Cidades

Livro narra a aventura da arborização de Brasília

;

postado em 16/03/2009 09:23
Foi preciso uma tragédia para que o cerrado fosse ouvido: entre 1975 e 1976, praticamente toda a população de árvores adultas plantada pelo Departamento de Parques e Jardins morreu. Àquela altura, Brasília estava longe de ser uma cidade consolidada. Políticos e funcionários públicos insatisfeitos aproveitaram a mortandade das 50 mil árvores para reforçar a campanha que pretendia levar a capital de volta ao Rio de Janeiro. Diziam, lembra Ozanan Coelho, diretor de Parques e Jardins recém-aposentado, que aqui nem planta vingava. O primeiro grande erro havia sido cometido quando da construção da cidade. A pressa para erguer a nova capital e a ausência de um projeto de paisagismo que acompanhasse o plano urbanístico arrasaram com a população de árvores nativas que aqui havia. A premente necessidade de arborizar o cerradão precipitou a tragédia que ocorreria 15 anos após a inauguração de Brasília. ;Começamos a plantar o que havia no viveiro. A Novacap era uma coisa gigantesca. Tinha escritório no Rio, em São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia e Anápolis. Fazíamos o pedido: ;Acabaram-se as mudas daqui. Manda 5 mil daí;. ;De quê?; ;Do que tiver;;, conta Ozanan Coelho. Era essa a urgência em dar um pouco de sombra à cidade devastadoramente aberta. Os erros e acertos da arborização de Brasília estão relatados no livro Arborização urbana no Distrito Federal, cartapácio de 388 páginas com a história resumida dessa aventura e a descrição de 75 espécies do cerrado hoje espalhadas pelo quadradinho. Segundo cálculos de Ozanan Coelho, que deixou o cargo neste ano após 40 anos de trabalho na Novacap, para cada 10 das 4 milhões de árvores plantadas no DF sete são nativas. E está de bom tamanho, no entender dele. ;Mais que isso é xenofobia. Flamboyants (não-nativos) não são uma beleza?; Com autoria conjunta de Ozanan Coelho, Janaína Lima Martins, Maria das Graças Ribeiro Rodrigues, Raimundo Gomes Cordeiro, Raimundo Moreira Lima Filho, Saulo Costa Ulhôa e Simone Cruz de Lima, o livrão tem belas fotos de Luiz Clementino e descrição botânica das 75 espécies do cerrado já desenvolvidas para uso em arborização urbana. Medo do desafio Considerada hoje uma das cidades mais arborizadas do país, Brasília era um jardim de concreto e terra quando foi inaugurada. Ao chegar à cidade vindo de Barbalha, no Ceará, o jovem engenheiro-agrônomo Ozanan Coelho sentiu o arrepio do frio e do medo. Frio porque chovia muito naquele dia e medo porque tinha vindo para trabalhar na arborização da cidade e o que via era ;aquela vermelhidão, lama, lacerdinha, o céu infinito. Que cidade esquisita é essa? Olhei praquilo tudo e pensei: ;Isso aqui é trabalho pra 100 anos;;. Ozanan teve medo do desafio, mas ficou. Fazia oito anos que 8,6 mil mudas de cássia (Cassia siamea lam.) haviam sido plantadas na W3 Sul. Aparentemente um sucesso: a espécie produz flores amarelo-claras, que duram aproximadamente seis meses e ;garantiram ao Departamento de Parques e Jardins resultados imediatos após sua implantação, por sua expressão na paisagem;, contam os autores no livro. Silenciosamente, o cerrado reagia à invasão estrangeira. Logo no começo da década de 1970, entre 71 e 72, um ataque de pragas matou grande número de cássias e de outras espécies exóticas. Depois de várias tentativas de para controlar o fenômeno, o DPJ decidiu pedir ajuda ao Instituto Biológico de São Paulo. Em vão. As espécies continuaram a morrer até a grande catástrofe de 1975/1976. Bioma desconhecido Decidiu-se então procurar mudas de espécies nativas, o que significava nova aventura e, desta vez, em terreno totalmente desconhecido. Não apenas o cerrado era um bioma muito pouco estudado, àquela altura, como não havia qualquer experiência conhecida de desenvolvimento de mudas. ;As principais dificuldades enfrentadas, relatadas na época, eram referentes à obtenção de sementes, principalmente das matrizes originárias do habitat natural;, escreveram os autores à página 30. Daí em diante, o DPJ decidiu desobedecer às recomendações de Lucio Costa para a arborização do Plano Piloto. No projeto, cada quadra residencial teria uma espécie vegetal. O DPJ optou por variar as espécies para garantir que, em caso de mortandade de alguma, outras continuassem de pé. No início dos anos 1980, quando a cidade ainda padecia as consequências do desastre de 1975/1976, começou-se o plantio de árvores frutíferas. Jaqueiras, mangueiras, abacateiras, jambeiros, sapotizeiros, pés de graviola, tamarindos foram plantados no Parque da Cidade. Até que, sem que ninguém anunciasse, Brasília começou a ouvir o canto dos pássaros, mais de 20 anos depois de eles terem deixado a região onde a cidade foi construída, por falta de árvores nativas. ;Brasília era uma cidade muda;, conta Ozanan. Só não o era de todo por conta do canto esganiçado da cigarra, fenômeno que denunciava o desequilíbrio ecológico. Desde os anos 1980, técnicos do DPJ coletam sementes de árvores nativas do cerrado e tentam produzi-las em viveiro para as mudas possam ser transplantadas para áreas urbanas do Distrito Federal. Além das 75 espécies devidamente desenvolvidas, há outras 75 em fase de pesquisa. Mas não é fácil: árvore do cerrado é arisca, ;cada uma tem uma personalidade diferente;, diz Ozanan Coelho. Por conta das tragédias e dificuldades, ;graças a Brasília, a arborização urbana virou ciência;, completa o jardineiro da capital.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação