postado em 07/05/2009 08:01
A primeira fraqueza nos braços não chamou a atenção da servidora pública Daniele Campos Mendonça, 33 anos. A dormência no corpo também não a assustou. Um desequilÃbrio nas pernas levou Daniele ao consultório médico e ao diagnóstico inevitável: esclerose múltipla. Cinco anos depois da notÃcia, a funcionária do Superior Tribunal Militar (STM) exibe o barrigão de oito meses e um sorriso constante. Ela aprendeu a lidar com a doença e levou o primeiro lugar no concurso de literatura do STM com uma redação sobre sua história de superação. Grávida do pequeno Felipe, Daniele é a prova de que é possÃvel realizar sonhos e ter uma vida normal mesmo com a esclerose.
Daniele sentiu os primeiros sintomas da doença há cinco anos, durante uma viagem de férias com as amigas. Ela sentiu fraqueza nas pernas, mas imaginou que fosse um problema causado pelo uso de salto alto. Calçou um tênis e saiu com as colegas, mas não conseguia se manter equilibrada. Preocupada, voltou para BrasÃlia e procurou um ortopedista. O médico a encaminhou para um neurologista e ela passou pela primeira das muitas baterias de exames que viria a fazer. Dois dias depois, o médico a alertou: a doença era grave e não havia cura. ;Eu achava que esclerose era doença de velho e louco. Foi difÃcil aceitar e entender o que eu fiz para ter a doença. Mas minha mãe dizia que Deus tem um plano para todo mundo.;
Mesmo depois de iniciar o tratamento, Daniele passou por dois surtos no meio do expediente ; ficou com as pernas fracas e a visão embaçada. A servidora pública se afastou do trabalho por nove meses para se concentrar no tratamento. Passou dois meses internada no hospital com atrofia de um músculo da perna direita e perdeu quase 20kg. Em alguns perÃodos, não falava e tinha dificuldade em reconhecer as pessoas.
A esclerose múltipla não tem cura. No entanto, muitos pacientes conseguem levar uma vida normal com o tratamento adequado. A doença tem maior incidência em pessoas dos 15 aos 45 anos geneticamente predispostas. Médicos acreditam que fatores externos influenciem na esclerose, mas ainda não sabem quais são eles. Metade dos casos evoluem sem sequelas graves, mas algumas pessoas podem perder movimentos, visão, força de braços e pernas. O tratamento é caro ; cerca de R$ 60 mil por ano ;, mas o governo oferece os remédio de graça.
Daniele superou a depressão e voltou a dirigir, retomou o trabalho e a rotina. ;Quando saà da internação, decidi que a doença não me dominaria.; Com o fÃsico recuperado, tratou da mente. Leu sobre a doença, fez yoga, massagens e exercÃcios. Recuperou-se com boas noites de sono e alimentação equilibrada. Depois de ter a esclerose controlada, voltou a pensar nos maiores sonhos: encontrar um amor e ter um bebê.
Marido de presente
A primeira realização não demorou. Na comemoração do aniversário do ano passado, uma amiga surpreendeu Daniele. ;Esse é seu presente;, brincou a colega, e apresentou a ela um rapaz vindo de Manaus. Era o futuro marido da servidora. Pouco tempo depois, outra surpresa. O teste de farmácia deu positivo. O pequeno Felipe está há oito meses na barriga da mãe de primeira viagem. A chegada do bebê está próxima ; o nascimento está previsto para o dia 28. E parece que o menino está ansioso para conhecer o mundo. Enquanto Daniele posava para as fotos desta reportagem, Felipe não parava de se mexer. ;Queremos ter outro logo. Quero dois!”, disse a servidora.
Depois de ser diagnosticada, Daniele percebeu que já apresentava alguns sintomas, mas na época achou que eram passageiros. ;Uma vez estava em um bufê e não tinha força para segurar o prato. Uma vez também senti dormência na perna, mas a gente não dá valor a esses sintomas;, lembrou. Agora, faz questão de contar a história para quem a procura com dúvidas sobre a doença. Daniele não precisou fazer tratamento com células tronco, tecnologia disponÃvel para alguns casos. No entanto, acredita que aceitaria ser submetida ao tratamento para ver a doença controlada. ;Acho tudo válido para salvar vidas;, comentou. As pesquisas na área estão em evolução. Em fevereiro, o pesquisador americano Richard Burt, da Faculdade de Medicina da Northwestern University, em Evanston, anunciou que, pela primeira vez, conseguiu reverter os sintomas da esclerose múltipla de tipo recorrente remissiva, a mais branda, com a ajuda de células-tronco retiradas do sangue do próprio paciente. Mais informações no site .
