postado em 14/03/2009 08:39
Brasília é ampla e tem grandes descampados verdes entre as quadras projetadas por Lucio Costa. Tem muitas árvores, frutíferas ou não, ao alcance quase que da janela dos apartamentos. Brasília tem céu descrito em canções famosas e o sol forte, que não se esconde atrás de arranha-céus das grandes metrópoles. No chão, entre um prédio e outro, pessoas formam círculos, fileiras, se espalham. Deitam e olham o azul de cima. Em pé, pulam, esticam braços e pernas, simulam pegar uma fruta no pé. Estão rodeadas pela natureza. E chamam a atenção de quem passa a pé ou de carro, alucinado pelo ritmo da cidade que amanhece.Pois os que estão ali, ao ar livre, adotaram os espaços livres, públicos e desimpedidos da capital federal. E os usam para movimentar o corpo e a mente. Nas superquadras do Plano Piloto, as pessoas saem dos apartamentos e amanhecem nos gramados se exercitando. Voluntários comandam as aulas. Em Taguatinga e Ceilândia, crianças e idosos jogam capoeira. Em Sobradinho, tem ginástica, karatê, rapel e vôlei. Basta escolher o local mais próximo e sair de casa. (veja quadro)
;Brasília tem essa peculiaridade, de ser um centro de convivência, com pessoas de diversos lugares que se formam em verdadeiras famílias. Eu formei a minha aqui, onde não apenas faço exercício físico. Vivo um ambiente de harmonia e amor à natureza. Em pouco lugares do país vi pessoas fazendo exercício juntas ao ar livre;, definiu a advogada Márcia Ferreira, 58, natural de Barbacena (MG), há um ano na capital federal.
Márcia faz tai chi chuan na Praça da Harmonia Universal, entre a 104 e a 105 Norte. Ali, há 35 anos, às 6h, o mestre Moochong Woo, 78, pratica a arte marcial milenar chinesa. Natural de Taiwan, ele começou sozinho há 40 anos e, aos poucos, vizinhos curiosos foram se juntando. Hoje, pelo menos 120 pessoas se reúnem diariamente, em três horários distintos.
Mestre Woo, mesmo há quatro décadas aqui, ainda luta para desenrolar o português. Mas passa a mensagem. ;Harmonia, saúde, humanidade e força mental. Não é só mexer de qualquer jeito o corpo. É saúde, corpo e espírito. E é de graça, olhando para o sol;, diz o mestre.
A professora aposentada Isa Brasil, 72, moradora da 106 Norte, caminhava pelas calçadas das quadras e, curiosa com o grupo de pessoas realizando os movimentos em sincronia, resolveu experimentar. ;Eu achava devagar. Mas era dos movimentos harmoniosos que precisava. Acho que isso não existe no Brasil. Gente no meio da rua, da grama, fazendo exercício. Quem passa acha que a gente é doida;, brinca.
Fora doença
Ao ar livre e fora dos consultórios médicos. Foi pensando nisso que o médico e acupunturista Marcos Freire Júnior levou o conhecimento sobre o corpo para fora dos centros de saúde. Começou a reunir pacientes, em 1979, em Planaltina. No ano seguinte, atraiu a comunidade que vive próxima ao Centro de Saúde n;13 da 114/115 Norte.
Pois, hoje, cerca de 50 pessoas comparecem diariamente ao estacionamento interno, atrás do centro, para praticar a automassagem e o tai chi chuan. ;As pessoas vêm aqui porque estão doente. Mas se é um centro de saúde não se pode falar apenas em doença. Nosso encontro é um trabalho de qualidade de vida;, definiu um dos agentes de saúde do centro, Éder Rocha, 47, e professor.
É divertido. Os alunos descobrem pontos do corpo que merecem toques, massagem. Aprendem movimentos de alongamento. Mais que isso, trocam abraços e livros uma vez por mês. Leem mensagens que levam à reflexão e elevam a autoestima. Fazem amizade. ;A pessoa velha fica dentro de casa, sem ânimo e acaba doente. Pois eu, não. Venho a hora que quero, se me canso vou embora e é de graça. Ainda tem abacate, manga e jenipapo nas árvores para levar para casa;, se diverte a aposentada Judith Esther Duarte Moreira, 92.
Ao lado dela, Furtuoso Teles, 74. Após se recuperar de um câncer de intestino, há cinco anos, descobriu a ginástica do centro. ;Sempre passava por eles e achava bonito. Depois dos exercícios parece que fiquei até mais novo. É maravilhoso respirar o ar puro;, disse ele, que é também o fotógrafo oficial do grupo.
Sem teto, com sol
No outro extremo do Plano, na entrequadra 114/115 Sul, a mulherada domina. Em uma quadra de esportes, margeada por árvores grandes, elas se espalham, deitam em colchonetes, usam o alambrado como barra de apoio. Para lá e para, cá, incentivando e arrancando gargalhadas, o professor, que é militar aposentado e empresário, Cléber Guimarães, 68, não dá moleza. Ele está ali há 30 anos.
Começou sozinho também. Até que um grupo de mulheres que pelejava para mexer o corpo o chamou para ensiná-las. A aposentada Irene de Menezes, 59, garante: ganhou autoconfiança, disciplina e melhorou a qualidade do sono. ;Aqui recebo sol, ar puro e uma paisagem florida.; ;O Rio de Janeiro tem praia, mas não tantas opções de atividades comunitárias ao livre quanto Brasília;, completou a carioca Cláudia Lima, 34, dona de casa e moradora da 111 Sul.
A aposentada Dirce Pereira, 74, pratica exercícios aeróbicos localizados na quadra de basquete desativada da 206/207 Sul e acredita que as aulas tornam real o conceito de unidades de vizinhança. ;Não foi possível construir clubes em todas as entrequadras. Mas, iniciativas como essa, nos ajudam a conhecer melhor a comunidade local;, diz.
Se a sua quadra não tem gente tão disposta assim experimente o Parque Olhos D;Água, na Asa Norte. Lá, aos domingos, 30 pessoas se reúnem para praticar a ioga. A estudante de turismo Aurora Milanez de Almeida, 21, tentou musculação, circo, balé, mas ficou com a ioga no parque. E aprovou.