A dificuldade para conseguir atendimento médico não é um problema exclusivo dos usuários do sistema público de saúde. Pais e mães que precisam recorrer aos serviços de pediatria de hospitais privados também têm de enfrentar horas de espera por uma consulta. Nos últimos cinco meses, duas importantes unidades de atendimento particular fecharam as portas das emergências pediátricas. Os hospitais que ainda mantêm o pronto-socorro especializado em atendimento infantil acabam superlotados. A baixa remuneração dos serviços pediátricos é apontada como a principal causa do problema. Diante das recorrentes reclamações, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios vai investigar o caos no setor. Hoje, há cerca de 1,3 mil pediatras em atuação na capital federal. Desses, pelo menos 440 médicos trabalham na rede privada. Mas o interesse da classe médica pela especialidade está cada vez menor. Os recém-formados preferem se especializar em outras áreas mais rentáveis e que exigem menos dedicação. Isso porque a maioria das consultas pediátricas não requer a realização de exames ou outros procedimentos ; uma fonte importante de rendimentos para os médicos. Na cardiologia ou na oftalmologia, por exemplo, nenhum paciente sai de um consultório particular sem fazer ao menos três exames. No caso da pediatria, as consultas são mais longas e não necessitam de um grande aparato tecnológico. Assim, os pediatras se tornaram os profissionais mais desvalorizados da classe. Para os hospitais, manter o serviço de atendimento infantil de emergência se tornou muito oneroso. No caso das consultas pagas por planos de saúde, por exemplo, o valor é totalmente repassado aos médicos. Como a maioria das crianças não necessita de outros procedimentos nem de exames, o hospital mantém a estrutura, mas não é remunerado. Diante disso, o Hospital Brasília, no Lago Sul, e o Prontonorte, na Asa Norte, fecharam as suas emergências pediátricas de novembro para cá. Outros grandes hospitais, como o Santa Helena, o Santa Lúcia e o Santa Luzia, tiveram de absorver a demanda e viram seus prontos-socorros lotarem. O presidente da Associação dos Médicos de Hospitais Privados do DF, Joaquim de Oliveira, explica que os baixos honorários são a causa dos problemas no atendimento da rede particular. ;Hoje, a alta tecnologia é muito mais valorizada do que o ato médico. Profissionais de especialidades que não têm nenhum procedimento agregado não conseguem se manter;, comenta Joaquim. Nas consultas por planos de saúde, o repasse para os médicos é de cerca de R$ 40. Com a realização de um teste de esforço ou eletrocardiograma, por exemplo, esse valor pode saltar para até R$ 200. Longa espera O fechamento de emergências pediátricas da rede privada incomoda pais e mães. O casal Roberto Morais Costa, 28 anos, e Nayra Simone Martins Morgado, 25, esteve ontem à tarde no Hospital Prontonorte, mas foi encaminhado para o Santa Helena, que fica ao lado e é do mesmo grupo. O representante de vendas e a professora levaram a filha Ana Beatriz Morgado Costa, 2 anos, para investigar uma possível pneumonia. Chegaram às 12h30 e só conseguiram sair depois das 16h. ;Pediatria é um dos serviços essenciais de um hospital. A gente que é adulto até aguenta. Mas eu não tenho coragem de medicar a minha filha sem saber o que é melhor para ela;, reclama. O pronto-socorro infantil do Prontonorte fechou em novembro passado. No Hospital Brasília, os serviços foram encerrados em dezembro de 2008. Mas a dona de casa Daniela Prado, 36 anos, não sabia do fechamento da emergência e, ontem à tarde, procurou a unidade para tratar a dor na barriga do filho Antônio Prado, 6. ;Vou ter que procurar outro hospital;, resignou-se Daniela. ;Isso é ruim porque, em casos de emergência, a gente precisa ser atendido perto de casa;, lamenta. A Assessoria de Imprensa do Prontonorte informou que a emergência pediátrica da unidade foi fechada por uma decisão estratégica. Como o Hospital Santa Helena fica ao lado e tem uma melhor estrutura, o grupo ; que é dono das duas unidades e também do Santa Lúcia ; resolveu centralizar os atendimentos infantis de urgência no Santa Helena. Lá, cartazes explicam que a unidade é uma das únicas a oferecer o serviço de emergência pediátrica na cidade e pedem desculpas aos pacientes por possíveis transtornos. O diretor-técnico do Hospital Brasília, Renato Cury, também nega que a decisão de fechar a emergência tenha relação com a baixa remuneração dos serviços. ;Fechamos por causa do nosso foco estratégico, que é investir em procedimentos de alta complexidade. Nosso centro de terapia intensiva, a oncologia e a hematologia pediátrica são referência na cidade;, afirma. Valores mais altos A Associação dos Médicos de Hospitais Privados negocia com planos de saúde a possibilidade de fixar valores mais altos para consultas de determinadas especialidades, como pediatria, psiquiatria, pneumologia ou endocrinologia ; exatamente aquelas que não envolvem procedimentos agregados e se resumem ao encontro do médico com o paciente. O diretor-superintendente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, Roberto Fontenele, reconhece o problema, mas destaca as dificuldades em fixar valores diferenciados entre as diversas especialidades. ;No caso da pediatria, há uma escassez de profissionais no mercado, é uma especialidade praticamente em extinção. Estamos negociando possíveis mudanças na remuneração, mas é uma discussão complexa porque certamente cardiologistas e oftalmologistas, por exemplo, reclamariam da diferenciação entre as especialidades;, destaca. Leia análise da notícia na edição impressa