Cidades

Bairro em Santa Maria vira condomínio particular

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postado em 27/03/2009 08:16
Uma cancela para carros, duas guaritas com vigias, 1,5 mil metros de grade de aço e arame farpado são parte de um aparato que induz a uma conclusão precipitada sobre a natureza de um loteamento urbano próximo a Santa Maria, a 25 minutos da rodoviária do Plano Piloto. O aglomerado de casas e apartamentos com 13 mil moradores nasceu como residencial há 11 anos, mas mantém rotina própria de condomínio, confundindo o que é de direito público com o privado. Na área cercada, os moradores têm acesso à escola e posto de saúde do governo, além de um posto policial em fase de construção. A crise de identidade vivida no loteamento de classe média em Santa Maria está exposta no nome de batismo do lugar: Condomínio Residencial Santos Dumont. A confusão divide os próprios moradores da região, que estão em pé de guerra ; de um lado, o que se autointitula condomínio, de outro, a associação de moradores. Um dos motivos da discórdia é uma taxa de R$ 25 exigida pelo síndico do loteamento, Amauri Bastos Mitchell. Suboficial da reserva da Aeronáutica, Mitchell é a terceira pessoa a ocupar o posto. Ele é autor das cartas de cobrança enviadas aos moradores considerados inadimplentes pelo condomínio. O suboficial da Aeronáutica foi um dos primeiros moradores do Santos Dumont, quando o loteamento ainda se chamava Sítio do Gama. A trajetória do militar ajuda a entender a incógnita em que se transformou o local. O terreno com extensão de 1,1 milhão de m² ; do tamanho do Núcleo Bandeirante ; foi doado pela Aeronáutica para os servidores das Forças Armadas. A princípio, o objetivo era atender a reivindicação de cabos e taifeiros por moradia. Os apartamentos funcionais do Plano Piloto já não eram suficientes para a necessidade dos militares. As primeiras casas, patrocinadas em parte pela Caixa de Financiamento da Aeronáutica, começaram a ser construídas em 1998. Os pioneiros no lugar eram integrantes das Forças Armadas, mas depois de um tempo foram aceitos moradores não militares na região, já que a quantidade de residências superou a expectativa de demanda. Atualmente existem no residencial 2.377 moradias. A estimativa é que os militares ocupem 60% das casas ou apartamentos, que têm entre dois e cinco quartos. Subsídios A construção das moradias do Santos Dumont foi organizada por meio da Cooperativa dos Suboficiais e Sargentos da Aeronáutica de Brasília. O atual síndico, Amauri Mitchell, presidiu na época o grupo que integrava a cooperativa. Com o rendimento do dinheiro poupado pelos inscritos no programa habitacional, os próprios moradores subsidiaram uma série de benfeitorias para a região. A rede de água e esgoto, o asfaltamento, os postos de luz, a construção de um centro cultural, os prédios onde funcionam a escola e o posto de saúde, além de um clube de vizinhança. Foi daí que nasceu a confusão entre o público e o privado. O fato de o terreno ter sido doado pela Aeronáutica e a força-tarefa dos moradores para antecipar o acesso aos equipamentos públicos na região criaram um sentimento entre muitos habitantes do residencial de que a área, bem como as benfeitorias nela existentes, são de propriedade particular, o que justifica em parte a manutenção da cerca, das cancelas e das guaritas. Mas a Lei 6.766, de 1979, que dispõe sobre o uso da terra pública, estabelece que desde a data do registro do loteamento passam a integrar o domínio do município ; no caso, do DF ; as vias, praças, espaços livres, as áreas de edifícios. Mas a perturbação não acomete apenas aqueles que estão convictos sobre a natureza de condomínio do residencial Santos Dumont, caso do grupo ligado ao síndico. O mal-entendido também está no discurso de quem não reconhece a legitimidade da agremiação. É o caso do presidente da Associação de Moradores, Cláudio Borges. Há seis meses, o morador lidera uma queda de braço contra o condomínio do loteamento para provar que o lugar não pode ser tratado como tal. Ele é a favor da extinção da cobrança de R$ 25. Em novembro, a Associação teve ganho de causa na Justiça, em segunda instância, contra o pagamento da taxa. Os desembargadores proibiram