postado em 06/05/2009 08:10
As bactérias têm driblado os antibióticos convencionais e, assim, desafiado cientistas a criar fórmulas capazes de contê-las. Uma equipe da Universidade Católica de BrasÃlia (UCB) trabalha em parceria com instituições de ensino de paÃses como Cuba, Austrália, Japão e Estados Unidos para desenvolver novos medicamentos à base de proteÃnas extraÃdas de flores. Espécies que enfeitam os jardins estão servindo de matéria-prima para o combate a infecções.
As flores viraram um dos focos do trabalho porque os pesquisadores desconfiaram que as proteÃnas ali encontradas pudessem ser mais eficientes, justamente por servirem de defesa do sistema reprodutor das plantas. A suspeita se confirmou. De 18 espécies analisadas inicialmente, algumas nativas do cerrado, se destacaram a maria-sem-vergonha (Catharanthus roseus), o hibisco (Hibiscus rosa-sinensis) e a pata-de-vaca (Bauhinia forticata).
Elas se mostraram eficazes, em laboratório, no ataque a bactérias já resistentes a antibióticos convencionais. As flores são trituradas em liquidificador e, depois, colocadas em contato com os micro-organismos. A observação permite aos cientistas concluir que proteÃnas presentes nessas flores inibem o avanço de pelo menos dois grupos de bactérias: a klebsiella, que provoca infecção pulmonar, e a E.coli, responsável por infecções intestinais.
Os pesquisadores perceberam que as proteÃnas dessas três espécies matam mais bactérias e em menor concentração, se comparadas a antibióticos convencionais. As plantas são bem conhecidas e encontradas com facilidade, fator que pode ajudar na hora de comercializar o produto final. Os cientistas estimam que o preço dos antibióticos a partir das flores venha a custar um décimo do valor dos que estão no mercado. Hoje, uma caixa com 12 comprimidos sai, em média, por R$ 100.
Paciência
A batalha contra os micro-organismos, no entanto, exige paciência. As pesquisas começaram há três anos e ainda devem se arrastar por um bom tempo. Os cientistas precisam descobrir exatamente quais proteÃnas das flores têm o poder de enfrentar as bactérias. O grupo ainda testará a fórmula em ratos, cachorros e macacos, antes de comprovar a eficiência em humanos. A previsão é que sejam necessários no mÃnimo mais quatro anos para conseguir a patente, o que impedirá a cópia da ideia.
Depois de superar as burocracias da patente, os pesquisadores terão de convencer o mercado da importância de contar com novos antibióticos. Os laboratórios das universidades não têm condições de produzir e distribuir os futuros medicamentos. ;Não é apenas necessário, é imprescindÃvel termos novos compostos capazes de frear as bactérias;, comenta o coordenador das pesquisas e do Centro de Análises Proteômicas e BioquÃmica da UCB, Octávio Luiz Franco, 32 anos.
As bactérias super-resistentes são um problema sério e mundial, destaca Franco. O caso da modelo capixaba Mariana Bridi Costa, de 20 anos, que morreu em janeiro deste ano ao sofrer uma infecção urinária provocada por um bactéria ilustra o que, na avaliação do professor, é uma tendência. ;Casos como o dela acontecem todos os dias no mundo inteiro. Mas, para as empresas, produzir mais viagra dá mais dinheiro;, diz o pesquisador, ao alertar para a possibilidade de contaminações em larga escala.
Batalha desigual
O professor Franco deixa claro que, apesar dos avanços da ciência, a batalha entre os cientistas e as bactérias ainda é desigual. A descoberta de novos medicamentos precisa, então, ser permanente. ;Quanto mais descobrimos coisas novas, mais elas (as bactérias) aprendem a criar resistência. Se não fosse a tecnologia, estarÃamos perdidos;, afirma. ;A ideia dos novos antibióticos é encontrar uma maneira de controlar o máximo possÃvel esse avanço;, completou.
As pesquisas do grupo, ligado ao curso de pós-graduação em ciências genômicas e biotecnologia da UCB, exigem um investimento de cerca de R$ 1 milhão por ano em equipamentos e mão de obra. O dinheiro sai da própria universidade, do Conselho Nacional de Desenvolvimento CientÃfico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de NÃvel Superior (Capes) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal e de Minas Gerais.
A equipe coordenada por Franco é formada por 40 pessoas e é a única no Brasil a trabalhar com flores para se chegar a antibióticos. As proteÃnas das flores também são testadas para combater fungos. Em 2006, o grupo patenteou a fórmula de um antibiótico à base de proteÃnas extraÃdas de sementes de goiaba e maracujá. O medicamento ainda não ganhou o mercado porque as empresas interessadas não começaram a investir nele. Culpam a crise econômica.
» Ãudio: ouça entrevista com Octávio Luiz Franco, coordenador das pesquisas e do Centro de Análises Proteômicas e BioquÃmica da UCB