postado em 23/03/2009 08:19
Goiânia ; A Superintendência Regional da Polícia Federal em Goiás identificou pelo menos duas rotas internacionais de tráfico de seres humanos a partir da capital do Brasil. As duas portas de saída são via Aeroporto Internacional Juscelino Kubitscheck, no Distrito Federal, onde as garotas de programa, a maioria delas goianas, partem rumo à Europa. Se não embarcam em voos diretos para Lisboa, em Portugal, pegam um avião até o Aeroporto Internacional de São Paulo (Guarulhos) e seguem para a capital portuguesa ou Madri para arriscar a vida como prostitutas.
Os pontos de partida via DF são investigados como as alternativas mais recentes para a exploração sexual no velho continente. Conforme revelado ontem pelo Correio, a capital do país atrai as quadrilhas especializadas desde que se consolidaram voos regulares para Lisboa. O comércio do corpo feminino, no entanto, revela que o sonho de ficar rica tem consequências. No ano passado, 22 goianas morreram assassinadas e 18 desapareceram no continente europeu por causa da exploração sexual, segundo dados da Assessoria Especial para Assuntos Internacionais do governo de Goiás.
O delegado Luciano Ferreira Dornelas, titular da Delegacia de Imigração da PF em Goiás, avalia que as alterações dos pontos de partida são frequentes em crimes internacionais. Brasília, assim, seria o alvo da vez. ;Muitas meninas realmente embarcam por Brasília, em um movimento em que as mudanças de rota são grandes;, explicou. As investigações de tráfico de mulheres a partir do DF são feitas pela PF em Goiás. A Delegacia Especial do terminal candango existe informalmente. Os 70 servidores federais cuidam de três voos internacionais regulares. Na área criminal, se concentram em traficantes de drogas.
A movimentação de goianas para o exterior nos últimos anos se tornou tão comum que concentra boa parte do trabalho da Delegacia de Imigração. Houve 33 operações especiais entre 2004 e 2009 no país e no exterior. Pelo menos 70 pessoas foram presas sob acusações de exploração sexual e formação de quadrilha nos últimos cinco anos na capital goiana. São homens e mulheres, entre eles meninas que viveram como garotas de programa em países europeus, flagrados por tráfico de pessoas.
Padrão brasileiro
Os aliciadores têm a função de convencer garotas brasileiras a trabalhar como prostitutas em países europeus. Oferecem passagens aéreas e hospedagem ; por isso as meninas chegam endividadas à Europa ; e vendem a ideia da oportunidade para vencer na vida. A maioria dos flagrantes de garotas convencidas por eles ocorre a caminho da Europa e não mais nos aeroportos brasileiros. ;Já tivemos experiências com impedimentos logo no embarque para fora do país, mas sem provas não há configuração penal. E só depoimento não é o ideal para acusações formais;, afirmou Dornelas.
A dificuldade das abordagens no embarque ; há ainda chance de se cometer injustiças ; obrigou a PF a traçar novas estratégias para impedir a ação das quadrilhas de exploração sexual. Interceptações telefônicas, filmagens em aeroportos e parcerias com embaixadas, polícias e governos estrangeiros auxiliam no combate ao tráfico de seres humanos a partir do Brasil. ;Na maioria das vezes, deixamos que três ou quatro embarquem no avião e desçam na Europa. Com a ajuda das autoridades locais, as acompanhamos até os clubes e fazemos os flagrantes;, revelou o delegado.
Portugal, Espanha e Suíça aparecem como os principais destinos das goianas, de acordo com informações da PF em Goiás ; os travestis costumam procurar a Itália. Para o delegado, as goianas ganham a preferência europeia por causa do biotipo. São meninas de 18 a 29 anos, com corpos bem diferentes do padrão europeu. ;As brasileiras são as preferidas, mas não tanto as meninas do Sul do país e mais as garotas de Goiás. O biotipo delas atrai;, disse o titular da Delegacia de Imigração. Muitas meninas são do interior goiano, mas se mudam para Goiânia em busca de contatos para o exterior.
As mulheres atraídas pelos aliciadores são tratadas pela Polícia Federal e a Justiça brasileira como vítimas. Mas os brasileiros envolvidos no crime organizado não escapam de julgamentos e punições. ;Trabalhamos com dois graus de aliciadores. O de primeiro grau é o europeu. Esse nem vem ao Brasil. O de segundo grau é o brasileiro que tem a missão de convencer as garotas a se prostituir lá fora. Muitas vezes, são meninas que já tiveram experiências por lá;, explicou Dornelas. Algumas voltam com supostas histórias de riqueza e sucesso.
Exploração
A exemplo da Assessoria Especial para Assuntos Internacionais do governo de Goiás, o delegado Luciano Dornelas também denunciou o risco e a exploração contra garotas de programa brasileiras na Europa. Segundo ele, muitas meninas sabem que viverão como prostitutas na Europa, mas não têm noção das condições que vão encontrar nos prostíbulos. Poucas dão sorte. E muitas deixam para trás as famílias para viver em quartos semelhantes a celas de cadeias. Têm ainda o passaporte e a passagem aérea de volta confiscada pelos patrões. Às vezes, nem ganham permissão para sair às ruas.
Apesar das histórias de mortes e desaparecimentos, elas decidem arriscar tudo em razão da ilusão de ganhar dinheiro. Em um primeiro momento, a atividade parece rentável, principalmente se não se levar em conta as dívidas com os patrões, as taxas de serviço dos prostíbulos e o custo de vida. Programas de 30 minutos na Espanha custam 50 euros (cerca de R$ 150). A preferência é pela Suíça: as saídas são de 10 minutos e não saem por menos de 150 francos suíços (cerca de R$ 300). A barreira das línguas francesa e alemã, no entanto, faz com que os destinos mais comuns sejam Espanha e Portugal.
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