postado em 24/05/2009 08:23
Nos últimos três anos, o número de famílias habilitadas para acolher uma criança ou adolescente aumentou 400% no Distrito Federal. E não param de chegar novos pedidos. Atualmente, existem cerca de 140 processos de habilitação em análise na Vara da Infância e Juventude. Isso significa que, em no máximo um ano, outras 120 famílias entrarão na fila por um filho. O perfil de criança desejada não sofreu mudanças significativas nas estatísticas. Mas as mudanças começam a ser percebidas.
Involuntariamente, o casal de advogados Mirian Veloso de Andrade, 35 anos, e Milso Nunes Veloso de Andrade escreve uma história diferente. São pais adotivos de Camile, 5. Ela chegou à casa deles quando tinha 2 anos e 3 meses. Era filha de uma conhecida que, mãe de três crianças e grávida do quarto filho, não tinha como cuidar de todos. ;Respeitamos rigorosamente o que diz a lei. Fomos ao juiz, esperamos o prazo de seis meses para estágio de convivência. Houve a audiência e a mãe dela confirmou que a entregaria para a adoção;, destacou Mirian.
Os pais de Camile optaram por não cortar os laços da menina com a mãe e os irmãos biológicos. ;Até porque a mãe biológica da Camile é uma mulher maravilhosa. E foi por amor aos filhos que ela permitiu que nos tornássemos pais adotivos da Camile. Seria muito egoísmo da nossa parte privar a nossa filha dessa convivência;, explicou Mirian.
Recentemente, o desejo de ter mais uma filha bateu de novo. O processo deles é um dos 140 em fase de análise. Mais uma vez, a criança pretendida foge aos padrões. ;Queremos uma menina negra, com idade entre 6 e 8 anos. Se for mais novinha, a Camile vai ensinar o que ela não souber. Se for mais velha, é a Camile que vai aprender com ela, não é filha?;, comenta Mirian com a menina.
Expectativa
A alegria do casal de advogados Hugo Damasceno Teles, 30, e Karina Berardo de Souza Teles, 31, diante da espera pelo filho ; ou filha ; adotiva é contagiante até para quem acaba de conhecê-los. Estão na fila há um ano e meio e, segundo estimativas do coordenador da Sessão de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância, Walter Gomes de Sousa, podem esperar até cinco anos.
O desejo de sentir aquele cheirinho gostoso de nenê, de trocar as fraldas, ouvir as primeiras palavras e acompanhar os primeiros passos levou o casal a optar por uma criança com até 4 meses de vida, pele branca ; como a da família ; e saudável, não importando se homem ou mulher. ;Preencher a ficha e fazer essas escolhas foi uma das coisas mais difíceis. Não tem como não pensar que, quando você fica grávida, não tem certeza de como seu filho virá. Foi muito angustiante;, disse Karina.
Algumas dúvidas e medos rondam a cabeça do casal. ;Me pergunto quando será o melhor momento e forma de contar para ele (filho). Já nos sentimos pais. Fico pensando: será que ele vai sofrer? Será que vai ficar feliz, triste?;, pergunta-se Karina.
Para Hugo, o maior desafio será lidar com o tema adoção no dia a dia de maneira natural. O casal já decidiu que vai conversar com o filho desde cedo sobre sua origem. ;Vamos mostrar a ele que o fato de ser adotado não diminui nosso amor e nem torna a relação pai e filho diferente;, pontuou Hugo.
A angústia do casal no momento da escolha do perfil é vivida por outros pretendentes. Especialistas são da opinião de que é perfeitamente compreensível que os pais, especialmente os que nunca tiveram filhos, queiram bebezinhos. ;Assim como é natural, por exemplo, que a maioria prefira crianças brancas, já que 40% dos pretendentes a adoção são brancos;, pontuou Francisco Oliveira Neto, vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), que coordena a campanha Mude um Destino, pela adoção consciente.
Conversas e controvérsias
É necessário falar à criança/adolescente sobre sua história e sua origem?
Mesmo que a história da criança/adolescente tenha aspectos dolorosos, é importante buscar palavras que os ajudem a elaborar as experiências vividas, reais e/ou imaginárias. Isso tem um efeito organizador e estruturante sobre o seu psiquismo.
Segredos sobre a história e a origem da criança/adolescente
adotivo podem produzir que tipo de consequência?
