postado em 14/05/2009 08:27
José Carlos Lima, 53 anos, trabalha carregando malas e caixas na Rodoferroviária de Brasília e, desde muito jovem, ostentou um volumoso bigode. Não ostenta mais porque, na última semana, o sindicato de sua categoria decidiu que ele e os colegas não poderiam mais exibir os pelos no rosto. A determinação veio em um pacote de medidas, estabelecido pela entidade, para melhorar a aparência dos trabalhadores, mas causou muita polêmica no terminal. Ontem, os sindicalistas voltaram atrás diante da clara ilegalidade da nova regra. Tarde demais, entretanto, para salvar o bigode de José Carlos e de alguns dos outros 40 carregadores que trabalham no local.
A polêmica começou na última assembleia da categoria, na semana passada, quando a diretoria colocou em pauta as novas normas, aprovadas pela maioria dos presentes. ;O objetivo sempre foi atender melhor a população;, garante o vice-presidente do Sindicato dos Carregadores da Rodoferroviária, Wilson dos Santos Barbosa. ;Tem vários outros itens, como não fumar durante o atendimento, não usar fone de ouvido e celular. A questão do bigode é porque tinha gente chegando aqui muito desleixado, com cabelo desarrumado e barba por fazer;, completa ele, acrescentando que a categoria está se preparando para trabalhar na nova rodoviária que está sendo construída ao lado da estação do metrô do ParkShopping. A obra deve ficar pronta até o início do ano que vem.
José Carlos sequer votou contra as mudanças na assembleia, por saber que a maioria dos colegas aceitaria a sugestão. ;Eu gosto de deixar o bigode, mas não é o tempo todo. Às vezes eu tiro mesmo porque dá vontade;, garante o carregador, que, pelo menos desta vez, foi obrigado a passar o barbeador no rosto.
A obrigação provocou a reação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Na última terça-feira, a agência comunicou ao sindicato que a medida é ilegal. Segundo o advogado Paulo Blair, especialista em direito do trabalho e professor da Universidade de Brasília, tal proibição só é aceitável no ambiente militar. ;As Forças Armadas têm um código próprio de conduta, mas, fora de lá, obrigar alguém a tirar o bigode para trabalhar é proibido e inconstitucional;, garante ele. ;No caso dos carregadores, que são autônomos, o sindicato não pode desfiliar ou impedir ninguém de trabalhar por causa do bigode. Isso deve ser encarado, no máximo, como uma recomendação, jamais proibição;, acrescenta.
Enquanto durou, a proibição ao bigode foi o principal assunto entre carregadores e usuários da Rodoferroviária. ;Todo mundo achou estranho;, conta Nelson Antônio Caetano, 40, que também tirou o bigode, mas jura que não sofreu. ;Eu também tenho há muito tempo, mas tiro de vez em quando;, conta. ;Tirei agora porque ficou decidido. Mas, se puder, vou deixar crescer de novo;, completa ele.
Para muitos usuários da Rodoferroviária, no entanto, a questão do bigode tem pouca importância perto de outros problemas no local. ;Me incomodo com o fedor que exala de várias partes, com a sujeira e com a falta de lugar para sentar;, garante o motorista Alessandro Régis Alves, 30, morador do Núcleo Bandeirante.