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Mãe que perdeu a filha de 5 anos em queda de avião em Goiânia relembra o drama

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Goiânia ; As feridas abertas pela tragédia de 37 dias atrás ainda estão estampadas no olhar de Érika Corrêa Santos, 23 anos. Mas a jovem revela força incomum para quem teve a vida destroçada sem direito a defesa. Em entrevista ao Correio, demonstrou calma e sorriu em vários momentos. Algumas vezes, porém, a lembrança do pesadelo interrompia a conversa. Érika apertava as mãos repousadas sobre as pernas, fechava os olhos e chorava. ;Na hora em que eu penso nisso, sinto raiva dele. Não sei nem te dizer a palavra. É algo muito ruim dentro do meu coração.; A mulher faz referência ao marido, Kléber Barbosa da Silva. Em 12 de março, o desempregado de 25 anos a agrediu e sequestrou a filha de 5 anos, Penélope Barbosa. Depois, roubou um avião monomotor em Luziânia (GO) e o lançou contra o estacionamento do Shopping Flamboyant, o maior centro de compras de Goiânia. Ele e a menina morreram na hora. ;Eu não o perdoaria;, afirmou a evangélica, que se apoia na religião para amenizar a perda. ;Ela era o meu bem maior. Mas não desejo mal a ele, onde ele estiver.; Érika recebeu a reportagem na última sexta-feira no escritório do advogado Alexandre Carlos Magno Pimentel, na capital goiana. Durante 33 minutos, falou sobre a vida em família, a depressão de Kléber e como soube da tragédia, quando ainda se recuperava da agressão em um hospital de Goiânia. A jovem mora hoje com a irmã, a cabeleireira Elaine dos Santos, e costuma sair de casa acompanhada de parentes. Mas se incomoda com a fama indesejada, já que é reconhecida com frequencia nas ruas da cidade. ;Não sou a mulher do avião. Meu nome é Érika Corrêa Santos.; Confira os principais trechos: ROTINA Tem sido muito difícil porque minha filha me faz muita falta. Por mais que o Kléber tenha feito tudo o que fez, era algo que eu não esperava. Mas tem vezes que me pego até sentindo falta dele, entende? Algo que às vezes a gente até reluta em sentir. Tenho procurado sair. Se ficar em casa, as lembranças vêm com mais força. Saio com minha família. Vou à igreja, fui ao shopping (Flamboyant), onde aconteceu tudo, num culto de agradecimento ao fato de a tragédia não ter sido maior. PROJETOS Não retomei nada da minha vida. Quero voltar ao curso de cabeleireiro, mas trabalhar em outra coisa antes. Porque aí posso trabalhar e fazer o curso à noite. Acho que vai ser até bom para mim porque só vou estar em casa para dormir. Já quero trabalhar desde agora, por esses dias, não quero esperar passar mais tempo. Se eu ficar em casa, vai ser pior. LAR DESFEITO O apartamento onde a gente morava era alugado. Logo que aconteceu (a tragédia), na semana seguinte, meus familiares buscaram algumas coisas. Duas semanas depois do ocorrido, a gente terminou de buscar tudo e eu entreguei o apartamento. Estou morando com a minha irmã. LEMBRANÇAS Eu tirei as coisas dela das caixas (Érika encaixotou os objetos da filha após a tragédia) e organizei em uma parte do meu guarda-roupa. Sofri muito ao mexer de novo. Ficar vendo é pior. Eu quero ter a lembrança boa, da criança feliz que ela era. As coisas do Kléber também estão guardadas. Não guardei pensando no que ele me fez, mas no marido que eu tinha antes. KLÉBER O Kléber era uma pessoa fechada. Não era de muitos amigos. Quando a gente começou a namorar, minha sogra falou que ele tinha depressão. E eu via que ele era um pouco carente, mas isso fez a gente ficar cada vez mais juntos. Às vezes, ele falava que a vida já não tinha muito sentido. Eu dizia a ele que não era assim. Ele nunca procurou tratamento. E acho que não aceitaria um tratamento com psicólogo. MARIDO FRUSTRADO Quando eu o conheci, ele tinha sonhos bem menores. A mãe dele, quando esteve fora, fez o que pôde e que não pôde para a gente (desempregado, Kléber mantinha-se com o dinheiro enviado de Barcelona, na Espanha, onde vivia a mãe). Com o tempo, ele foi querendo viagens, carros, essas coisas. Aí, ele falava que já tinha tudo: que me tinha, que tinha a mãe dele, mas que faltavam os momentos que o dinheiro podia proporcionar. Eu falava que a gente podia trabalhar e conseguir muitas outras coisas. Ele me deixou fazer o curso (de cabeleireiro). A gente foi até olhar um curso para ele também, de segurança. MOMENTOS FELIZES O Kléber tentava retribuir o amor que Penélope dava a ele. Ela era muito carinhosa. Tinha dias em que estava fazendo o almoço ou a janta e ela estava abraçada com ele. A gente saía muito. Antes de eu fazer o curso de cabeleireiro, a gente ficava, os três, 24 horas juntos. Quando comecei a fazer o curso e ela começou a estudar, nossa rotina mudou. Mas a gente ainda fazia muita coisa. O Kléber gostava de sair. RAIVA Minhas lembranças, graças a Deus, são das coisas boas que vivi durante os quase 7 anos que tive com o Kléber. Mas tem hora que, pela forma como minha filha se foi %u2026 Ela morreu de politraumatismo. Eu saber como ela ficou me dói muito. Na hora que eu penso nisso, eu sinto raiva dele. Não sei nem te dizer a palavra. É algo muito ruim dentro do meu coração. Mas não é sempre que lembro dele assim. É na hora que eu lembro a forma como ela foi. Eu não aceito isso. Só Deus podia ter me tirado ela. Ele, não. PERDÃO Eu não o perdoaria. Ela era o meu bem maior. Mas não desejo mal a ele, onde ele estiver. Eu acredito que a gente não vive só aqui. Muitas vezes, eu ouço as pessoas falando: ;Ele está queimando nos quintos dos infernos;. Eu não desejo isso para ele. Mas não desejo para ninguém o que estou passando. MOTIVOS DELE Acho que tem muito a ver com o estupro. Porque é outra coisa pela qual eu jamais o aceitaria do meu lado. Não haveria mais relacionamento e ele era ciente disso. Eu confiava plenamente no Kléber, com os olhos fechados. Mas, por causa disso, eu não conseguiria mais viver com ele em harmonia. Eu não merecia. Acho que o estupro foi um fator muito forte, que pode tê-lo levado a isso. Mas foi uma mistura de tudo. Acho que ele me amou. Pode ter me amado de uma maneira errada, mas amou. Leia mais na edição impressa deste domingo (19/4) do Correio Braziliense