a emissão do boleto para 76 residências, que foram acionadas judicialmente. Segundo o tribunal, o que configura condomínio horizontal é a prestação de serviço essencial pela agremiação. Mas no caso do Santos Dumont, água, esgoto, luz e limpeza são de responsabilidade do Estado. Grades Mas enquanto a Associação desaprova a taxa de condomínio, é a favor da cerca que segrega o residencial Santos Dumont do restante de Santa Maria. A opinião de Cláudio Borges é compartilhada por muitos outros moradores do lugar. Ele defende a manutenção das grades e usa como argumento uma lei distrital, aprovada em 15 de março de 2001, que autoriza o gradeamento do residencial. O problema desse discurso, no entanto, é que o projeto foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2004. Em 9 de março de 2009, o Ministério Público do Distrito Federal emitiu um parecer sobre a situação do residencial Santos Dumont, em resposta a uma representação encaminhada à Associação dos Moradores do suposto condomínio. No documento, a Promotoria de Justiça informa que não tem competência para emitir opinião sobre a cobrança de taxa ; o que deveria ser feito na Justiça ;, mas aproveita a oportunidade para manifestar o estranhamento pela situação em que se encontra o lugar. Para o MP, a Associação é incoerente ao reclamar do pagamento da taxa de condomínio e ao mesmo tempo defender a manutenção das grades. Ora quer contar a referida Associação que a Administração de Santa Maria construa dentro do residencial escola pública, creche, postos de saúde e policial, mas que no entender da referida Associação serão destinados tão somente à população do Residencial Santos Dumont, violando dispositivos constitucionais. Eis que com guarita e cercado, a população da cidade não poderá ali adentrar e usufruir dos mencionados equipamentos públicos.; Carteirinhas para trânsito A defesa das grades que reservam o Condomínio Residencial Santos Dumont é o único ponto em que a associação de moradores e o condomínio afinam o discursos. O presidente da associação, Cláudio Borges, alega que o desejo da maioria é manter as cercas, por uma questão de segurança. ;Somos a favor das grades desde que ninguém seja impedido de entrar, mas não vamos fazer objeção se houver decisão da Justiça para a retirada das mesmas;, afirma Cláudio. Da mesma forma, o síndico do condomínio, Amauri Mitchell, afirma que as grades são uma forma de preservar os moradores da violência. Mitchell alega que não há impedimento para a entrada de carros e pessoas no condomínio, desde que haja identificação. Ele estima que 70% dos estudantes da escola de ensino fundamental localizada dentro do condomínio não são moradores. ;Não impedimos ninguém de entrar, mas vamos confeccionar carteirinhas para facilitar o trânsito desses estudantes;, avisa o síndico. Foi de Mitchell também a ideia de orientar os moradores a usar um adesivo nos carros indicando que têm residência no suposto condomínio. Perplexidade Segundo o entendimento do Governo do Distrito Federal, no entanto, a conduta da administração do condomínio é equivocada. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente afirmou ao Correio, por meio de sua assessoria de imprensa, que considera o Santos Dumont como parcelamento urbano e que, segundo essa designação, as cercas não se justificam de forma legal. O secretário de Ordem Pública e Social do DF, Roberto Giffoni, disse que aguarda um parecer da Justiça ; já que ainda corre um processo movido pela associação de moradores ; para tomar uma atitude em relação à situação do condomínio. ;Se o loteamento em Santa Maria foi constituído como residencial e não condomínio, não é compreensível que tente se isolar da região administrativa à qual pertence. Se a Justiça considerar que isso está ocorrendo, vamos nos posicionar no sentido de coibir a prática;, adiantou Giffoni. Para o diretor técnico da Terracap e um dos elaboradores do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot), Luis Antônio Reis, a situação do residencial Santos Dumont ;causa perplexidade;. O técnico afirma que no lugar é nítido o grave problema em que ;áreas públicas são arbitrariamente transformadas em bens privados;. (LT)

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