postado em 19/03/2009 08:00
Houve aula ontem. Cerca de 20 alunos da pós-graduação em psicologia testemunharam a volta de Timothy Mulholland à função de professor após quase 20 anos ocupando cargos administrativos na Universidade de Brasília (UnB). Entre eles, o posto de reitor, que o fez conhecido na cidade e no país graças a supostos desvios de verbas para pesquisa por meio das fundações privadas de apoio que atuam na universidade. Uma delas, a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), teria usado dinheiro público para mobiliar o apartamento funcional de Timothy com itens luxuosos, que incluíam um saca-rolhas de R$ 859 e lixeiras de quase R$ 1.000.
Os alunos que há quase um ano ocuparam a reitoria da UnB por 15 dias exigindo a renúncia de Timothy do cargo máximo da administração não foram protestar em frente à sala que fica no fim da Ala Sul do Instituto Central de Ciências, o Minhocão. Quem acompanhou o ex-reitor foi um grupo de professores, a maioria do Instituto de Psicologia ; ao qual ele pertence. Eles estavam lá, segundo os próprios, para garantir a Timothy o direito de dar aulas. ;Um professor em sala não é fato jornalístico;, argumentou o presidente da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), Flávio Botelho. ;Através dele, a UnB tem sido atacada, julgada pela imprensa. E sem direito de resposta;, completou ele, que é professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária. No fim da tarde, o Instituto de Psicologia divulgou nota oficial reforçando essa tese.
Sob a alegação de garantir o direito de trabalho, cerca de uma dezena de outros professores tentou impedir o trabalho da imprensa. Eles não queriam que Timothy fosse fotografado nas dependências da universidade e acusaram os repórteres de fascistas. Quando saiu da aula de complementação de cognição e neurociências, uma hora após entrar, o ex-reitor não quis falar com a reportagem. Seguiu impassível até a sede de seu departamento, onde permaneceu por 50 minutos antes de ir embora.
Filmagem polêmica
Toda a movimentação foi filmada pelos professores. Segundo Ileno da Costa, que leciona no mesmo instituto que Timothy, o objetivo era registrar a manifestação dos docentes. ;Como vocês estão aqui e estão participando, estou filmando também;, justificou aos jornalistas. Para uma das diretoras do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB, no entanto, trata-se de um resquício da administração deposta. ;É unicamente para intimidar. Quando o Timothy era reitor e algum professor ou aluno falava algo contra ele nos conselhos deliberativos, sempre era filmado. Eu já fui várias vezes;, conta Catharina Lincoln, 21 anos, aluna de serviço social e uma das ocupantes da reitoria.
Catharina relata ainda que o DCE não organizou manifestação ontem para não parecer que a luta dos estudantes é uma perseguição pessoal. ;Somos contra ele dar aulas depois de tudo o que fez. Ele desviou verbas da pesquisa e está dando uma disciplina de pesquisa. É incoerente: ele precisa responder a um processo administrativo porque muitos professores e alunos já foram afastados da UnB por menos.;
Timothy, no entanto, já responde a processos dentro da universidade, segundo o advogado dele, Aldo Costa. ;Ele já está respondendo processos de natureza administrativa e criminal. E tem se defendido dessas acusações, que vão se revelar infundadas no fim;, garantiu ele, que disse ainda que o ex-reitor pretende continuar ministrando normalmente as três disciplinas nas quais consta como professor.
Nos corredores da universidade, a volta de Timothy figura entre os principais assuntos. Para o aluno Jorge Antunes Mattos, 26, da agronomia, um servidor precisa trabalhar para justificar o salário e o cargo. ;Ele é um professor da UnB e precisa dar aulas se não tiver outra função. Eu só não gostaria de ser aluno dele;, contou ao Correio. Isabella Dantas, 24, estudante de ciências sociais, pensa diferente. ;Não é como se fosse um professor qualquer. A comunidade acadêmica já deixou claro que ele não é bem vindo no ano passado. Ele devia se aposentar ou pedir transferência para outra universidade;, opina ela.
Confira nota oficial do Instituto de Psicologia O Conselho do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília vem a público manifestar sua preocupação frente à situação de desconsideração sobre sua autonomia acadêmica no que tange às suas atividades didáticas e sociais. Assim sendo, e considerando que: 1 - São pressupostos constitucionais invioláveis a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas (Capítulo III, Seção I, Art. 206, incisos II e III da CF); 2 - São garantias democráticas o dever e o direito ao exercício do trabalho em condições dignas e de respeito; 3 - É condição indispensável para a relação ensino-aprendizagem a construção de uma relação saudável entre aluno e professor, objetivando-se a garantia do aluno de receber o ensino, e do professor de poder exercer seu papel de educador; 4 - É primordial que as instâncias regimentalmente constituídas, enquanto expressão da efetiva autonomia acadêmica, sejam respeitadas em suas decisões colegiadas, caso contrário perder-se-á o sentido de construção do conhecimento e de formação, que nos é inerente; 5 - É fundamental que se preservem os direitos humanos globais bem como o direito individual de qualquer pessoa na sociedade de exercer seu trabalho; 6 - Não é aceitável o pré-julgamento de qualquer pessoa sem a liberdade não só de se defender, mas, em especial, de poder se organizar para tanto; 7 - Não podemos aceitar qualquer forma de constrangimento aos nossos professores; O Conselho do Instituto de Psicologia solicita das instâncias e instituições universitárias e sociais que os nossos professores, particularmente o Prof. Dr. Timothy Martin Mulholland, sejam respeitados e preservados em todas as dimensões dos direitos que lhes assistem, em especial o de ensinar com a devida tranqüilidade e sem invasão de privacidade. Brasília-DF, 18 de março de 2009. Conselho do Instituto de Psicologia