Cadê meu bem? Meu bem;;. Essas foram as únicas palavras que a estudante de enfermagem Dinalva Plínio, 39 anos, conseguiu balbuciar ao descer do carro no estacionamento da 2; DP (Asa Norte). Ela procurava o marido, o contador Edvaldo Plínio dos Santos, 45. Não conseguiu mais caminhar e caiu nos braços dele. Entrou na delegacia carregada. Assim chegou ao fim um sequestro iniciado na terça-feira, que, para a polícia, segue repleto de mistérios e lacunas. Dinalva ficou pelo menos 55 horas em poder dos bandidos. Conseguiu fugir aproveitando-se da distração de um deles. ;Eu me joguei de um barranco. Não olhei para trás. Só corri. Se eles vieram atrás de mim ou se atiraram, não sei, não ouvi nada;, relatou com voz trêmula. A fuga durou a madrugada inteira. Ela correu no escuro sem saber para onde ia. E continuou fugindo quando o dia clareou. Por volta das 10h, finalmente encontrou uma casa onde pediu socorro. Estrada de terra Ela foi resgatada pelos agentes da 2; DP na fazenda São João, no município de Jaraguá (GO), a 180km de Brasília. No caminho com ela depois do sequestro, os bandidos passaram por Brazlândia e Santo Antônio do Descoberto (GO). Em determinado momento, pegaram uma estrada de terra. A caminhonete era seguida por um Gol. Depois, foram para a região de Jaraguá. Ao ser resgatada pela Polícia Civil do DF, a estudante usava a mesma camiseta branca e calça jeans do dia em que desapareceu ;por volta das 17h de terça. Os cabelos estavam despenteados e a roupa, suja de lama. Ontem mesmo, ela prestou depoimento. O relato é confuso e não reconstitui com precisão todos os passos dos criminosos do momento do sequestro até a fuga. A violência sofrida é evidente nas declarações ao delegado e no corpo. Parte do tempo em que ficou em poder dos bandidos, ela teve braços amarrados com cadarços. As marcas ficaram nos pulsos. Ela também teria sido agredida com coronhadas na cabeça e os braços machucados com pequenos cortes feitos com faca. Fora do padrão A polícia ainda não tem como detalhar o que aconteceu de terça até a madrugada de ontem. ;Não sabemos o que eles ficaram fazendo nesse tempo e onde exatamente se esconderam;, citou o delegado-chefe da 2; DP, Antônio Romeiro. O que mais intriga a polícia são as circunstâncias. Fontes ouvidas pelo Correio explicaram que em crimes de sequestro com restrição de liberdade da vítima ; popularmente conhecido com sequestro relâmpago ; os bandidos não permitem que a vítima vá ao caixa eletrônico para sacar o dinheiro. Eles mesmos, de posse do cartão e da senha, retiram o valor desejado. Outro fato considerado fora do normal é que os bandidos não pediram resgate e, mesmo assim, mantiveram a estudante com eles por tanto tempo. Em crimes de roubo de veículo em que o dono é levado junto, geralmente os criminosos matam a vítima e continuam a fuga. A polícia não entende por que o grupo permaneceu na região por tanto tempo e por que abandonaram o veículo, uma Nissan Frontier (JGI 4463-DF) localizada ontem, também na área de Jaraguá, com a chave na ignição. Para o delegado Romeiro, qualquer afirmação nesse momento é especulação. Por enquanto, o caso é tratado como sequestro com restrição de liberdade da vítima. ;Ela está muito nervosa e confusa. Vamos ouvi-la novamente para descobrir o que aconteceu durante o tempo em que esteve com os bandidos. O carro será periciado e ela fará exame de corpo de delito;, explicou. Aliviado, o marido Edvaldo comentou o que sentiu no momento em que recebeu a ligação da mulher. ;A angústia foi embora. Comecei a tremer, fiquei gelado, mas a emoção maior foi vê-la aqui, sã e salva;, disse. A estudante saiu da delegacia direto para casa, onde, segundo o marido, um médico a examinaria.
Ouça entrevista: entrevistas com o delegado Antônio Romeiro, com Dinalva Plínio e com o marido dela, Edvaldo
Lula aprova pena maior O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem, sem vetos, lei aprovada pelo Congresso que torna crime o sequestro relâmpago. Em caso de sequestro seguido de morte, a pena será de até 30 anos, mesmo status de crime hediondo. O projeto, que tramitou no Congresso durante cinco anos, prevê ainda que o crime de sequestro com lesão corporal grave poderá ser punido com até 24 anos de prisão e o sequestro relâmpago na forma mais branda poderá levar à prisão de 6 a 12 anos. Até agora, apesar dos traumas causados às vítimas, dos danos econômicos e do grave potencial ofensivo, o sequestro relâmpago era enquadrado como extorsão de dinheiro ou com outras tipificações brandas previstas no Código Penal. ;Finalmente o projeto foi sancionado e, com isso, será possível coibir esse tipo de crime, que virou uma verdadeira epidemia em todo o país;, disse o senador Demostenes Torres (DEM-GO), relator da primeira versão do projeto, de 2004. O relator do projeto na Câmara, o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), também comemorou a aprovação, reiterando que ;acaba com a dúvida do enquadramento, já que a nova redação é clara na definição do crime;. De acordo com Itagiba, o sequestro relâmpago ficará agora inserido dentro do crime de extorsão (artigo 158 do Código Penal), mas também tipificado como ;extorsão mediante a restrição da liberdade da vítima;. Pelo projeto, sequestro relâmpago é ;o ato de privação da liberdade com fins de vantagem econômica;. Cronologia TERÇA-FEIRA (14) # 17h15 Dinalva Floriana da Silva deixa a faculdade Unieuro, na 916 Norte, rumo a Sobradinho. Ao parar no cruzamento com a Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA), na altura do Atacadão, um homem entra na caminhonete. Armado, anuncia o roubo. Um Gol de cor clara passa a segui-los rumo ao Sudoeste e, depois, a Taguatinga. # 18h Imagens obtidas pela polícia mostram a estudante fazendo saque em agência do Banco do Brasil em Taguatinga. Bandidos deixam um celular com ela e, durante o tempo em que Dinalva fez o saque, eles ameaçam de morte parentes dela. NOITE DE TERÇA E MADRUGADA DE QUARTA # Bandidos obrigam Dinalva a dirigir até Brazlândia. Depois, passam por Santo Antônio do Descoberto (GO) e pegam uma estrada de terra. QUINTA-FEIRA (16) # Dinalva e os bandidos ficam no meio do mato até a madrugada de sexta. SEXTA-FEIRA (17) # Durante a madrugada, a estudante aproveita distração de um sequestrador e se joga de barranco. Anda quase 6km e, por volta das 10h, acha ajuda. A polícia é acionada.