Cidades

Goianas vivem em regime de escravidão no exterior

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postado em 22/03/2009 08:07
Goiânia ; Dívidas, exploração sexual e humilhação são alguns dos problemas sofridos por brasileiras que deixam o país para viver da prostituição na Europa. Depois de usarem Brasília, São Paulo ou Rio de Janeiro como ponto de partida para o exterior, algumas meninas desembarcam na Espanha e em Portugal com débitos de até 5 mil euros (cerca de R$ 15 mil). É o valor da passagem aérea e da hospedagem bancadas pelos patrões antes do embarque. Algumas ainda têm o passaporte confiscado pelos donos dos prostíbulos e acabam confinadas pelo menos até o pagamento total da dívida. O chefe da Assessoria Especial para Assuntos Internacionais do governo de Goiás, Elie Chidiac, compara as condições das meninas exploradas sexualmente no exterior com o trabalho escravo no interior do Brasil. ;Boa parte delas acaba exposta a uma espécie de regime de escravatura, muito parecido com situações de exploração em várias fazendas brasileiras. Elas são colocadas em prostíbulos, em quartos que mais parecem celas, e não podem sair;, denunciou. Também pagam pela comida e os preservativos, proteção pouco apreciada pelos europeus. Há casos em que donos de casas noturnas as obrigam a fazer de 10 a 12 programas por noite. As relações sexuais ocorrem no mesmo lugar onde mais tarde irão dormir. ;Às vezes, são necessários seis meses para se pagar a dívida. Algumas meninas voltam com problemas mentais e doenças sexualmente transmissíveis. Até os anos 2000, elas ainda caíam em armadilhas. Mas hoje, 90% sabem o que farão lá;, disse Chidiac. Estudo feito pela secretaria, em parceria com o Ministério da Justiça, dá conta de números alarmantes. Em média, 20 goianas morrem assassinadas na Europa em consequência da exploração sexual por ano. Em 2004, uma comissão formada por representantes da Assessoria Especial, entre eles Chidiac, e do Ministério da Justiça visitou locais de prostituição em Lisboa e Madri. Além de confirmarem o tráfico de seres humanos, traçaram o perfil das mulheres e dos aliciadores. Em geral, as vítimas são mães solteiras e de classes sociais mais baixas, com pouca escolaridade e com idades entre 22 e 40 anos. Os exploradores são brasileiros, colombianos, espanhóis e até argentinos e mantêm aliciadores no Brasil, principalmente em Goiás. Para Chidiac, o combate à exploração sexual deve se basear no tripé polícia-assistência social-conscientização. ;É preciso criar um escudo psicológico, pois não há como interferir no direito de ir e vir delas. Mas a menina sempre será vítima e deve saber que não vale a pena sair do país para viver como garota de programa;, avaliou. Chidiac também defendeu que o turismo sexual não ocorre só com goianas. ;Cada região do país tem uma peculiaridade. Goiás apenas aparece mais porque tem mais divulgação e órgãos que a combatem.; Assédio e ameaça Basta conversar alguns minutos com prostitutas de Goiânia para perceber a intensidade do assédio de aliciadores do tráfico internacional. No setor de motéis, na saída para São Paulo, as mulheres esperam os clientes nas ruas. Todas falam com naturalidade de viagens ao exterior para viver da venda do corpo. ;Propostas a gente recebe sempre. Só não vou porque tenho família. Sei que muitas se deram bem;, afirmou a moça morena, 26 anos. Uma colega dela não deixou o país pelo mesmo motivo. Mas revelou frustração por não arriscar uma chance na Espanha ou em Portugal. Nem mesmo histórias de goianas mortas e desaparecidas a assusta. Prefere acreditar que vale a pena o risco para ganhar dinheiro com a prostituição no exterior. ;Perigo a gente tem em qualquer lugar. Só não vou por causa do meu filho;, explicou a mulher loura, de 22 anos. ;É preciso ter muito estômago; Goiânia ; A goiana Rafaela tomou