante. Apareceu no momento em que a Polícia Federal concluía a operação no local, mas preferiu ir embora. A candidata disse que Ortiz justificou a não aprovação por conta de investigações policiais.
O depoimento denuncia, ainda, a presença de servidores que passaram em processos seletivos fraudados pela quadrilha. Entre eles, o da Polícia Civil do DF. A corporação abriu investigação interna, mas nada descobriu. Segundo ela, Ortiz contou sobre a participação de funcionários do Cespe, da UnB, nas falcatruas. Em nota, o órgão divulgou que ;não tem conhecimento de fraudes nos concursos que realiza. O Cespe/UnB tem tomado todas as medidas preventivas de segurança para garantir a lisura de seus certames;.
O Cespe organizou os últimos concursos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal de Justiça do DF (TJDF) e Polícia Militar do DF. A Fundação Getúlio Vargas, responsável pelo último concurso do Senado, também encaminhou nota para explicar que ;primou pela segurança e lisura do concurso público realizado para o Senado Federal e informa que desconhece a pessoa do Sr. Hélio Ortiz;. A Funrio, que fez o processo seletivo da Depen, afirmou que a tentativa de fraude não comprometeu a seleção. O processo contra Ortiz e a máfia dos concursos tramita na 10ª Vara Federal.
Perfil - Hélio Garcia Ortiz
Além de ter o nome envolvido na máfia dos concursos, Ortiz colecionou práticas ilícitas, como a criação de animais para rinhas de galos, numa chácara que mantinha no Park Way. A polícia identificou, inclusive, que o endereço residencial e o estilo de vida de Ortiz eram incompatíveis com a remuneração do tribunal, de R$ 4.738,72.
O servidor público também cultivou uma ficha policial extensa nas duas últimas décadas. Já respondeu por estelionato e falsificação de documentos públicos em 1989, o que resultou na abertura de um dos 10 inquéritos contra ele pelas polícias Civil e Federal. Além dos crimes, Ortiz enfrentou processos administrativos disciplinares no TJDF. Ele chegou a ser suspenso e demitido. Mas, em 1992, foi reintegrado ao quadro do tribunal.
Ortiz perdeu definitivamente o emprego em novembro de 2006, pelo envolvimento na máfia dos concursos.
Depoimento
Cardápio da fraude promete vagas em seis órgãos públicos
A primeira vez que nós falamos com o Hélio (Ortiz) foi em meados de 2007. O Leonardo é o contato dele, quem alicia as pessoas. Foi ele quem tomou a iniciativa de me ligar e oferecer o serviço. Nem sabia que ele conhecia o Hélio Ortiz. Eu já sabia que ele (Ortiz) era um trambiqueiro da Máfia dos Concursos. Inicialmente, ele falou que tinha condições de arranjar STJ (Superior Tribunal de Justiça), TJDF (Tribunal de Justiça do Distrito Federal), Senado Federal, Técnico Penitenciário (Agente Penitenciário), Polícia Civil, PM (Polícia Militar). Palavras dele e do Leonardo.
Fui na casa do Hélio Ortiz, no Guará, inúmeras vezes tratar desse assunto. O próprio Hélio Ortiz afirmou com todas as letras que colocou mais de 70 policiais civis dentro da polícia. Não sei quantos policiais federais, não sei quantos PMs. No último concurso de técnico penitenciário, ele disse que passaram 12 pessoas sob influência dele.
Eu prestei concurso para um tribunal. Inicialmente, queria Senado, mas todo mundo quer comprar vaga no Senado. No meu caso, paguei entre R$ 5 mil e R$ 6 mil. Coloquei o dinheiro na mão do Ortiz. O combinado foi: entrada de R$ 5 mil e, assim que eu assumisse um cargo em qualquer um dos concursos que eu prestasse e passasse, eu pagaria o resto. O resto, eles calculam assim: dependendo do valor do salário inicial, eles calculam 10 vezes mais. No caso do TJ ou do STJ, em que o salário é uns R$ 3 mil, dá R$ 30 mil. Isso para técnico. Sem contar analista.
Para o meu namorado, ele ofereceu outros concursos. Inclusive por isso a gente foi cobrar o dinheiro dele. Meu namorado ia esperar para ver se funcionaria comigo para depois dar o dele. Daí começamos a conhecer várias pessoas que tinham sido enganadas pelo Hélio. Muitas vezes a gente estava lá e chegavam outras pessoas cobrando. Teve gente que perdeu R$ 15 mil, R$ 20 mil. O Hélio se utiliza da fama que tinha como fraudador de concurso para enganar os otários. Mas estava com o filme muito queimado e perdeu credibilidade no Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília). Mesmo assim, o esquema dele nunca parou. Enfraqueceu, mas nunca parou. O esquema ainda passa pelo Cespe. O dinheiro é dividido entre todos eles, segundo palavras do próprio Hélio Ortiz.
Eu fiz uma prova entre o fim de 2007 e início de 2008 e não passei. Por isso comecei a cobrar dele. Daí fiquei revoltada. Ele inventou uma desculpa, dizendo que a polícia estava muito em cima e que se passasse alguém naquela prova, naquele concurso, eles iam ser pegos. Ele ofereceu outro, mas fiquei de saco cheio e resolvi cobrar meu dinheiro de volta.