Cidades

Em homenagem às mulheres do DF, o Correio conta a história de cinco delas

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postado em 08/03/2009 08:15
O Distrito Federal tem quase 1,3 milhão de mulheres que são, antes de tudo, guerreiras. É aqui a unidade da federação com mais mulheres em cargos de chefia, quase 8% delas estão no comando. Na capital, elas também têm a maior expectativa de vida. As mulheres de Brasília vivem, em média, 79 anos, quase seis a mais do que a média nacional. Também no DF estão as campeãs em anos de estudo. A frequência escolar gira em torno de nove anos ; 20% a mais que no restante do país. E, por causa do valor à carreira, é aqui a unidade da federação com maior número de solteiras. De cada 10 mulheres, quase cinco estão sozinhas. A prova da força das brasilienses está expressa em números mas também em histórias coletadas nos últimos dias pelo Correio e que serão contadas neste espaço. Em meio a tantos exemplos, foram escolhidas cinco histórias de superação e de força. Como a da médica e professora da Universidade de Brasília Íris Ferrari que, com mais de 50 anos de carreira, continua sendo um expoente na pesquisa genética nacional. A pós-doutora poderia estar em casa descansando aos 77 anos, no entanto, se divide entre o laboratório na Faculdade de Medicina e o Hospital Universitário de Brasília (HUB) trabalhando na formação de jovens médicos e cientistas. Há também os relatos de guerreiras anônimas, como a empregada doméstica desempregada Rosane da Silva, 41, que deixa de comer para visitar o filho preso na Papuda todas as semanas. Ela acredita na possibilidade de recuperar o filho que foi preso após uma tentativa de assalto e não deixa que o jovem de 19 anos fique revoltado e saia do presídio ainda pior. Rosane é a referência da família desde que se mudou da Bahia para cá. Assim como ela, existem outras 327 mil mulheres chefes de família no DF. A assistente social Neide Castanha também chefia a casa. Mas não é só por isso que ela ganhou na última semana, no Congresso Nacional, o título de Cidadã Bertha Lutz, a maior deferência às mulheres no país. Neide é um exemplo na luta pelos direitos de crianças e adolescentes e ajudou a fundar, há 15 anos, em Brasília, o Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria). A entidade é, hoje, uma das mais importantes na defesa de meninas exploradas sexualmente em todo o território nacional e, inclusive, na capital do país.
Pela bandeira dos direitos humanos No período mais acirrado da ditadura militar, Neide Castanha tornou-se diretora do Presídio Feminino, em São Paulo. O primeiro desafio foi esconder as roupas ;riporongas; para ser respeitada pelas presas e policiais. ;Meus professores sempre usaram jalecos brancos e eram tratados com deferência. Não tive dúvidas, coloquei um jaleco em cima das roupas floridas e largas;, lembra, divertindo-se. ;Só dava para ver o chinelo;, completa, referindo-se à moda na época de usar borracha reciclada de pneu nos pés. Os desafios que vieram a seguir foram enormes, desde mudar a concepção machista que dominava a prisão em 1973 até trabalhar, hoje, com meninas vítimas de exploração sexual em plena capital do país. A atuação com meninas começou há 30 anos, ainda em São Paulo na Praça da Sé. ;A meninada me chamava de tia Djavan. Eu adorava;, afirma. Neide nasceu em Januária, na margem esquerda do Rio São Francisco (MG), em 1954. Mas, desde 1985, escolheu Brasília para criar os dois filhos. Transferiu para cá a luta pelos direitos humanos e, há 15 anos, fundou o Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria) que hoje tem representantes em todos os estados brasileiros. Neide Castanha brinca ao explicar o que faz dela uma das mulheres mais fortes e atuantes na rede de proteção dos direitos de crianças e adolescentes: ;Durante muitos anos, fui Carlos Drummond de Andrade. Agora, sou Vinícius de Moraes;, provoca, referindo-se a transição de uma mulher sutil e cautelosa a uma pessoa abastecida com paixão e impulsiva. Uma das principais características do trabalho dessa assistente social é ensinar a crianças e adolescentes os direitos das mulheres. Afinal, são muitas as meninas que sofrem com problemas de adultos, como o trabalho doméstico, o abuso sexual e a prostituição. ;Conquista de direitos não pode ter idade, principalmente no campo dos direitos humanos das mulheres;, afirma. Na última semana, Neide ganhou a homenagem prestada anualmente pelo Conselho do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz. Ela e outras quatro personalidades femininas do país foram homenageadas por prestaram relevantes serviços na área de direitos femininos e em questões de gênero. Foi a primeira vez que uma ativista de direitos das crianças ganhou o prêmio. O desafio, agora, para Neide é trazer para a sociedade a discussão da sexualidade sem tabus nem preconceito. ;O jovem precisa reivindicar o direito de desenvolver sua sexualidade de forma segura, saudável e protegida, assumindo a diversidade;, conclui.
Filho na prisão, mãe presa à dor Que ninguém duvide do amor de mãe. Entre ver o filho durante três horas por semana e matar a fome, Rosane da Silva, 41 anos, nem pensa. Opta pelo jovem de 19 anos. Ela está desempregada. Foi mandada embora da casa onde trabalhava como doméstica assim que a patroa descobriu que o garoto havia sido preso em um assalto no P Sul, em Ceilândia. Desde então, nunca mais conseguiu trabalho. ;É como se eu tivesse cometido o crime. Estou tendo que pagar também;, lamenta. A sorte é que ela é dona do barraco onde vive em Águas Lindas (GO), cidade que acolheu a família há 15 anos quando veio da Bahia. ;Vim defender minha cria. Queria um futuro melhor.; Para comer e pagar as contas, depende do filho mais velho que faz a feira de vez em quando e dá uma grana quando sobra. ;Chego a dormir com fome;, admite. O dinheiro que recebe do rapaz bem que daria para aplacar a fome. Mas Rosane guarda toda a quantia que ganha para o caçula. Só de transporte, são R$ 18 na viagem semanal da casa, em Águas Lindas, até a Papuda. Além disso, leva uns trocados para ele poder viver no presídio. ;Levo uns biscoitos, banana e sabonete. O restante ele tem que comprar lá;, afirma. Na última quarta-feira, ela estava bem cedo na Rodoviária do Plano Piloto com destino à Papuda. Abordada na fila repleta de mães e companheiras dos moradores do presídio, ela não conseguiu segurar o choro. ;Ele é um bom garoto. Se meteu com gente errada e acabou assaltando há oito meses. Foi pego logo na primeira vez e está atrás das grades;, conta. ;A previsão é de ele saia em uns quatro meses. Eu não vejo a hora porque tenho saudade demais dele,; abre o coração. O único pedido de Rosane é que o nome do filho não seja divulgado ;para que ele não fique ainda mais exposto nessa vida;. A viagem até a penitenciária dura pouco mais de 30 minutos e ela segue conversando com outra mãe de preso. ;Estou presa com o meu filho há nove anos. Porque quando alguém vai para a cadeia desse jeito a alma da mãe vai junto;, conta a outra mulher, que pediu para não ter o nome divulgado. ;No início eu ia todas as semanas, mas é muito sofrimento. Agora alterno com outro filho e só vou a cada duas semanas;, conta. Para Rosane e a amiga de dor, a pior hora é a da despedida. ;Na semana passada o meu filho estava doente. Como ele está agora? Só vou saber quando pisar lá dentro;, afirma Rosane.

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