postado em 15/04/2009 08:31
Após a barragem do Lago Paranoá, o sossego é garantido pelo difícil acesso, mata fechada e água que corre das minas. O Rio Paranoá, ladeando algumas casas, completa o cenário. No Núcleo Rural do Boqueirão, onde se chega por estrada de terra, 10 famílias vivem a seis metros da margem do rio. Muitas delas, há décadas. A maioria já se habituou a ficar apreensiva em períodos de chuva forte. Com a cheia do rio e, principalmente, quando as comportas da barragem são abertas, o nível da água sobe tanto que chega a encobrir a estrada que separa as casas do curso d;água. A comunidade já sabe: com chuva e comportas abertas as margens estão proibidas.
;Às vezes tenho medo. Uma vez, quando abriram as comportas, a água chegou até o portão. Dava para nadar de uma casa a outra. A gente só toma cuidado para não deixar as crianças perto do rio quando está cheio. Viver sempre assim não é bom, mas não tem outro jeito;, disse a dona de casa Waldicléia Marques Braga, 19 anos, que vive há 17 no Boqueirão.
Ela reside em uma casa a 200 metros do rio, em uma parte de terreno elevado e, portanto, mais seguro. A mãe dela e os dois irmãos, porém, continuam na antiga residência, de frente para o rio. Há alguns anos, os seis metros que separam as águas das casas eram 10. A chuva e a cheia das águas provocaram desabamentos de terra. ;Uma vez, pesquei um peixe sem sair de casa porque a água chegou até o portão. Os bombeiros vêm nos avisar quando vão abrir as comportas e pedem para que a gente fique longe;, afirmou um do irmãos de Waldicléia, o desempregado Genderlúcio Marques Braga, 22. A última abertura ocorreu em fevereiro do ano passado.
Iminência
A Companhia Energética de Brasília (CEB) não tinha previsão de abrir as comportadas da barragem em abril, mas o procedimento que evita que a estrutura se danifique com a pressão da água pode estar prestes a ocorrer. O limite para operar a usina com segurança, de 1000,80 metros cúbicos de água com relação ao nível do mar, está próximo. Na tarde de ontem, a régua indicava 1000,78 metros cúbicos.
Caso o tempo permaneça estável, o nível do lago cai até 2 centímetros por dia, já que, como a usina está operando próxima ao limite, 30 mil litros de água são liberados por segundo. Mas uma chuva forte, de 22 milímetros, por exemplo, seria suficiente para que o nível máximo do lago fosse atingido. Na madrugada de segunda-feira, em seis horas choveram 98,1mm. Para hoje, o acúmulo de água estimado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é de 5 a 10 mm. À noite, esse valor pode aumentar para até 30mm nas regiões sul, oeste e sudeste do DF, em função de uma frente fria que se anuncia.
Até por isso, o diretor de geração da CEB, Hamilton Carlos Naves, reforça o alerta aos ribeirinhos. ;As pessoas vêm pescar e nadar nos arredores da barragem sabendo que é proibido. Quando abrimos as comportas, a vazão é forte e grande;, alerta Hamilton.
O procedimento é feito gradualmente para que uma grande quantidade de água não seja lançada de vez no meio ambiente. ;São três comportas. Cada uma é aberta de cada vez e o vão tem de 10 a 30cm. Com elas abertas, o nível do rio pode subir de 30 a 50cm, já que o dobro de água que normalmente sai é lançado. Mas não é devastador;, garantiu Hamilton Naves.
Duas horas antes de as comportas serem abertas, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros atuam em terra e ar para avisar moradores e visitantes para que se afastem. Uma sirene de longo alcance é acionada. ;Após o o.k. deles é que começamos o procedimento;, concluiu Hamilton.
Tranquilidade
Para as famílias que vivem na região, a riqueza do rio e a paz são superiores aos momentos de tensão. A dona de casa Lucilene Salgado Braga, 26, mora com o pai, o irmão, a cunhada e os filhos, Lorena, 4, e Leonardo 11, há 10 anos no Boqueirão. ;No ano passado, os bombeiros pediram para a gente sair. Tive medo por causa do meus filhos e passei dois dias fora, mas a água não chegou até a casa e não estragou nada. Não quero mais sair daqui. Amo este lugar;, contou Lucilene.
Morador da região, numa área a 500 metros do rio, o comerciante Luiz Armando dos Santos, 39, lembra das vezes em que foi alertado para se afastar da margem. ;Sempre nado ou pesco no rio. Quando os bombeiros vêm nos avisar, temos que sair rápido porque a água desce violenta;, contou. A Defesa Civil alerta que, em épocas de chuvas, a população deve evitar a área da barragem.