postado em 08/05/2009 07:48
Recuos nas paradas de ônibus funcionam como enfeites em boa parte das vias urbanas e rodovias do Distrito Federal. Planejados para oferecer segurança aos passageiros e não atrapalhar o trânsito durante o embarque e desembarque, o item é constantemente desrespeitado em Brasília. Em alguns locais, o espaço não existe. Dados da Secretaria de Transportes revelam que 20% dos 3.406 pontos não cumprem o plano de engenharia do DFTrans para a construção de recuos. Especialistas alertam que são 681 lugares com altas chances de batidas como a ocorrida na última quarta-feira, na BR-020, em que três pessoas morreram. Entre usuários, cresce o receio e a insatisfação ao usar o transporte público da capital.
A cena é de confusão. Sem espaço para encostar, ônibus param em fila tripla no início da W3 Sul, próximo ao shopping Pátio Brasil. Passageiros correm entre os carros para conseguir embarcar. Motoristas de carros dão seta, buzinam e arriscam mudanças bruscas de faixa para sair da retenção no trânsito. Cinco minutos depois, dessa vez com o recuo livre, um motorista ignora o espaço e deixa metade do ônibus na pista. O motorista do carro que seguia atrás queima os pneus ao frear para evitar uma colisão. Ontem, o Correio percorreu diversos pontos do DF para verificar a situação dos recuos nas paradas de ônibus locais. Desrespeito, retenção do trânsito e risco constante de acidentes.
Na avenida comercial de Taguatinga, por exemplo, nem todos os pontos contam com recuo ou baia. O alto fluxo de coletivos faz com que as duas pistas sirvam como ponto de parada, provocando a paralisação do trânsito. O lugar é uma das prioridades do DFTrans ; órgão de fiscalização ligado à Secretaria de Transportes ; para amenizar o desrespeito às determinações da Associação Brasileira de Normas Técnicas em relação à construção de recuos (leia Regras). ;Reconhecemos que todos os pontos deveriam ter o espaço, mas há locais em Brasília onde é impossível a construção;, reconheceu o secretário de Transportes, Alberto Fraga.
O Eixo Monumental, uma das principais vias urbanas do DF, está completamente fora do padrão. Não há recuos ou acostamento para o embarque e desembarque de passageiros. Lá, os ônibus parados obrigam motoristas a desviar para seguir caminho. Na visão do Sindicato dos Rodoviários do DF, no entanto, as rodovias (DFs e BRs) que cortam Brasília representam o maior perigo com relação ao transporte de passageiros. ;Deveria haver acostamentos, mas em muitos casos não há. O risco de acidentes está por toda parte onde um ônibus precisa parar;, reclamou o presidente da entidade, João Osório.
Na Via Estrutural (DF-001), pista de fluxo intenso e alta velocidade ; 80 km/h ;, não há acostamento e alguns pontos não contam com recuos. Mesmo assim, motoristas dão seta e param na faixa da direita para a saída de passageiros. Motorista da Viva Brasília, Cléber Araújo, 33 anos, reforça que os recuos na capital ficam só na teoria. ;No espaço cabem, no máximo, dois ônibus. Há paradas em que chegam até cinco ônibus de uma vez. Às vezes, o recuo nem existe. O jeito é parar no meio da rua;, contou. Para a funcionária pública Maria Cavalcante, 27, a ;falta de educação; dos motoristas agrava a situação: ;Eles não respeitam ninguém;.
Corredores
Paulo César Marques, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em engenharia de trânsito, alerta para a necessidade de recuos e corredores exclusivos de ônibus para evitar tragédias como a de anteontem, no caminho entre Planaltina e o Plano Piloto. No acidente, um ônibus da Viplan acabou atingido na traseira por outro interestadual (da Novo Horizonte), em frente a uma parada. Uma das linhas de investigação da polícia sobre as causas da colisão leva em conta que o motorista da Viplan teria deixado parte do veículo na pista ao encostar para o embarque de passageiros. ;No caso das rodovias, o ideal é um corredor exclusivo para evitar a concorrência entre carros que param e os de passagem;, observou.
De acordo com o secretario Alberto Fraga, a construção de corredores exclusivos para ônibus começará pela Estrada Parque Taguatinga (EPTG). As obras já tiveram início, incluem outras melhorias e devem durar 12 meses. ;É a melhor solução, acaba com a concorrência entre o transporte público e os carros comuns, melhora o fluxo e agiliza as viagens;, observou Fraga. Outros locais, como a Hélio Prates, em Ceilândia, e a comercial de Taguatinga, estão na lista apara receber o corredor exclusivo.
Regras
As determinações para a construção de recuos no DF estão descritas em um projeto de engenharia da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), adotado há 10 anos pelo DFTRans. A regra estabelece que o recuo deve ter 60m de comprimento por 3,5m de largura, seguido de uma calçada de 2m. A parada, em si, deve ser coberta e ter área de 4m por 2,5m para abrigar os passageiros.
Você se sente seguro no transporte público do Distrito Federal? Elaine Daniela Pereira, 17 anos, estudante, moradora de Planaltina "Não. Os carros são velhos, com peças soltas, o que sempre deixa a gente com a impressão de que vão quebrar. Muitas vezes os motoristas dirigem acima da velocidade e quase batem no carro da frente." Leida Queiroz, 47 anos, encarregada, moradora de Ceilândia "A segurança é zero. Além do risco de acidentes por causa dos ônibus caindo aos pedaços ainda tem o medo de assalto. E não adianta reclamar: já fiz várias vezes e nada muda" Robervanio Soares, 21 anos, carpinteiro, morador de Águas Claras (GO) "Nem um pouco. Acho que o principal problema são os motoristas. Muitos não respeitam a velocidade, a boa conduta nas ruas, param onde não devem. Isso aumenta as chances de acidentes" Cássio dos Santos, 28 anos, operador de supermercado, morador de Ceilândia "Sempre tem o que melhorar. Comigo mesmo vários ônibus já quebraram. Os pneus estão carecas, os motoristas correm demais e os pontos de ônibus não comportam nem os carros nem os passageiros" Severino da Silva, 73 anos, bombeiro hidráulico, morador de Ceilândia "Com que a gente se sente seguro? As paradas estão cheias, o idoso não tem direito a mais nada, e os ônibus param de funcionar no meio da rua. Na maioria dos coletivos não dá para confiar" Joseli Ferreira, 28 anos, cabelereira, moradora da Estrutural "Não mesmo. Essa história de parar fora do recuo mesmo acontece sempre, os ônibus param onde querem. Muitas vezes o espaço é pequeno para a quantidade de ônibus. Fora ter que enfrentar carros lotados, né?"