postado em 13/03/2009 09:42
Maio de 2005. O primeiro diagnóstico: Igor acabara de completar um mês de vida e começava a sua luta pelo improvável. Mas seria uma luta desigual. Ele não passaria dos 2 anos. Talvez nem chegasse a tanto. A mãe e o pai sabiam disso. Os médicos, os doutores de jaleco branco, tinham certeza. Com suspeita de ter uma grave atrofia muscular espinhal, conhecida como Síndrome de Werdning Hoffman, a mais comum, mas a mais severa delas, a morte o pegaria muito rapidamente. Começaria com uma fraqueza progressiva e culminaria com uma pneumonia fatal. A medicina ainda não inventou algo que possa deter os estragos dessa distrofia.
Voltemos ao início dessa história. Era o primeiro e único filho da dona de casa piauiense Rosângela Maria Diolindo, então com 28 anos, e do pizzaiolo cearense Domingos Sebastião Silva, da mesma idade. A barriga dela crescia saudavelmente. Todos os exames indicavam que o bebê era perfeitamente normal. ;Foi a pessoa mais esperada da minha vida;, lembra a mãe. E lá o menino nasceu, de parto cesariana. Veio forte, com choro rasgado. Pesou 3,7kg e mediu 48cm. Quarenta e oito horas depois, mãe e filho tiveram alta do Hospital Regional de Planaltina (HRP). A festa em casa foi grande. Toda a família queria conhecer aquele menino bochechudinho.
Com um mês de vida, o primeiro sinal, aquele que mudaria para sempre a vida de toda a família.
Igor foi internado com insuficiência respiratória. ;Ele chegou a fazer uma parada em casa;, conta Rosângela. Os pais, desesperados, levaram-no ao HRP. Quadro: bronquiolite, infecção viral contagiosa que afeta as vias aéreas de bebês e crianças pequenas e causa dificuldade respiratória, sobretudo na expiração. Ficou ali alguns dias. Voltou para casa. E começaram as intercorrências. Igor se dividiu entre o HRP e o Hospital Regional da Asa Sul (Hras). Exames tentavam buscar a causa para a piora gradativa do bebê.
Chegou um momento em que ele precisou ficar internado de vez. E a UTI do Hras começava a ser o seu endereço. ;Ele ficou lá até os seis meses de vida.; A equipe médica o submeteu a uma traqueostomia (abertura cirúrgica feita no pescoço à traqueia, para permitir a passagem de ar e a remoção de secreções do pulmão). Além disso, fez também uma gastrostomia (procedimento cirúrgico feito à altura do estômago para a fixação de uma sonda alimentar).
O sofrimento era avassalador. Rosângela e Domingos se mudaram de vez para o Hras. Todo dia era milagre. Perto de um ano de idade, o primeiro, mas ainda suspeito, diagnóstico: a equipe médica desconfiou que Igor fosse portador da Síndrome de Werdning Hoffman. A mãe daquele bebê ouviu falar de atrofia muscular progressiva. ;Me disseram que ele viveria pouco e, enquanto vivesse, estaria ligado a uma máquina de ventilação mecânica.;
Rosângela só chorava. Mas o choro precisava ser escondido. Ela tinha que ser forte, mesmo que estivesse esfacelada por dentro. ;A psicóloga do hospital começou a me preparar para isso (morte do filho);, diz. Domingos não queria acreditar. Os brinquedos do bebê estavam todos intactos, à espera dele, na casa humilde de Planaltina. O tempo foi passando. Igor, para espanto e alegria geral ; da família e da equipe do Hras ; dava sinais de que iria resistir. ;Ele lutou cada segundo;, encanta- se a mãe.
Desmame
Igor deixou a UTI e foi para unidade semi-intensiva. Chegara a um ano e meio de vida. E o hospital tinha sido a única casa que conhecia. ;Aos poucos, ele foi saindo do respirador. Já conseguia respirar sozinho. Tudo era motivo para comemoração;, diz a mãe. E chegou o aniversário dele de dois anos. Cantaram-lhe parabéns. Mas a frase ;...muitos anos de vida; foi dita com um nó na garganta. Mas foi o menino valente que deu o presente aos pais: passou a respirar absolutamente sozinho. Já não precisa de ventilação mecânica nem mais para dormir.
