postado em 09/04/2009 08:24
Em meio a 90 mil caixas onde são guardados 1,4 milhão de processos, aos poucos revela-se a história do Poder Judiciário em Brasília. E com ele, a própria história da capital. A imensidão de papéis acaba por contar casos de furtos, roubos, assassinatos, partilha de bens e acidentes de trânsito. Alguns, de repercussão nacional, são considerados históricos, como o processo do homicídio da menina Ana Lídia Braga, aos 7 anos, em 1973, que nunca apontou um culpado. E do jornalista do Correio Braziliense, Mário Eugênio Rafael de Oliveira, assassinado em 1984 no exercício da profissão.
Uma iniciativa inédita do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) de modernizar seus arquivos vai tirar casos como esses das prateleiras empoeiradas do arquivo central da instituição. Mais do que isso, vai garantir a preservação do original de todos os processos considerados históricos. Os corriqueiros também serão preservados, mas de outra forma: terão as principais partes digitalizadas e arquivadas e os papéis serão picotados e doados a cooperativas de reciclagem.
A separação, a limpeza e a digitalização vêm ocorrendo há quatro anos. A primeira remessa vai ser eliminada dos arquivos do TJ na próxima quarta-feira. São 10 mil processos da 1ª Vara de Delitos de Trânsito de Brasília de 1970 a 2004. O material deve gerar seis toneladas de papel que serão doados à Central das Cooperativas dos Catadores de Materiais Recicláveis do DF (Centcoop/DF). Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Justiça publicou um edital convocando as partes envolvidas nos processos a serem inutilizados. Se elas quiserem, poderão tirar cópia dos textos.
O vice-presidente do TJ, desembargador Romão Cícero de Oliveira, salientou que a destruição seguiu regras da Lei Federal n º 8.159 de 9 de janeiro de 1991 e das Resoluções nº 008, de 31 de agosto de 2005, e nº 12, de 16 de dezembro de 2008, ambas do próprio tribunal. Antes de serem eliminadas, as peças jurídicas foram classificadas de acordo com a Tabela de Temporalidade de Documentos do TJDFT, elaborada por uma comissão de juizes e servidores especializados.
;Muitos desses processos apenas entulhavam os armários. A partir do momento em que são catalogados e separados, vamos guardar apenas os que têm valor histórico ou ainda são passíveis de alguma demanda. E mesmo os que serão eliminados terão as suas principais peças digitalizadas e arquivadas;, reforçou o desembargador. O material se transformará em renda para mais de 2 mil famílias beneficiadas pela cooperativa. Até 2010, a intenção é se livrar de 300 toneladas de papéis.
Primeira sentença
Entre as relíquias, descobriu-se a primeira sentença proferida em Brasília, nos idos de 8 de junho de 1960. Nas páginas hoje amareladas, a decisão foi datilografada. Ciente do seu papel para a história, o então juiz Joaquim de Souza Neto, da 1ª Vara Criminal, registrou na sentença a importância daquele ato (veja trechos na arte). O réu, ;um cearense, simples, humilde e sincero; nas palavras do juiz, fora acusado de ter furtado um ferro elétrico da loja de um comerciante da cidade. Acabou inocentado.
No entendimento do juiz, o homem ;%u2026foi vítima de uma maldade da vida, colhido por uma impiedosa aparência quando prestava um favor, vendendo o ferro a pedido de um conhecido que, ferido num pé, necessitava de dinheiro para comprar uma injeção. Agia com tanta bondade e inocência que ofereceu o ferro ao legítimo dono, na loja de onde fora subtraído;.
Há histórias menos dramáticas. E algumas que sempre suscitarão a curiosidade de alguma parcela da população. É o caso do inventário de partilha de bens do presidente Juscelino Kubitscheck. ;Não podemos admitir que, daqui a 100 anos, alguém chegue a Brasília e não possa consultar o processo do inventário do homem que construiu Brasília;, destacou o desembargador Romão Cícero. O inventário do general Golbery do Couto e Silva será preservado da mesma forma.
Um fato que abalou o Senado em 1963 também está lá. O processo do assassinato cometido pelo então senador Arnon Affonso de Farias Mello ; pai do senador e ex-presidente da República Fernando Collor de Melo. Ele sacou uma arma dentro do Plenário e atirou contra seu inimigo político, o senador Silvestre Péricles de Góes Monteiro. Acabou acertando o senador José Kairala.
Aos poucos, as principais peças dos processos históricos digitalizados estão sendo inseridas no site do Tribunal de Justiça. É só acessar www.tjdft.jus.br e seguir o roteiro: institucional/memória digital/história do TJDFT/processos históricos. Já estão incluídos a primeira sentença, o habeas corpus número 1 e o primeiro mandado de segurança.