Cidades

Análise - Um monte de Judas

;

postado em 12/04/2009 08:39
Tem coisa pior que ser Judas Iscariotes? Provavelmente, não. Você já conheceu alguém que se chama Judas, com nome de batismo, carteira de identidade e CPF? Nunquinha da silva. Mas eles existem. Andam aos bandos, estão à solta, do seu lado. Às vezes, você o vê todos os dias. A brincadeira da malhação do traidor acontece sempre no sábados de Aleluia. Típica das comunidades católicas e ortodoxas, chegou à América Latina trazida pelos espanhóis e portugueses, desde os primeiros séculos da colonização européia. Crianças correm atrás do boneco, geralmente gigante, forrado de serragem, trapos e papel. Batem nele como se gente fosse. Depois, numa verdadeira fúria, tocam fogo no traidor. Lentamente, ele agoniza e morre. Gritaria. Comemoração. Êxtase. Era uma vez Judas Iscariotes... Como se gente fosse, Judas geralmente é a personificação de um político corrupto (haja Iscariotes para se queimar em praça pública), algum técnico de futebol ou uma personalidade não muito bem-vinda pelo povo. Acreditando que o boneco é um dessas figurinhas, o povo entra em verdadeira catarse. É como se ali, batendo no traidor, todos os problemas da humanidade se resolvessem. Ontem, Taguatinga, Vila Planalto e Cruzeiro também queimaram seus Judas. Crianças correram, se divertiram. Enterraram o danado. A meninada ; e adultos também ; fez a festa. Do boneco, só cinzas e lembrança. A brincadeira, aparentemente despretensiosa, é repleta de significados. No sábado de Aleluia, estraçalhamos o traidor, sem piedade. Mas é hora de parar e repensar: quantos de nós, sem imaginarmos, somos também Judas? E não é preciso necessariamente trair Jesus de Nazaré. Às vezes, traímos a nós mesmos ; com atos, atitudes, comportamentos e pensamentos. Traímos o bom senso. O ouvido, os olhos. O fígado. Até o coração. Portanto, quando estivermos malhando Iscariotes, é bom sabermos que ali, também, representado naquele boneco horrendo feito de trapos, tem um pouco ou muito de cada um de nós. A humanidade nos faz, dia a dia, um monte de Judas.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação