postado em 17/04/2009 08:30
Humberto de Castro trabalha há seis meses como jardineiro numa casa do Lago Sul. Um dia resolveu desafiar o patrão:
; Fiz um negócio diferente na sua cerca. É só um esboço.
Desesperado, o chefe botou as mãos na cabeça e indagou:
; Meu Deus, o que você fez?
E partiu para conferir o estrago. Ao observar o desenho de um tabuleiro de xadrez encravado no meio das folhagens junto com outro, do Congresso, foi taxativo:
; Pode fazer o que quiser. Você é um artista.
A empolgação foi tanta que o patrão até comprou uma máquina de cortar grama. Habilidoso com as mãos, Castro preferiu as velhas e guerreiras tesouronas.
; Quando comecei, nem sabia o que era tesoura direito.
Hoje, quem passa pela pista da QI 11 do Lago Sul, logo após o Pontão, nota um painel natural ao ar livre expresso numa cerca enorme. São imagens, desenhos talhados entre as folhas, representando o Congresso Nacional, a Ponte JK e uma baiana com uma gamela na cabeça, ao lado de um gênio que acabou de sair de uma lâmpada mágica.
; A mulher representa o povo nordestino, os retirantes, as pessoas mais pobres. Quem sustenta esta cidade são as pessoas mais pobres.
Mas e o gênio da lâmpada?!
; Sei lá, as pessoas tiram a conclusão que quiserem. Cada um tem uma percepção, desvencilha-se o artista, que até o aniversário da cidade pretende fazer no grande mural de folhas a Catedral e as colunas do Palácio do Alvorada adornado com uma mensagem.
; Não se trata de homenagem a Brasília. Gosto da cidade, mas faço isso para chamar a atenção da mídia para o meu trabalho. Estou em busca de oportunidade. Costumo dizer que não sou um artista, mas um ladrão de atenções, esclarece.
E rouba a atenção mesmo. Outro dia, ele conta, dois carros quase se chocavam em frente ao painel em que anda trabalhando.
; Ninguém espera encontrar figuras numa cerca, né?
Mas o elogio mais gratificante, o artista continua, foi de uma senhora que passava pela calçada.
; Ela disse: ;Ei, menino! Você alegra o meu dia, sabia?! Todos os dias eu pego um ônibus fedido, chego no trabalho e a patroa ainda me torra a paciência. Mas quando passo por aqui e olho essas coisas, fico alegre;. Nunca vou esquecer essas palavras de uma pessoa simples.
Filme inspirador
A inspiração para a elaborada jardinagem não poderia ser mais simbólica. E óbvia: Edward mãos de tesoura, o sombrio filme de Tim Burton, protagonizado pelo astro rebelde Johnny Depp. O negócio é que Humberto leva jeito para a coisa. Sem as mãos de tesouras, claro.
; Quando vi o filme eu tinha uns 13 anos, lembro que chorei muito. É uma história triste porque ninguém dava nada por ele e ele fazia todas aquelas coisas bonitas. Me vi ali.Quando bati o olho no personagem, disse comigo mesmo: ;Eu também sei fazer;. Mas, como não tinha como desenvolver onde eu morava, fazia desenhos no chão.
Pernambucano de Arcoverde, a 200km de Recife, desde os 13 anos Castro acalenta o sonho de ser ator. O desejo também foi incentivado pelo filme Edward mãos de tesoura. O dom artístico que carrega consigo lhe dá régua e compasso para se arriscar em outras áreas, como pintura, desenho, escultura e até teatro, para o qual já escreveu alguns textos. Hoje com 27 anos, ele esbanja talento e confiança no que faz, transitando por todas essas áreas com criatividade e uma memória fotográfica impressionante.
; É coisa de doido, mesmo, não sei explicar. Olho para uma nuvem, por exemplo, e de repente visualizo coisas, um jacaré, qualquer coisa.
; Improviso esculturas com qualquer tipo de material, o que encontrar pela frente. Quando tenho uma ideia, trabalho a noite inteira, nem durmo. Acho que gosto é do desafio, destaca, exibindo um centauro e uma família de retirantes feitos com restos de arame.