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Brasília tem mais vigilantes que policiais

Desconfiança em relação à efetividade do governo na contenção da criminalidade aumenta procura por serviço de proteção privado. Hoje, há 18 mil profissionais do setor cadastrados pela PF, contra 14,7 mil PMs

postado em 23/05/2009 08:16
O medo da violência e a insegurança da população provocaram um aumento na procura por segurança particular no DF. Para inibir a ação de bandidos e escapar de furtos e roubos, moradores e comerciantes recorrem cada vez mais aos serviços prestados por vigilantes. Essa demanda trouxe às ruas da cidade 1.616 novos agentes de segurança privada este ano. O número representa crescimento de quase 10% com relação aos vigilantes cadastrados pela Polícia Federal no mesmo período de 2008. Com isso, já são 18 mil profissionais do setor em atuação em Brasília. A quantidade supera todo o contigente de policiais militares do DF. Hoje, há 14,7 mil PMs na capital. A disparidade entre o número de profissionais da segurança pública e do setor privado é ainda maior. Apesar da fiscalização realizada pela Polícia Federal, pelo menos 15 mil vigilantes clandestinos oferecem serviços a postos de combustíveis, casas noturnas, lojas e condomínios irregulares. Assim, a estimativa é de que existam 33 mil pessoas no lucrativo mercado da segurança particular. O crescimento do número de vigilantes regulares cadastrados na PF foi provocado pelo medo da violência e pelo arrocho da fiscalização. O delegado chefe da Delegacia de Controle de Segurança Privada da Polícia Federal (Delesp), Rodrigo Ziembowicz, atribui também o aumento do número de cadastros à conscientização da população. ;As pessoas estão mais cientes do perigo que os ilegais representam. Muitos já foram indiciados por crimes ou têm condenações judiciais;, justifica o delegado. A Lei 7.102/83 define segurança privada como a atividade voltada para a vigilância e defesa do patrimônio ou segurança física de pessoas. Os profissionais podem atuar armados ou desarmados e os serviços são fiscalizados pela Polícia Federal. Para ser cadastrado na corporação, o agente de segurança particular tem que fazer curso de capacitação que dura, em média, 15 dias e custa cerca de R$ 400. Depois de receber formação técnica, o candidato tem de ser aprovado pela PF. Os agentes avaliam a ficha criminal. Qualquer indiciamento ou condenação é suficiente para que o cadastro seja recusado. Para poder continuar no mercado legalmente, os profissionais têm que fazer um curso de reciclagem a cada dois anos e fazer exames médicos e psicológicos anualmente. Informalidade em queda Na última quinta-feira, o Correio percorreu ruas do Lago Sul e condomínios do Jardim Botânico que contam com segurança privada. A reportagem encontrou muitos porteiros e auxiliares de serviços gerais trabalhando como vigilantes. Na QL 12, conhecida como Península dos Ministros, 18 homens se revezam para garantir a segurança da quadra, onde moram, por exemplo, os presidentes da Câmara e do Senado. Funcionários da associação de moradores, eles são contratados como ;porteiros volantes;. Não usam armas mas, por meio de rondas ostensivas em carro e moto, têm a missão de garantir a segurança do lugar. ;A qualquer suspeita, a gente fica na cola até a polícia chegar;, diz um deles, que não fez curso de formação nem é cadastrado pela PF. Mesmo sem usar armas, a pessoa que faz segurança patrimonial, com abordagens e rondas ostensivas, é considerada vigilante e, portanto, precisa se submeter às regras da polícia. Dos 110 pontos fiscalizados pela PF este ano, 7% tinham casos de guardas clandestinos. Em 2008, a polícia encontrou irregularidades em 22% das abordagens. Os problemas foram detectados, principalmente, em postos de combustíveis e casas noturnas. ;A redução de flagrantes é um reflexo do aumento da fiscalização e das nossas operações;, diz o delegado Rodrigo, que promete priorizar, agora, os condomínios irregulares. Fiscalização insuficiente Os vigilantes legalizados têm como piso salarial R$ 1,8 mil, para uma jornada de 12 horas de trabalho, seguida de 36 horas de descanso. Na avaliação do presidente do Sindicato dos Vigilantes do DF, Gervalino Rodrigues, moradores e comerciantes preferem contratar vigias clandestinos porque pagam menos. ;A fiscalização não é suficiente. E, enquanto isso, muita gente não preparada está trabalhando.; A Polícia Militar também alerta para o perigo dos vigilantes clandestinos. O coronel Carlos Alberto Pinto, chefe da Comunicação Social da corporação, diz que quem contrata essas pessoas está correndo riscos elevados. ;Quem atua como segurança irregular acaba conhecendo o dia a dia das famílias e pode virar um informante do crime organizado;, afirma o coronel. Ele garante que os vigilantes privados não substituem a segurança pública. ;Eles não têm o poder de polícia, fazem apenas a segurança de bens patrimoniais. A PM entende que os profissionais regulares são de