No diagnóstico final, depois de um exame de DNA, veio a redenção. A melhor notícia que os pais esperavam. Os médicos que o acompanharam vibraram como se aquele menino fosse filho de um deles. Igor não é portador da Síndrome de Werdning Hoffman. Ele tem uma grave distrofia medular à altura da quarta cervical. Isso afeta a respiração e a alimentação. E o impedirá, para sempre, de andar. A única esperança está nas células-tronco.
Com dois anos e meio, finalmente, o pequeno herói deixou o hospital. A equipe médica foi às lágrimas. O menino conheceu a casa, os primos, tios, a rua que era sua. Foi ver a vida lá fora, longe de tudo aquilo que até então sabia. Continuou com a traqueostomia, mas sem nenhum suporte mecânico, e a gastrostomia, que deve retirar em junho. E ao chegar em casa, viu uma televisão ligada. Deu de cara com a Banda Calypso cantando. Ficou doidinho (ele há de crescer). Os olhinhos se fixaram na imagem. Remexeu-se na cadeira de rodas, como se quisesse dançar. ;Ele ama a banda e as músicas. Foi amor à primeira vista;, entrega a mãe, extasiada.
Rosângela e Domingos juraram que o filho teria uma vida mais perto do normal. E cumpriram. No ano passado, matricularam-no no Centro de Ensino Especial 1, de Planaltina. Era necessário estimulá-lo. Este ano, há um mês, ele é o mais novo aluno da Escola Classe 1 da cidade. Detalhe: está no ensino regular. Mais: Rosângela descobriu que o filho teria direito a uma monitora na sala de aula. Foi à Regional de Ensino de Planaltina e à Defensoria Pública. Conseguiu. Há uma semana, a monitora, cedida pela Secretaria de Educação, ajuda a professora nas tarefas e cuidados do menino. A mãe ensinou à monitora todos os procedimentos de que o filho necessita.
Prova do milagre
Com cara de gente grande, aos 4 anos, que completará em abril, Igor cursa o Jardim 1. Virou a sensação da escola. E a integração foi total. Os coleguinhas disputam para ver quem empurrará a cadeira de rodas dele. Erick e Gabriel, da mesma idade, viraram os melhores amigos, os chapas, os brothers. ;Ele ficou tão ansioso para as aulas começarem que até desenvolveu uma gagueirinha. Mas tá passando;, diz a mãe.
O pai emenda, morto de felicidade: ;Ele agora só quer saber de rua;. Emocionada, Rosângela admite: ;Todos os momentos dele são vitoriosos. Pra quem não teria chance de viver, esse é o nosso milagre;. Nesse instante, passa um filme na cabeça da mulher que nunca desistiu do filho: ;A gente conta essa história pra você em poucas horas, mas foi um leão por dia que tivemos que vencer. Tudo valeu a pena. Hoje, quando ele grita do quarto ;mamãe;, ;papai;, é a melhor coisa do mundo. Deus segurou na nossa mão em todos os momentos;. Domingos não tem dúvida: ;Essa é prova maior do milagre;.
A comemoração é geral. A médica Mércia Fernandes, chefe da UTI pediátrica do Hras, avalia: ;O atendimento multidisciplinar e a presença dos pais foram determinantes para a evolução positiva do Igor;. A professora Denise Cristina Fernandes elogia: ;Ele é receptivo aos conhecimentos e brincadeiras. As crianças disputam para ver quem se senta perto dele;. Nazaré Gomes, a monitora, aprende a cada dia com o menino que ensina lições diárias de vida e superação. Para a diretora Lilian Ribeiro, a chegada de Igor à escola, que acolhe também crianças com as mais diferentes necessidades, só veio a somar: ;Nós o recebemos de braços abertos. Ele tem uma força de vontade que nos comove;.
Igor brinca, pinta um palhacinho na escola, assiste televisão, dança com a Banda Calypso, conta histórias para amigos. E gargalha. Ri dele mesmo. É feliz e descobriu a fórmula de uma maneira muito especial. A última dele? Inventou agora que quer ganhar um computador. Depois que ele reinventou a vida, tem o direito de inventar e querer o que quiser. Esse menino, miudinho assim, é de uma valentia sem tamanho.
Solidariedade
Quem puder doar um computador para Igor pode ligar para 9841.3752