Experiência relatada
A servidora decidiu contar sua história em um concurso de literatura promovido pela Comissão de Qualidade de Vida do Supremo Tribunal Militar. O tema era Mulher: sua história vale ouro, e a servidora levou o primeiro lugar. A cerimônia de entrega do prêmio ocorreu ontem no tribunal. A idealizadora do projeto, Luciana Carla Lopes, 37 anos, ressalta que sugeriu o concurso para motivar as servidoras. ;Queremos valorizar a superação das mulheres;, comentou.
A esclerose múltipla não diminui as chances de a mulher engravidar. O único cuidado é interromper o uso da medicação para evitar problemas com o bebê. Durante a gravidez, a mulher fica menos suscetÃvel aos surtos, por isso os remédios podem ser cortados. A esclerose é uma doença autoimune, ou seja, o sistema imunológico ataca o próprio organismo. Nos nove meses que precedem o parto, a parte imunológica da mulher fica naturalmente menos agressiva, diminuindo a ocorrência das crises. ;É como se a gravidez protegesse a mulher. Mas, depois que ela tem o bebê, o sistema imunológico vem com força total e aà a pessoa pode ter um surto mais forte;, explicou o médico e membro da Academia Brasileira de Neurologia, Éber Castro. Segundo ele, são comuns os casos de mulheres que só descobrem a doença após a gravidez.
A amamentação da criança pode ser realizada da maneira tradicional até os três meses de vida. Nesse tempo, a mãe pode guardar o leite em recipientes apropriados ; eles são armazenados em bancos de leite de hospitais e duram seis meses. Assim, o bebê recebe leite materno mesmo depois que a mãe voltar a tomar a medicação.
Trecho Insistir é vencer Muitas de nós passamos por experiências árduas e assim, vagando pelos desertos desta vida, sentimo-nos perdidas. É o momento em que Deus coloca nossa fé à prova para ver se é de ouro verdadeiro. E comigo foi assim%u2026 Em julho de 2004, estava de férias com as minhas amigas no Rio de Janeiro, quando comecei a sentir falta de equilÃbrio e fraqueza nas pernas. Preocupada, logo retornei para BrasÃlia e procurei um especialista, o qual me submeteu, imediatamente, a diversos exames: ressonância magnética do crânio e da medula, mapeamento cerebral e potencial evocado múltiplo, vindo, rapidamente, o diagnóstico: esclerose múltipla ; uma doença autoimune e imprevisÃvel, que ataca o sistema nervoso central. Sua causa ainda é desconhecida e, segundo os especialistas, acomete principalmente mulheres jovens (entre 20 e 30 anos de idade) e de cor branca. No começo, surpresa, abalo, tristeza, dúvidas e o maior receio ao receber o referido diagnóstico: o de não poder engravidar. (%u2026) Decidi, então, percorrer vários caminhos em busca da minha cura, não somente fÃsica, mas interior. Fisioterapia, livros de autoajuda, psicoterapia e mudança de hábitos alimentares foram alguns dos recursos que busquei. Mas os fatores esperança, fé e otimismo, juntamente com o toque de motivação dos meus pais, da minha irmã, dos meus amigos, amigas e colegas de trabalho, foram, inquestionavelmente, os mais relevantes naquele meu processo de transformação e cura. (%u2026) E tudo que estou vivendo no momento é fruto de uma escolha orientada para um só caminho: o da felicidade, que, lembre-se, pode demorar para chegar, mas o importante é que venha para ficar e não seja apenas passageira, e o mérito do sucesso não é meu, mas dos meus pais, da minha irmã, do meu marido e de todos aqueles que me transmitiram a garra de lutar e a grande vontade de vencer. Por isso, obrigada por tudo! Amo vocês! Fragmentos da redação campeã de concurso do STM