Cidades

No Dia Internacional da Mulher, nosso reconhecimento às heroínas que superaram a fome, o câncer e o preconceito

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postado em 08/03/2009 08:16
Fotos: Monique Renne/CB/D.A Press Muitas gerações de mulheres tiveram que lutar por conquistas econômicas, políticas e sociais para que as brasileiras pudessem ser reconhecidas como cidadãs e comemorar o direito ao trabalho, ao respeito, à sexualidade, ao voto e à vida. Algumas dessas histórias estão representadas nas personagens descritas hoje pelo Correio. E para as que quiserem comemorar serão oferecidas atividades em todo o Distrito Federal. A maior será no Parque da Mulher, montado próximo ao Museu Nacional, que contará com a presença de várias secretarias do Governo, diversas atrações musicais, oficinas de artesanato, salão de beleza e espaços voltados para saúde e cidadania. A festa começa às 14h e termina com a apresentação do cantor Fábio Júnior, às 19h. Quase na mesma hora, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, será escolhida a Miss DF entre as 25 mais bonitas das regiões administrativas.
Fé e perseverança contra o câncer A conselheira Maria das Graças Barbosa, 57 anos, tem propriedade para falar com pessoas sem esperança. A mulher que, hoje, é apaixonada pela vida chegou ao fundo do poço. Quis morrer. Durante semanas acreditou que acordar todos os dias de manhã não valeria a pena. E quase morreu mesmo. Mas superou a dor, ultrapassou a humilhação e venceu um câncer. Tudo em nome dos três filhos. A história de superação dessa dona de casa começou há 10 anos. Na mesma semana, ela descobriu que o marido estava com outra mulher e fez exames de rotina para saber se estava bem de saúde. Na semana seguinte, estava separada com três crianças para sustentar e foi surpreendida com a chegada de uma ambulância à porta de casa em Cidade Ocidental (GO). ;Tinha feito um exame e quando o resultado saiu foram me buscar. Fui internada no mesmo dia;, lembra. Lia, como é conhecida na Vila Telebrasília onde ela mora hoje, tinha um câncer avançado no colo do útero causado por contaminação por HPV, o papilomavírus humano, transmitido pelo marido. O caso era tão grave que as enfermeiras não quiseram contar nada para ela. Esperaram a médica chegar para que a intervenção começasse imediatamente. ;Fiz um tratamento doloroso e com muitos medicamentos;, conta. Na época, Lia caiu dos habituais 55kg para quase 40kg. ;Fiquei tão deprimida que passei a acreditar que se morresse sairia no lucro.; Aos poucos, ela foi se reerguendo e acreditando no valor da vida. Agora, é uma militante. ;Hoje falo para todo mundo. É preciso que todas nós tenhamos consciência da importância dos exames preventivos. Eu faço. Minhas filhas também. Não podemos ter medo, ter vergonha de conversar com o médico. Não podemos deixar a doença tomar conta da gente. É muito bom cuidar da nossa saúde;, reforça. No Brasil, estima-se que o câncer de colo do útero seja a terceira neoplasia maligna mais comum entre as mulheres e a quarta causa de morte por câncer. ;Sou uma vencedora;, comenta a mulher que, duas vezes por semana, trabalha ouvindo homens e mulheres que sofrem da doença. Ela atende em uma igreja evangélica na Asa Sul. ;Depois que eu me reencontrei com o amor à vida e a Deus, passei a querer ajudar outras pessoas.;
Da miséria no sertão à dignidade no palco Núbia Santana tinha 9 anos quando chegou em casa, na cidade de Iguaraci, sertão pernambucano, do trabalho no carvoeiro e viu a panela no fogo cheia apenas de uma água turva. Era uma tentativa da mãe de enganar os dois irmãos mais novos que choravam de fome. Naquele dia, não havia o que dar para a família formada pelo casal e os oito filhos. Assustada com a fome e com o sofrimento das pessoas que amava, ela e o irmão mais velho foram até a roça do vizinho atrás de feijão ou milho. ;Não havia nada para colher e nós dois nos ajoelhamos e passamos a rezar. Na volta para casa encontramos um saco cheio de feijão. Foi como se tivéssemos vivenciado um milagre;, lembra a cineasta e atriz. Milagre ou não, foi naquele dia que ela prometeu a si mesma que venceria e tiraria a família da miséria. Vinte e cinco anos se passaram e ela cumpriu a promessa. Moradora de Brasília há quase 10 anos, Núbia trabalha até hoje para garantir uma vida digna para os filhos e a família. A história dela daria um filme e provavelmente dará. ;Sonho em ganhar um Oscar. Quem sabe não será contando a história desse povo sofrido que vive o que eu vivi.; No ano passado, ela estreou o primeiro longa-metragem Pra ficar de boa, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A trajetória dessa mulher é um exemplo de superação. Ela entrou na escola com apenas 10 anos. O pai não queria que os filhos estudassem porque precisava de todos no trabalho pesado da lavoura. Ainda hoje, tem um irmão que mal assina o próprio nome. Depois de muita briga, ela conseguiu convencer o pai a deixá-la ir à sala de aula. ;Andava 15km para chegar ao colégio. Uma vizinha me dava um pouco de água para limpar os pés.; Além de aprender a ler e escrever, foi na escola que ouviu que era bonita e poderia dar certo como modelo. ;Botei na cabeça que podia ser Miss Pernambuco e, aos 17 anos, convenci minha mãe também. Ela vendeu as galinhas que a gente tinha e me comprou uma passagem para a capital;, conta. Menos de um ano depois, foi escolhida miss e voltou para casa com dinheiro para ajudar os pais e irmãos. No lugar em que morava e onde trabalhava de sol a sol, existe uma casa tão grande e bonita que serve de ponto turístico em Iguaraci. E, todos os anos, ela vai lá. ;É lá que eu me alimento. Não esqueço minhas raízes porque foi com a dor e o sofrimento que eu me tornei quem sou hoje.; Como não poderia deixar de ser, os temas trabalhados por Núbia nas peças e filmes que dirige se ligam sempre aos excluídos. O filme que defendeu no Festival de Cinema foi um documentário sobre meninos do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). ;Gosto de jogar luz em pessoas consideradas invisíveis aos olhos da sociedade porque já fui assim.;
Casamento com a ciência O pai da geneticista Íris Ferrari, 77 anos, não queria que ela estudasse. ;Meu pai era daqueles que achava que mulher não tinha que ir para a faculdade, tinha que casar. Vai ver que é por isso que eu estou solteira até hoje;, brinca a professora, médica e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB). Nascida em Jaú, interior de São Paulo, ela graduou-se em 1957 na primeira turma da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), ligada à Universidade de São Paulo, e escandalizou a cidade ao montar a primeira república feminina de estudantes. ;Éramos sete mulheres na turma da faculdade. Bem diferente de hoje, quando nos somos maioria;, comenta. Pioneira, implantou no município paulista a primeira residência médica em genética do país. Radicada em Brasília desde 1986 ; para onde veio a pedido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) justamente para implantar a área de Genética Clínica ;, Íris fez da cidade sua base operacional para a realização de cursos por todo o país. Só em Brasília, até hoje, mais de 5,5 mil famílias já foram atendidas. Convencer o pai foi apenas a primeira conquista da professora exigente. Ela tem mais de 200 artigos e resumos publicados em periódicos e em encontros científicos. Foi uma das primeiras mulheres brasileiras a produzir conhecimento qualificado e a publicar em revistas de prestígio internacional, como Science e Human Genetics. Sozinha, orientou mais de 100 pessoas entre iniciação científica, mestrado e doutorado e tem alunos espalhados por todos os estados brasileiros. ;Quem fala comigo acha que sou boazinha. Mas eu sou brava, exigente mesmo;, avisa. Entre os destaques do trabalho dela estão o desenvolvimento de uma técnica para diagnóstico de mieloma múltiplo ; caracterizado pelo crescimento descontrolado de um tipo de células do sangue ; por meio da análise dos cromossomos do paciente. Além disso, foi responsável (junto com outros quatro professores) pela criação do curso de pós-graduação em patologia molecular da UnB, em 1988. Outro feito de Íris Ferrari: o desenvolvimento da Citogenética de Medula Óssea, técnica que permite identificar alterações típicas de cada leucemia e, assim, traçar panoramas de tratamento. ;Nunca tive planos de vencer ou ser alguém. As coisas foram acontecendo e não tenho queixas. Minha vida sempre foi ótima;, comemora. Atualmente, Íris é aposentada por duas reconhecidas instituições de ensino e pesquisa brasileiras: a UnB e a FMRP. Apesar disso, não deixou suas atividades de lado. Todos os dias, vai ao laboratório de genética da Faculdade de Medicina da UnB e duas vezes por semana atende casos encaminhados por colegas no Hospital Universitário de Brasília (HUB).

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