grande valia. A segurança pública é dever do estado, mas todos podem colaborar;, finaliza o coronel. Hoje, apenas os vigilantes clandestinos, e não quem os contrata, acabam punidos quando a irregularidade é descoberta. A pessoa assina termo circunstanciado e recebe, normalmente, penas alternativas, como prestação de serviço ou pagamento de multas. ;A lei em vigor é de 1983 e está defasada, além de ser branda. O novo projeto prevê punições também para quem contrata vigilantes irregulares, além de penas maiores;, afirma o delegado Rodrigo Ziembowicz. Mapeamento 1.616 é o número de vigilantes cadastrados na PF somente este ano 1.470 é a quantidade de vigilantes cadastrados na PF no mesmo período do ano passado 15 mil é a estimativa de vigilantes clandestinos em atuação 88.891 é o número total de vigilantes cadastrados na PF Saiba mais Requisitos para ser vigilante - Ter no mínimo 21 anos - Formação escolar correspondente à 4ª série do ensino fundamental - Aprovação em curso de formação de vigilantes - Aprovação em exames de saúde e aptidão psicológica - Cadastro na Polícia Federal - Comprovação de idoneidade por meio de antecedentes criminais, inexistência de registros de indiciamentos em inquérito policial, de processos criminais ou condenações - Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) - Os vigilantes aptos a exercer a profissão têm o registro profissional em sua carteira de trabalho feita pela Delesp Área de atuação da segurança privada - Empresas especializadas podem fazer vigilância e transporte de valores, segurança privada a pessoas, a estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviços e residências, entidades sem fins lucrativos e órgãos e empresas públicas Punições para clandestinos - O comércio clandestino de vigilância privada é contravenção penal prevista no artigo 47 do Código Penal. A punição é detenção de três meses a dois anos - Se o vigilante em atividade ilegal reincidir, responde por crime de desobediência (artigo 312 do Código Penal). A pena é prisão de um a dois anos ou multa Capital líder em compra de armas De acordo com a PF, cerca de um terço dos vigilantes usam armas de fogo. Eles têm autorização para portar os revólveres exclusivamente no local de serviço. O crescimento da vigilância armada contribui para que o DF seja o campeão nesse tipo de comércio. Dados do Sistema Nacional de Registro de Armas (Sinarm) da PF mostram que de cada quatro armas novas vendidas legalmente no Brasil, no ano passado, uma saiu das prateleiras das lojas na capital do país. O número equivale a 5.913 armas em um universo de 22.451. No recém-lançado residencial Jardins do Lago, no Jardim Botânico, dois vigilantes, credenciados na Polícia Federal, trabalham armados na Quadra 9. ;Se a segurança do Estado não é suficiente, precisamos fazer a nossa parte;, justifica o administrador do condomínio, Roberto Marques. Ali, além dos homens armados, outros dois fazem ronda noturna. Um muro de 2,5m, cercas elétricas e oito câmeras na entrada também ajudam a criar a sensação de proteção. Hoje, há 88.891 vigilantes registrados na PF. Empresas que oferecem o serviço são 51, das quais 36 são filiadas ao Sindicato das Empresas de Segurança Privada e de Transporte de Valores do Distrito Federal (Sindesp). ;Não queremos ocupar o papel do Estado, mas, sim, prestar um serviço conjunto;, comenta o presidente da entidade, Irenaldo Lima. Segundo ele, no entanto, o aumento de vigilantes nas ruas comprova que o Estado não tem conseguido absorver a demanda de segurança pública. Alternativa ao Estado Há pelo menos 10 anos, os moradores das 20 casas de um conjunto da QL 18 do Lago Sul contam com a presença de um vigilante 24 horas por dia. Atualmente, cada proprietário paga R$ 350 mensais pelo serviço. ;O Estado não tem condições de colocar um policial em cada rua. Infelizmente temos de recorrer a esse tipo de serviço;, afirma o servidor público aposentado e morador do conjunto, José Maria Freire, 64 anos. Quem não tem vigilância particular protege a residência como pode. A aposentada Irinéia Lopes, 68, mora em uma casa na Asa Sul e, com medo, mandou instalar cerca elétrica. ;Para me sentir mais tranquila, tive que colocar isso. Se pudesse, não tinha nem grade aqui;, completa. Para o consultor em segurança pública George Felipe Dantas, o crescimento do setor de segurança privada é consequência da expansão do fenômeno da criminalidade. ;Se há mais crimes e a violência aumenta, é de se esperar mais oferta desses serviços;, relaciona. O especialista lembra que a procura por serviços privados já é uma realidade em áreas como saúde e educação. ;Sabemos que a máquina pública não tem tido a melhor performance nessas áreas. Assim como existem alternativas aos serviços públicos de saúde e educação, a tendência é que o mesmo aconteça com a segurança;, completa Dantas, coordenador para assuntos de segurança pública do Centro Universitário do DF (UDF).

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