postado em 17/03/2009 08:05
Uma área totalmente cercada por árvores densas e com uma única entrada. Em meio a esse cinturão verde, prédios com pilotis que permitem a livre circulação de pedestres. Não há guaritas nem cercas, nada que prejudique a visibilidade. Todas as superquadras do Plano Piloto seguem esses conceitos básicos traçados pelo urbanista Lucio Costa. Mas cada uma delas tem uma arquitetura única, além de histórias e particularidades que as distinguem das demais. Os segredos desse passado do Plano Piloto estão no livro A invenção da superquadra, que será lançado hoje pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A publicação é fruto de uma pesquisa de mais de 10 anos, realizada pelos arquitetos e professores da Universidade de Brasília (UnB) Marcílio Mendes Ferreira e Matheus Gorovitz. Os pesquisadores reuniram, pela primeira vez, os projetos arquitetônicos dos edifícios mais importantes do Plano Piloto. O livro traz entrevistas inéditas com alguns dos arquitetos responsáveis por esses projetos, textos escritos por Lucio Costa e uma análise da importância das unidades de vizinhança na arquitetura mundial. Com 528 páginas, a publicação mostra ainda fotos antigas e atuais de Brasília, depoimentos, além de um banco de dados sobre a cidade. A invenção da superquadra terá tiragem de 1,5 mil exemplares ; distribuídos em bibliotecas, faculdades de arquitetura, pesquisadores e órgãos do governo federal e do GDF.
O superintendente do Iphan, Alfredo Gastal, elogia a iniciativa de recuperar a história das superquadras e dos edifícios do Plano Piloto. ;Brasília tem prédios muito refinados em matéria de arquitetura e a maioria das pessoas desconhece isso. Alguns deles foram completamente desfigurados;, lembra Gastal. ;O lançamento do livro vai ajudar a recuperar a memória da cidade.;
A construção das 120 superquadras do Plano Piloto começou em 1957, logo depois da criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap). Em fevereiro de 1958, o governo de Juscelino Kubitschek instituiu o chamado Grupo de Trabalho de Brasília, com a atribuição de oferecer moradia aos funcionários públicos que seriam transferidos para cá. ;O Grupo de Trabalho era responsável pela distribuição dos apartamentos, mas não os construía. A construção das moradias ficou sob a responsabilidade da Fundação Casa Popular , dos institutos de Previdência, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil;, explica, no texto, o arquiteto Marcílio Mendes.
Apartamentos
O governo federal distribuiu as quadras residenciais entre os institutos de pensão da época que tinham créditos a receber da União. Cada entidade escolheu seus arquitetos para erguer os futuros prédios residenciais das quadras. Um dos primeiros a começar a mudar a paisagem do cerrado candango foi o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários (IAPB), responsável pela construção de 11 blocos na SQS 108.
O IAPB construiu 456 apartamentos na quadra, inaugurada em fevereiro de 1960. Alguns dos prédios têm projeto de Oscar Niemeyer. O Instituto de Pensão dos Bancários também ergueu edifícios na SQS 109, destinados aos seus diretores. Nesse caso, os edifícios foram desenhados por arquitetos do quadro do instituto, como Luigi Pratesi, Aldari Toledo e João Filgueiras de Lima (Lelé). Cada bloco tem 72 apartamentos.
Enquanto prédios da Asa Sul eram erguidos, o IAPB também construía os blocos da SQN 312 ; planejados por Luigi Pratesi. O objetivo era abrigar funcionários mais modestos. Ao todo, há 864 apartamentos, sendo 576 de três quartos, 288 de dois quartos, além de escola e creche. O acesso ao edifício se faz por um único hall no pilotis, com escada e dois elevadores. A SQN 312 abrigou os professores da UnB no início da universidade, consolidando-se como ponto cultural.
Interesse
A história da arquitetura de Brasília desperta o interesse de brasilienses. A aposentada Martha Santiago, 73 anos, mora no Bloco A da SQN 312 há 42 anos. ;O prédio tem uma arquitetura muito interessante, nos passa uma sensação de estabilidade. É elegante e simples ao mesmo tempo;, explica. Ela considera a localização outro diferencial. ;Aqui, tudo é muito bonito e tranquilo;, conta a aposentada, que vive com a irmã e o filho.
Outra entidade com papel importante na criação das superquadras foi o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transporte de Cargas (Iapetec), responsável pela construção de 11 edifícios na SQS 107. O projeto se assemelhava ao elaborado por Niemeyer para a 108 Sul.
Já o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) ergueu 20 blocos de seis pavimentos nas SQS 105 e 305, além de 34 prédios de três andares na SQS 409/410, para funcionários de menor poder aquisitivo. Na SQS 105, o arquiteto responsável foi Hélio Uchôa, que trabalhou no escritório de Lucio Costa. Destaque para os prédios com cobogós de cerâmica vermelha que lembram os edifícios do Parque Guinle (no Rio de Janeiro), concebidos pelo urbanista.
O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários construiu blocos nas quadras SQS 106 e 306 e também nas SQN 403/404 e 405/406 . Esses 64 prédios de três pavimentos com pilotis foram os primeiros edificados na Asa Norte. As janelas rasgadas em toda extensão chamaram a atenção do arquiteto Le Corbusier durante uma visita a Brasília. Outras entidades com papel importante na construção da nova capital foram a Fundação da Casa Popular, a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e empregados do Serviço Público (Capfesp), a UnB e a construtora Graça Couto.
Distribuição gratuita O Iphan vai distribuir gratuitamente 500 exemplares de A invenção da superquadra, a partir desta quinta-feira, das 14h às 15h. Qualquer pessoa pode buscar um livro. O Iphan fica no Setor Bancário Norte, Quadra 2, Edifício Engenheiro Paulo Maurício, 12º Andar. Leia mais na edição impressa do Correio Braziliense