postado em 27/05/2009 08:24
Há 46 anos, uma reunião entre líderes de diversos países africanos marcou a história daquele continente. Eles deixaram suas diferenças pessoais e territoriais de lado para discutir os rumos de uma nação. A atitude levou à criação do Dia da África, celebrado na última segunda-feira. A Universidade de Brasília (UnB) aproveitou a data e o espírito democrático inspirado por ela para organizar a III Semana da África, com a realização de eventos que colocam em evidência tanto aspectos culturais, como danças e produtos típicos, quanto a realidade vivida pelos africanos, mostrada em exposições fotográficas e palestras.
Deborah Santos, professora do Núcleo de Promoção da Igualdade Racial, destaca que o evento oferece uma oportunidade para os brasilienses se informarem melhor sobre o que ocorre no segundo continente mais populoso do mundo (perde apenas para a Ásia). ;O brasileiro ainda tem uma visão muito estigmatizada da África. Em um país onde praticamente 50% da população tem ascendência africana, não temos como deixar de comemorar essa data e aprender um pouco mais com ela;, argumentou a professora, uma das organizadoras do evento.
Atualmente, a UnB conta com 168 estudantes nascidos em países africanos. A maioria participa do Programa Estudante-Convênio-Graduação (PECG), promovido pelo Ministério da Educação juntamente com o Ministério das Relações Exteriores. Mas também há alunos africanos que conseguiram outros tipos de convênio para estudar na UnB ; caso, por exemplo, de filhos de diplomatas. A Semana da África adquire significados maiores para eles, que aproveitam o momento para discutir problemas referentes a seus países de origem e abrir um canal de comunicação com o público brasileiro.
O estudante africano Itiandro Vieira Lopes, 24 anos, acompanhou com atenção as palestras do evento. Ele acredita que os brasilienses que participaram também aproveitaram bastante os assuntos discutidos na ocasião. ;É uma oportunidade única de conhecer a África sob outro prisma, das próprias pessoas que vivem lá. Existe um ditado que diz que quem se fecha, morre. Acho que isso é verdadeiro no que diz respeito ao conhecimento, que precisa ser dividido para que tenhamos um melhor relacionamento;, defendeu Itiandro.
O pensamento é compartilhado com outros estudantes vindos do mesmo continente que ele. Naira Gomes, 24 anos, considera um absurdo o desconhecimento por parte dos brasileiros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Natural de Guiné-Bissau (que também tem o português como língua materna), a jovem está no Brasil desde 2005 e observa: ;Vejo um desconhecimento muito grande a respeito da minha cultura. Já ouvi até perguntas absurdas, como se as roupas que uso no meu país de origem são diferentes das que uso por aqui;, contou.
Semelhanças
Apesar das diferenças causadas pelo choque cultural, Naira ressalta as semelhanças entre o Brasil e a África. ;Tem coisas presentes nas manifestações culturais e religiosas daqui que me fazem sentir na minha terra;, revelou. Ela destacou danças que viu em sessões de umbanda e candomblé em um trabalho para universidade: ;Era igual a como é feito no meu país. Fiquei emocionada;. E não somente as semelhanças chamaram sua atenção. ;Adoro o Brasil. Esse país tem uma sensação de liberdade que provavelmente não vou encontrar em nenhum outro lugar do mundo. Sentirei falta quando tiver que voltar para minha terra;, completou.
A estudante Aida Koné, 22 anos, é filha de um diplomata e já viveu em diversos países, como Estados Unidos e Angola. Mas conta que em nenhum outro sentiu uma identificação tão grande quanto no Brasil. ;Foi o primeiro país em que fui bem recebida logo de cara. As semelhanças com a África, como a questão da hospitalidade e da alegria, facilitaram muito isso;, afirmou. Ela lembrou a importância de se discutir mais sobre o continente onde nasceu: ;A globalização não favoreceu a todos. Alguns países foram colocados de lado, e a mídia faz parecer que eles estão integrados. Fala-se de atraso e ignora-se a exploração pela qual passaram alguns locais;.
A relação entre a África e a mídia levou o estudante Julwaity Neto, 25 anos, a tomar uma posição mais crítica sobre o assunto. Ele foi um dos palestrantes de ontem. ;O que tenho a propor é a reflexão do continente como um todo, dos estereótipos criados mundo afora ao que é noticiado pelos meios de comunicação. O que percebo é que existe um grande interesse em mostrar o que há de ruim na África e nunca se mostra nada que temos de bom;, destacou. ;A mídia vai buscar no continente africano só o que interessa a ela e não mostra coisas que interessem aos africanos. É como as novelas brasileiras, que mostram uma determinada realidade lá fora. Uma propaganda que percebemos ser bem diferente da realidade que encontramos aqui.; Para ele e para muitos africanos, é importante discutir assuntos como esse. Até para que se encontrem soluções que levem a uma cooperação bilateral com outras nações. ;Não queremos só receber ajuda. Também queremos oferecer algo em troca que beneficie às duas partes interessadas;, concluiu.