postado em 18/03/2009 08:35
Ela tinha 35 anos e vivia o melhor momento da vida pessoal e profissional. Casada havia uma década, um filho de 7 anos, a técnica de enfermagem fazia planos de ter o segundo filho. Se viesse mais um menino, se chamaria Felipe. Mas, bem no fundinho, ela torcia pra ser uma menininha. E a chamaria de Marina. Os planos seguiam. E ela os fazia na correria dos dois empregos e os muitos plantões que enfrentava diariamente no centro cirúrgico. ;Trabalhava 12 horas sem parar;, lembra. Quando Lucas nasceu, ela teve que deixar um emprego. Escolheu um só hospital. E foi ali que conheceu a dor alheia.
Essa era, até aquele 7 de maio de 2007, a vida da brasiliense Magnólia de Souza de Almeida. Naquele dia, ela amanheceu sentido o corpo com sintomas de gripe. Forte como era, nunca faltou ao trabalho por causa de doença. Levantou-se, beijou o marido e o filho e partiu. No Hospital Anchieta, em Taguatinga, onde trabalhava, a febre aumentou. As colegas disseram ao médico que a técnica de enfermagem não estava bem. Ele a aconselhou que tomasse um antitérmico, para a febre ceder um pouco. No Anchieta, o remédio só havia em gotas. Ela nunca gostou daquele remédio em gotas. Provocava-lhe certa náusea e às vezes vômitos.
Magnólia resolveu, então, quando estivesse voltando para casa, comprá-lo em drágeas. Passou numa farmácia e pediu um envelope com quatro comprimidos. Tomou o primeiro. A febre não cedeu. Oito horas depois, tomou o segundo. A febre resistiu. E a dor de cabeça era intensa. No dia seguinte, ela percebeu que seus olhos estavam vermelhos. Estranhou, mas ainda assim, com febre, dor de cabeça e os olhos vermelhos, não faltou ao trabalho. Magnólia nunca faltava. A enfermeira de plantão, ao vê-la daquela forma, não a deixou ficar. Aconselhou-a que procurasse um oftalmologista. Ela assim o fez. O médico não hesitou no diagnóstico.
Era conjuntivite viral. O oftalmologista prescreveu um colírio e lhe deu cinco dias de licença. A contragosto, ela lhe obedeceu. Mas, em casa, começaram a aparecer pontinhos vermelhos no pescoço e abdômen. Magnólia pensou que fosse apenas uma alergia sem muita importância. E a febre só aumentava. Não saía dos 40 graus. Chegou a 43. Ela delirou. E aconteceu o que a técnica de enfermagem nunca imaginou: virou paciente do hospital onde trabalhava.
Foram 12 horas de observação. O quadro só piorava. Seu corpo se encheu de bolhas, que logo se tornaram escuras. Uma médica do hospital foi a primeira a suspeitar de Síndrome de Stevens-Johnson (ver Para Saber Mais). E lhe pediu uma biópsia. Três dias depois, o resultado positivo, emitido por um laboratório de patologia e prevenção de câncer do Centro Médico Hospitalar Anchieta. Começava o drama da vida de Magnólia, que, a essa altura, também não mais enxergava. A cegueira a encontrou no melhor e mais feliz momento de sua vida.
Transferência
O marido dela, o motorista de ônibus cearense Lucivaldo Rodrigues de Almeida, hoje com 43 anos, se mudou para o hospital. Para suportar o sofrimento da mulher, ele chorava escondido. A pele da técnica de enfermagem necrosou. Com dez dias de internação, foi submetida à primeira de uma série de cirurgias que faria dali por diante. Toda a pele lhe foi retirada. Noventa por cento do seu corpo sofreu queimadura por uma reação ao medicamento para febre.
Depois da cirurgia, Magnólia foi levada para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Lá, no Setor de Queimados, começa a via-crúcis da mãe do pequeno Lucas. As queimaduras lhe atacaram o coração e os rins. A dor era amenizada com doses diárias de morfina. Ela começou a apresentar quadro de hipertensão e diabetes (que, tempos depois, milagrosamente desapareceu). E seu corpo inteiro ; até o sangue ; foi atacado por bactérias e fungos. O sangue todo coagulou. E a circulação travou. Infecção generalizada. Coma profundo. Um médico chamou o marido de Magnólia e lhe disse:
Lucivaldo, católico, tinha uma ligação dominical com Deus. ;Eu não tinha passado pela provação do Espírito Santo;, ele diz. Um médico, extremamente religioso, uma noite lhe disse, quando nada mais podia ser feito e muito certamente Magnólia não chegasse ao amanhecer: ;Não queira entender agora, mas vamos sair dessa;. Lucivaldo o ouviu. E chorou e rezou com fervor, ao lado da cama da mulher. Na manhã seguinte, uma médica entrou no quarto e lhe deu ;bom-dia;. Magnólia lhe respondeu, para espanto e alegria geral. E todos choraram. Até a médica.
Num dos banhos, quando a faixa que cobria todo seu corpo foi retirada e o sangue e a pele vieram juntos, Magnólia chorou. Um médico lhe disse: ;Você tem todo o direito de chorar. Passou de todos os limites que um ser humano pode suportar;. Passaram-se 47 dias. Veio a alta do Hran. Magnólia precisou voltar para o Anchieta. Seus rins estavam parando e a hemodiálise se aproximava. Com uma semana ali internada, depois das medicações, o órgão começou a funcionar normalmente. Ela voltou para casa. Lucivaldo se lembrou das palavras daquele médico que lhe falou de milagre, sem pronunciar o nome.
Evangelização
Amanhã, mais uma vez, Magnólia e Lucivaldo irão a São Paulo. Eles viajam por meio do Tratamento Fora Domicílio, da Secretaria de Sáude, que banca as passagens. Nos últimos dois anos, para arcar com as despesas dos remédios e hospedagem na capital paulista, Lucivaldo vendeu o apartamento em que moravam em Taguatinga, a economia de uma vida inteira. Hoje, a família vive nos fundos da casa dos pais de Magnólia, na QNH 7, na mesma cidade. Parentes dela e dele se envolveram em tempo integral na recuperação da técnica de enfermagem, há dois anos afastada do trabalho.
Magnólia já se submeteu a sete cirurgias para tentar recuperar a visão. A oitava, que fará amanhã, será um ;transplante penetrante de córnea;. O médico paulistano, especialista em Síndrome de Stevens-Johnson, acredita que Magnólia pode, se não houver intercorrência, ter uma visão útil.
;O que eu mais quero é voltar a ver o rosto do meu filho e do meu marido. E quero muito, muito voltar ao meu trabalho no hospital;,ela pede, em lágrimas. E enquanto esse dia não chega, Magnólia e o marido se empenham em evangelizar quem precisa. Participam de rezas e terços na vizinhança e em muitas paróquias de Taguatinga e outras cidades. Testemunham a experiência que viveram. Ela conta a dor, sua devoção a Maria, o renascimento.
Entre os muitos laudos médicos e relatórios guardados, há um bilhete escrito à mão, num receituário do Anchieta. O marido lê para a mulher. No bilhete, o ginecologista-obstetra Tércio Ferreira Rezende pediu à técnica de enfermagem: ;Magnólia, você é excelente. Os outros tentam ser iguais a você, mas só ficam no sonho. Volte logo!”. Emocionada, Magnólia admite: ;Eu sempre acreditei em milagres. Sou a prova de que existem;. Perguntar mais o quê? Há momento, até, para silenciar.
CORRENTE DE ORAÇÃO
Contato com Lucivaldo e Magnólia ; 9155-7614 e 9121-3824
PARA SABER MAIS Reação que pode matar A Síndrome de Stevens-Johnson constitui-se em um tipo reação alérgica, geralmente de origem medicamentosa, normalmente grave, podendo ser fatal. Acomete 10 em cada um milhão de pessoas e se manifesta por uma descamação em graus variados da pele e das mucosas, com formação de bolhas, em aproximadamente 10% a 30% da superfície do corpo. O indivíduo fica com o aspecto de um grande queimado. Normalmente os sintomas são semelhantes aos de uma infecção qualquer, com febre, dor muscular, coriza, dor de cabeça, etc., que podem durar de uma a duas semanas. Posteriormente, há o desenvolvimento de bolhas, muitas vezes com sangue e/ou pus na região da boca, lábios, língua, olhos, região da mucosa anal e genital, pele, entre outras, que se rompem formando erosões cobertas por crostas. Nota-se com maior frequência o aparecimento da síndrome em crianças e adultos jovens. Segundo a literatura, a mortalidade está em torno de 5% a 15%. Existem outras causas possivelmente relacionadas com o desenvolvimento da síndrome, mas não verdadeiramente comprovadas, como as infecções por vírus e bactérias. Entretanto, a ocorrência devido ao uso de medicamentos é a causa mais comum. O tratamento deverá ser feito em uma unidade para grandes queimados ou na UTI, devido à sua gravidade. Deve-se isolar o paciente para evitar que ocorra infecção.