postado em 10/05/2009 08:20
Salas de emergência lotadas. Pacientes irritados trocam comentários indignados sobre a demora no atendimento. A cena rotineira nos hospitais públicos se repete agora na rede particular de saúde do Distrito Federal. Pacientes relatam espera média de duas horas até serem recebidos pelo médico. Há quem espere bem mais. Durante três dias, o Correio percorreu as emergências de cinco hospitais particulares de Brasília. Em todos eles, o clima era de insatisfação.
Uma das histórias que chamou a atenção pela semelhança com a queixa de pacientes dos hospitais públicos era da estudante Camila Pepe, 24 anos. Ela procurou atendimento ginecológico na emergência do Hospital Santa Luzia. Só foi atendida após esperar por uma hora. ;O médico perguntou o que eu tinha e receitou um remédio. Ele não encostou a mão em mim. E disse que, se não melhorasse, era para eu voltar dois dias depois, quando ele estaria de plantão;, contou. Inconformada, Camila foi direto para o Santa Lúcia. Enfrentou mais duas horas na fila. ;Pelo menos aqui, o médico me examinou antes de entregar a receita;, comentou.
Nos três dias em que a reportagem percorreu as emergências, encontrou pelo menos cinco casos de pacientes que peregrinaram de um hospital para outro na tentativa de escapar da superlotação. O analista financeiro Hebert Tavares Mendonça, 28, foi um deles. Chegou ao Santa Lúcia e pegou a senha de número 335. O painel marcava o número 290. Ele então procurou o vizinho Santa Luzia. Também estava cheio. ;Mas pelo menos lá tem triagem de especialidade. Mas precisei fazer um ecodlopler (exame que permite ver o fluxo de sangue dos vasos) e não tinha um médico para realizar o exame;, contou.
Pediatria
O fechamento da pediatria em pelo menos dois grandes hospitais, tema de reportagem do Correio há quase dois meses, é outro fator que explica a superlotação das emergências. No Prontonorte, um aviso colado na parede informa aos pais que pediatria só no Santa Helena, do mesmo grupo. Lá, é preciso exercitar a paciência. Em dois dos três dias em que a reportagem esteve no local, todas as cadeiras estavam ocupadas e havia pessoas esperando em pé.
A Secretaria de Saúde do DF não quis comentar sobre os problemas relatados por pacientes dos estabelecimentos privados. Mas informou que a interrupção do atendimento de emergência pediátrica em hospitais particulares sobrecarrega a rede pública. Segundo o secretário-adjunto, Florêncio Figueiredo Cavalcante, a demanda aumentou principalmente nos hospitais regionais da Asa Norte, Asa Sul, Gama, Ceilândia, Taguatinga e Planaltina. ;Os diretores estão pedindo mais pediatras e não temos como atender de imediato. Em curto prazo, estamos ampliando a jornada dos servidores de 20 horas para 40 horas.;
Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no DF existem 796.230 beneficiários de planos de assistência médica ; com ou sem odontologia. Eles são atendidos por 459 operadoras. Quanto à espera nas emergências, o órgão regulador entende que ;é uma questão primária do exercício profissional e da responsabilidade técnica pelo adequado funcionamento de uma unidade de saúde;. Portanto, a competência para se manifestar sobre essa questão é do Conselho Regional de Medicina (CRM-DF). Na última sexta-feira, o Correio entrou em contato com a direção do CRM, mas até o fechamento desta edição não recebeu retorno.
A ANS informou ainda que não é normal o paciente com plano de saúde esperar dois meses, por exemplo, para ser atendido por um profissional, seja qual for a especialidade. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão destacou que ;qualquer ausência de cobertura, por negativa explícita ou por demora extrema, caracteriza a infração e é passível de punição por parte da ANS;. Usuários de plano de saúde que estejam enfrentando essa situação devem entrar em contato com a ANS e relatar o problema. O telefone é 0800-7019656.
Casos seriam de ambulatório
O principal argumento dos cinco hospitais visitados pela reportagem responsabiliza os pacientes pela espera nas salas de emergência. Assim como os gestores da rede pública, os responsáveis pelas unidades particulares ; Santa Luzia, Santa Lúcia, Santa Helena e Prontonorte ; reclamam que muita gente procura atendimento na emergência, mas o caso é de ambulatório. Segundo eles, é justamente essa parcela de usuário que espera duas horas ou mais para ser atendido.
A diretoria clínica do Hospital Santa Luzia diz que pelo menos 15% dos cerca de 12 mil atendimentos/ano na emergência são ambulatoriais. Além disso, a demanda dos pacientes aumentou muito nos últimos anos. ;A maior parte dos pacientes da emergência deveria procurar o ambulatório, mas quer se atendida na hora. Como implantamos o serviço de triagem para detectar realmente quem precisa de atendimento imediato, os outros entram na fila;, explicou Marisa Makiyama, diretora técnica do Santa Luzia.
Levantamento do hospital revela aumento de 200% na média mensal de atendimento na emergência nos quatro meses deste ano. Em 2008, eram 948 consultas por mês e, em 2009, a média subiu para 2.875. ;Já iniciamos uma reforma e vamos ampliar a área da emergência;, explicou Marisa. Quem não quiser ficar esperando precisa aprender a diferença entre emergência, urgência e ambulatório. Emergência é quando o paciente tem risco de morte ou de sequela permanente caso não seja atendido naquele momento. Urgência é quando o atendimento deve ser rápido, mas não há risco de morte ou de sequela. Quem não se enquadra nesses casos, é paciente de ambulatório.
Quanto à demora para marcação de consulta em ambulatórios ; outra queixa comum dos pacientes ; Marisa Makiyama diz que no DF muitos médicos fazem a opção por não se credenciar nas operadoras de convênio. ;Como a renda per capita é alta, existe mercado para isso;, afirmou ela.
Os hospitais Santa Lúcia, Santa Helena e Prontonorte são do mesmo grupo. Eles também justificaram a demora no atendimento da emergência atribuindo parte da responsabilidade aos pacientes de ambulatório que procuram a emergência. Por meio da assessoria de imprensa, o grupo informou que está em andamento a implantação do sistema de integração de dados, o que deve agilizar o atendimento.
Assim como a rede pública, a direção dos hospitais também cita o crescimento da população do DF e o aumento da demanda por saúde tanto por parte de moradores daqui quanto de cidades vizinhas. No Santa Luzia, o atendimento de pacientes do Entorno representa 5% do total.
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