Quando os pais adotivos se sentem impedidos de falar à criança sobre a história anterior à convivência com eles, algo aí acaba lhe sendo transmitido: que este é um tema proibido, censurado. Toda criança, de diferentes maneiras, pergunta sobre sua filiação, sua origem e busca entender ;de onde vêm os bebês?;, base para outras e infinitas pesquisas humanas. Se a criança recebe um grande silêncio ou então respostas que são muito vagas sobre sua origem, ela interpreta que há algo que não deva ser perguntado. Nessas situações, os pais adotivos podem ser auxiliados por profissionais quando lhes parecer muito difícil e doloroso conversar com seu filho adotivo sobre sua história antes da adoção.
Como e quando contar para a criança/adolescente a respeito de sua origem?
Quanto mais cedo se puder falar com a criança sobre a sua origem, mais natural vai lhe parecendo a sua condição e mais possível será o estabelecimento de uma relação com o adulto fundamentada na confiança. É interessante ter em mente que em cada idade a criança vai formulando sentidos novos e cada vez mais complexos, que exigirão novas perguntas e também outras respostas. Cada pai ou mãe deve encontrar o seu modo de ir narrando a história sobre as origens para seu filho, considerando a idade da criança, a sua linguagem e a cultura familiar.
E se a criança quiser procurar sua mãe biológica?
O desejo que o filho adotivo manifesta de buscar suas origens não significa uma atitude de rejeição aos pais adotivos, fantasia muito comum entre estes últimos. Relaciona-se à sua necessidade imprescindível de conhecer e de melhor formular a sua história.
O que fazer quando a história da criança é desconhecida?
Este pode ser um fator complexo e angustiante, tanto para os pais, quanto para o filho adotivo. Como já foi exposto, pode haver legalmente a possibilidade de recuperação, se não em sua íntegra, pelo menos de partes dessa história. Quando por algum motivo essa história se perdeu, há um vazio a ser preenchido. É importante que se possa conversar sobre o pouco que se sabe ou sobre o que não se sabe sobre as angústias do conhecido e do desconhecido, sobre a tristeza do abandono e também sobre a alegria do encontro.
É possível (desejável) ;preparar; candidatos a pais adotivos e crianças para a adoção?
O vínculo paterno-filial é um processo afetivo, que se constrói e reconstrói ao longo da vida. Na paternidade adotiva, esse processo adquire algumas peculiaridades. É muito importante que os pais possam aproximar-se de suas reais motivações para adotar, dimensionando suas expectativas em relação à criança que irão receber e atribuindo um lugar imaginário de filiação que contemple as necessidades da criança real. Pais que adotam crianças maiores podem se sentir muito desconcertados por se defrontar com experiências junto a seus filhos que não correspondem às suas expectativas idealizadas e para as quais não encontram justas ou boas respostas. Tendem a atribuir esses estranhamentos às histórias anteriormente vividas pela criança, nem sempre justificadamente. Por outro lado, a bagagem de importantes vivências trazidas por essas crianças pode exigir cuidados específicos no estabelecimento dos novos vínculos.
Fonte: cartilha Adoção Passo a Passo, elaborado pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). Você tem acesso ao conteúdo completo da cartilha no endereço www.amb.com.br. À direita da página tem o link da campanha Mude um Destino. É só clicar em cima.
Mudanças previstas na legislação
Em proporções diferentes, os desencontros do Distrito Federal se repetem Brasil afora. O Cadastro Nacional de Adoção revela a existência 18 mil habilitados para apenas 2,5 mil crianças e adolescentes. Nesta segunda-feira, comemora-se o Dia Nacional da Adoção. Segundos os especialistas, é uma data para propor reflexões sobre a adoção no Brasil. No Senado Federal tramita um projeto de lei que propõe mudanças nas regras.
O vice-presidente da AMB, Francisco de Oliveira Neto, defende que as famílias sejam conscientizadas e preparadas para a realidade que vão encontrar nos abrigos e sobre como se dá o processo de adoção. ;Com informação, naturalmente essas filas vão se encontrar. E vamos conseguir diminuir o tempo de espera das crianças por um lar e dos pais por seus filhos;, acredita.
Também é preciso avançar na lei. O projeto em tramitação no Senado pode trazer avanços, segundo Francisco Neto. Entre outras mudanças, a proposta obriga o juiz a analisar o processo da criança a cada seis meses, justificando a permanência dela no abrigo, e limita em dois anos o prazo de tentativa de reinserção na família biológica. Atualmente, não existe prazo fixado por lei para que o juiz decida pela destituição do poder familiar, colocando a criança ou adolescente para adoção. Um dos artigos do projeto de lei tentará proibir a separação de irmãos. Não detalha como isso deve ocorrer. Mas um dos caminhos é condicionar a separação de irmãos desde que as famílias adotivas mantenham contato.