Jornal Correio Braziliense

Cidades

Menino de Itapoã comemora a chegada da casa 'de verdade'

Seis meses após o Correio contar a história do menino de Itapoã que é portador do vírus HIV, ele vibra com as mudanças na sua vida

Graças à ajuda de gente de todos os cantos do DF, do Brasil e até dos Estados Unidos, Almira e Pedro moram hoje numa casa de alvenaria O menininho convida o ;tio; para entrar na sua casa ;de verdade;. O abraço apertado é carregado de emoção. Ele está ofegante, ávido para mostrar o banheiro novo (todo na cerâmica, com vaso sanitário também de verdade). Ele se apressa em mostrar o quarto, cuja cama tem uma colcha superbacana do Homem Aranha. Aliás, o Homem Aranha, ;que sobe em todos os prédios; é o seu maior ídolo. E os brinquedos novos? São tantos que o quarto novo não coube todos. Alguns ainda estão guardados em caixas. O menino está feliz. Talvez como nunca esteve. Num passeio pela casa, vê-se uma estante novinha. Nela, uma televisão e um aparelho de DVD, onde ele assiste a filmes com seus heróis preferidos. ;Mas na hora da novela da minha mãe, a gente desliga o DVD;, o danadinho fuxica. Estamos na casa de Pedro (nome fictício ; ele poderia ter qualquer um), o menino do Itapoã que, há seis meses, comoveu Brasília. Ele morava num barraco miserável ; de chão batido e molhado pela chuva ; com a mulher que reinventou a vida ; a dele e a dela. Ela e Pedro passavam fome. E tudo em volta deles era improvável, até mesmo viver. Pedro tem Aids. Nasceu contaminado pela mãe, morta ainda muito menina, aos 18 anos. Antes de morrer, a adolescente partiu mundo afora. Entregou-o, ainda bebê, a uma mulher que mal conhecera. E lhe disse: ;Cuide dele, não tenho mais tempo;. No quarto novo, o menino de 6 anos guarda muitos brinquedos e sonha com os seus super-heróis Lá em Pilão Arcado, nos confins da Bahia, a mulher cuidou de Pedro como se filho fosse. Deixou os filhos adultos que parira, os netos e o trouxe (ele tinha 9 meses de vida), literalmente nos braços, agonizando dentro de um ônibus, até Brasília. Foram 120 dias internado no Hospital Regional da Asa Sul (Hras). Houve dias em que os médicos achavam que não havia mais o que fazer. Mas ele renascia. Deixou o hospital. Essa mulher salvou a vida de Pedro. O Correio contou, em outubro do ano passado, o drama do menino que vivia naquele lugar miserável. Remédio para combater o vírus não lhe faltava, mas havia dias em que não tinha o que comer. Mal alimentado, seu organismo era alvo de infecções repetidas. A mulher chorava. Procurou ajuda. Jurou, mais uma vez, que o menino não morreria. No mesmo dia em que a reportagem foi publicada, a vida de Pedro começou a mudar. Ajuda veio de todos os lugares do DF. De outros estados. Até de fora do país. Um mar de gente foi conhecer de perto aquele menino. Comida nunca mais faltou. A reportagem que comoveu o DF em 16 de outubro de 2008 Cumplicidade Uma gente anônima encheu aquele barraco de alimentos. Mais que isso: deu àquela mulher e àquele menininho a esperança de que tanto precisavam. Extasiado, Pedro perguntou à mãe: ;É verdade que a gente nunca mais vai passar fome?; Empapuçada em lágrima, ela, envelhecida precocemente pelo sofrimento, apenas o beijou. Ele entendeu.Os dois são cúmplices na dor e também na alegria. Pedro confia em Almira da Silva Oliveira, de 58 anos, a inacreditavelmente humana personagem desta história. Ela sobrevive com a pensão do marido morto, de um salário mínimo. As doações não pararam de chegar. A fraca bateria do velho celular de Almira não suportava tanta chamada. E a vida, aos poucos, foi ficando menos triste. Pedro ganhou a bicicleta para ;voar, como o Homem Aranha;, pelas ruas enlameadas da vermelha e infinita Itapoã. Vieram roupas e calçados novos. E alimento farto. Foi tanto que Almira doou pra gente que nada tinha. ;Até hoje, o telefone toca. Todo dia eu me pergunto: ;Será que tô sonhando, meu Deus?;. É muita bênção, uma felicidade sem fim;, ela agradece. Ainda no fim do ano passado, veio, finalmente, o que Pedro tanto desejava: a casa ;de verdade;. Uma gente se juntou. De tijolo em tijolo, as paredes foram erguidas. Cada dia, uma nova etapa. Chegaram as portas, as janelas, o teto. O muro e o portão.Depois, os móveis novos. A geladeira. O sofá. A estante da sala está enfeitada com porta-retratos de Pedro. O piso é de cimento bruto. As paredes ainda não ganharam mão de tinta. ;Tá ótimo desse jeitinho. Nunca mais molhou aqui dentro;, comemora Almira. Pedro intervém, cheio de felicidade: ;É a casa mais linda do mundo;. No fim da manhã de ontem, o menininho, que completará 7 anos em 11 de junho, se preparava para ir à escola. Ele faz a 1; série, num colégio do Paranoá. De mochila do Homem Aranha, lá se foi ele, louquinho pra se encontrar com os dois melhores amigos e tocar fogo no mundo. ;Eu gosto de estudar matemática e português;, ele jura, com cara de intelectual. E faz planos, quando crescer: ;Vou ser médico só pra ajudar as pessoas;. Almira espia a conversa e entrega, com os olhos novamente marejados: ;Tem dia que ele acorda e diz: ;Mãe, vou cuidar da senhora quando ficar bem velhinha;. Depois, ele me beija e me chama de ;minha Tiliquinha;. Ele tem uma vontade enorme de viver;. Ovos de Páscoa Pedro sabe ; aos poucos a mãe lhe ensinou ; que luta contra um vírus inimigo. ;Deus vai derrotar ele;, acredita o menino valente. E continua: ;É por isso que tenho que tomar remédio para ficar bem forte;. Almira conta as boas novas do último exame: ;A doutora (do Hospital Dia, na 508 Sul, onde ele faz tratamento e pega o coquetel todo mês) disse que a carga viral tá diminuindo. Ele reage bem aos medicamentos;. Pedro ri. Arregala os olhos com os saborosos ovos de Páscoa que vê na propaganda da televisão. ;Eu nunca comi um. Deve ser bem gostoso...; Na casa nova, Almira decorou a entrada com um vaso de flores de plástico vermelhas. Para segurar o jarro improvisado, dois tijolos. Naquele lugar, a gente entende a exata importância de uma flor de plástico na porta de uma casa humilde. ;É pra ficar mais enfeitadinha;, ela justifica. Chegou a hora de Pedro ir à escola. Vai feliz, serelepe todo. Antes de sair, ele me conta que reza. ;Rezo, sim, tio;, decreta. E prova o que diz: ;Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou...; Dizer mais o quê? Perguntar mais o quê? Um abraço talvez diga tudo. Tem história que não se pode apenas escrever. E preciso senti-la. Só assim, se entende a felicidade nos olhos daquele menino que, sem saber, já é herói. Mais até do que o Homem Aranha. Por uma vida Qualquer ajuda ainda é bem-vinda. Almira: 9662-0182