postado em 19/04/2009 08:26
O álbum de fotografias do estudante Wesley José Alves de Almeida narra o nascimento, a infância e o fim da adolescência. A cada página, a imagem escolhida corresponde, por idade, a uma data importante. O aniversário do primeiro ano, a brincadeira com o primo aos dois, o banho de piscina aos três e assim por diante. A mãe dele, a cabeleireira Idelma Soares, 43, passa o dia a olhar as fotos do jovem nascido e crescido no Gama. Mas a mulher logo para no sorriso do filho aos 19 anos. O mais velho perdeu a vida para a guerra do tráfico de drogas no Setor Sul antes de completar os 21. E o álbum ficou interrompido.
A morte de Wesley faz parte de uma estatística assustadora da realidade brasiliense. Mais da metade dos assassinatos registrados no Distrito Federal no ano passado encontram explicação no tráfico e no uso de entorpecentes. Análise da Secretaria de Segurança Pública do DF revela que a relação de homicídios com as mais diversas substâncias ilegais ganha a cada semestre uma fatia maior nas motivações dos crimes contra a vida. O crack, substância derivada da cocaína e de alto poder de destruição, aparece como um dos vilões para o crescimento.
As delegacias de polícia de Brasília registraram 651 assassinatos em 2008 ; houve 567 casos no ano anterior. Por trás de boa parte desses crimes, histórias de assassinatos em que as drogas aparecem como elemento principal do crime ou como combustível para encorajar a intenção de tirar a vida do outro. ;No último ano, em torno de 65% das pessoas que morreram no Distrito Federal tinham algum tipo de envolvimento com o crime (tráfico de drogas) ou com problemas relacionados a drogas;, afirmou o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Valmir Lemos.
Os demais motivos levantados pelo órgão passam por vingança, paixão, gangue, acerto de contas e alvo errado. Wesley de Almeida reúne dois deles: engano e tráfico. O jovem teve a vida interrompida em 19 de agosto de 2008. Morreu em meio à disputa de duas quadras do Setor Sul pelo comando do tráfico na região. Mas, segundo os familiares, acabou confundido com um rapaz jurado.
de morte pelo grupo rival. ;Ele estudava e trabalhava. Foi criado dentro de casa. Mesmo assim, acabou vítima de traficantes por ter sido confundido;, afirmou a cabeleireira Idelma, mãe de outros três garotos.
O crime ocorreu às 13h15. O estudante levou um tiro perto de casa, depois de acompanhar alguns amigos até uma parada de ônibus e visitar a namorada. Além dele, pelo menos dois jovens morreram assassinados na disputa pelas bocas do Setor Sul. Outros vários tiveram ferimento à bala. Os casos são investigados pela 20ª Delegacia de Polícia, no Gama. E reforçam a violência imposta pelos traficantes na região. Os investigadores prenderam um dos suspeitos de ser o cabeça de um dos grupos. Mas ele está solto nas ruas mais uma vez.
Menos de um ano após o assassinato do filho, Idelma convive diariamente com a dor da perda. Mantém na parede do primeiro cômodo da casa um pôster e outras seis imagens do primogênito. Existe ainda uma espécie de altar, onde há porta-retratos com mais fotos do jovem. A cabeleireira também perdeu a clientela no salão que mantém no lote em que mora. As antigas clientes disseram que tudo ali faz lembrar o rapaz. O quarto dele também continua intocado. ;A nossa ideia é mudar daqui assim que possível. É muita lembrança;, reconheceu Idelma.
Apreensões
Análise realizada pela Polícia Civil do DF a partir das 309 ocorrências de homicídios registradas no primeiro semestre do ano colocou o Gama na sexta colocação das cidades onde mais ocorrem assassinatos. Ceilândia, Samambaia, Planaltina, Santa Maria e Recanto das Emas aparecem nas cinco primeiras posições. Brasília está na sétima, mas pode ter avançado por conta da presença do crack no Plano Piloto. As apreensões da droga na capital do país cresceram 455% em 2008 em relação a 2007. Aumentaram de 562g em 2007 para 3,122kg nos primeiros nove meses do ano passado.
Os roubos e, agora, os assassinatos surgem na esteira do consumo da pedra. Dois jovens moradores de Brasília foram executados no Plano Piloto por dívidas com traficantes de crack no ano passado. A primeira morte por acerto de contas envolveu um morador da Asa Norte. O rapaz de 25 anos sofreu torturas antes de ser executado com cinco tiros, em 10 de julho. O segundo caso ocorreu na maior região de tráfico e uso da mais nova droga presente no DF. Uma jovem de 18 anos morreu assassinada a pedradas em um terreno baldio do Setor Bancário Norte na madrugada de 4 de novembro.
Em dezembro do ano passado, o Correio publicou série de reportagens em que denunciou a área central de Brasília tomada pelo crack. Também revelou que o avanço é tanto que tomou o lugar da merla, substância ilícita criada em Ceilândia no fim dos anos 1980 e também produzida a partir da pasta-base de cocaína. Investigações abertas na 5ª DP (centro de Brasília) confirmam que o entorpecente tem relação direta com o aumento da criminalidade. Além das mortes, são comuns furtos e roubos praticados para se manter o vício.
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