uma decisão aos 25 anos: trocar o Brasil por Espanha ou Portugal para viver como garota de programa. Ganhou coragem depois que uma amiga passou uma temporada na Península Ibérica e voltou meses depois com histórias de dificuldades, mas com dinheiro no bolso. Rafaela resolveu arriscar. Usou os mesmos contatos e, semanas depois, recebeu as passagens aéreas para o roteiro Goiânia-Rio de Janeiro-Paris-Madri ; hoje admite que muitas preferem deixar o país via Brasília. Despediu-se da família sem dizer o que faria longe da capital goiana. O ano era 2005. A moça loura, de baixa estatura e formas bem delineadas, entrou no avião rumo à Europa sem conhecer ninguém ou falar outra língua que não o português. Desembarcou em Paris, voou para a capital espanhola e foi recebida pelos futuros patrões, um casal de espanhóis. Só lá soube que trabalharia em uma cidade espanhola quase na fronteira com Portugal. Logo na chegada, se deparou com a primeira dificuldade: quitar as dívidas da passagem aérea e da hospedagem ; ela dividia espaço com dezenas de mulheres em um apartamento de luxo. Para pagá-las, Rafaela trabalhou o primeiro mês praticamente de graça. Atendia os mais diversos clientes, repassando quase todo o dinheiro arrecadado aos proprietários do lugar. As coisas só melhoraram a partir do segundo mês, apesar da obrigação de dar uma quantia pré-determinada aos donos do local. ;Não interessava o valor do programa. Podia ser 50, 100 ou 200 euros. Na mão deles tinha de chegar 20 euros por vez;, conta a moça, hoje de volta a Goiânia. A porcentagem fazia parte do contrato. Rafaela não trabalhava nas ruas da cidade. Os clientes eram os da casa que a contratou na Espanha. Ela, porém, logo conseguiu clientes exclusivos. Afinal, tinha pelo menos dois atrativos importantes para os espanhóis: brasileira e corpo cheio de curvas. ;O que mais tem lá é brasileira, principalmente goianas. Tem japonesa, russa, mas eles gostam mesmo é das brasileiras, não sei exatamente o porquê. Alguns casados me disseram que as mulheres de lá têm pouco desejo, transam uma ou duas vezes por mês, ou não transam direito;, revela. A primeira temporada na Europa durou seis meses, um pouco mais do que os três meses previstos no visto de turista. Mandava até R$ 1 mil por mês ao Brasil, suficiente para mobiliar a casa e ajudar a sustentar a mãe. Rafaela não tem muita noção do total dos ganhos, mas descobriu que a época do verão é a mais rentável para as garotas envolvidas com prostituição. ;No verão, perdi as contas de quantos programas fazia por dia. Começava às 7 da noite e ia até o sol raiar. Tinha dia que eu não aguentava de cansaço. Era preciso também muito estômago;, conta. Em alguns fins de semana, embolsou mil euros. Rafaela repetiu a viagem para Espanha e Portugal três vezes. Não ficou, porém, na mesma cidade. Revezou-se entre vários prostíbulos de Portugal e Espanha. Trabalhou, assim, em pelo menos seis localidades dos dois países. A rotina durou até o ano passado, quando a goiana conheceu um português e o namorou. Ele a pediu em casamento. Rafaela aceitou, a exemplo de garotas de programa que se casam com portugueses e espanhóis. Ela vive em Goiânia talvez a última temporada no Brasil. Vai se mudar em definitivo para a Espanha em três meses. (GG) De volta: 1,6 mil goianos foram deportados da Europa no ano passado, sendo que 30% voltaram obrigados ao Brasil por causa da prostituição Violência: 20 goianas são assassinadas na Europa em consequência do tráfico de seres humanos e da exploração sexual por ano Dívidas: 5 mil euros é quanto devem, em média, as mulheres que deixam Goiânia em direção à Europa, por conta de passagens e hospedagem Casas noturnas: 90% sabem que irão para a Europa para ganhar a vida como garotas de programa * Nome fictício a pedido da entrevistada

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