Cidades

Niemeyer modifica projeto que prevê construção de prédios na região central de Brasília

Arquiteto afirma que a Praça da Soberania deve expressar a grandeza da capital e diz estar pronto para o debate

postado em 29/05/2009 07:50 / atualizado em 02/10/2020 09:18

Rio de Janeiro — Um dia antes de ministrar uma palestra para 60 alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, em Niterói, Oscar Niemeyer reabre a discussão sobre a construção da Praça da Soberania na Esplanada dos Ministérios. Aos 101 anos, entre uma e outra risada, mostra-se ainda mais interessado na boa briga que arrumou com os professores da Universidade de Brasília no início do ano. Desenho agora traz prédios baixos, próximos às laterais do canteiro. Obelisco passou de 100m para 50mReferindo-se sempre aos professores como “eles”, Niemeyer revela as modificações que fez no projeto original. O arquiteto mudou a posição dos elementos que compõem a Praça da Soberania. O memorial dos ex-presidentes cede lugar a dois prédios próximos às pistas do Eixo Monumental. E o obelisco ficará mais baixo do que no projeto original — a altura diminui de 100m para 50m. Niemeyer ressalta que as alterações preservam a visibilidade da Esplanada dos Ministérios, um dos pontos mais criticados pelos opositores da ideia do arquiteto. Como de hábito, Niemeyer mantém uma rotina intensa de trabalho. Além de proferir palestras para estudantes de arquitetura — na semana passada falou para universitários paulistas —, o arquiteto lançou mais uma edição da revista Nosso caminho. E segue na elaboração de projetos. Ao desenhar uma igreja, o arquiteto percebe, surpreso, que ela é generosa como tema arquitetônico. “Com que prazer desenhei as colunas da Catedral de Brasília, a subirem em círculo, criando a forma desejada. E lembro dos contrastes de luz que adotei, tão importantes no interior de uma Catedral.” A seguir, os principais trechos da entrevista com Niemeyer. O senhor cansou da briga pela construção da Praça da Soberania? De jeito nenhum. Muito pelo contrário. Estou na briga. Passei os últimos meses me dedicando ao assunto. Ouvi o relato de arquitetos e urbanistas em defesa da praça. Lancei ontem (quarta-feira) a revista Nosso caminho, que traz o resumo dessas conversas. Acho o tema formidável. Brasília discutiu o assunto com muita maturidade e sabedoria. É uma luta boa, gostosa e vibrante. A grande maioria dos arquitetos nessa publicação, inclusive urbanistas, defende o projeto. Brasília, como capital, não pode ter só uma pracinha do lado de uma rodoviária. Isso é ridículo. Mas o senhor alterou o projeto. Por que fez isso? Não aguentou a pressão? A praça se impõe. Tenho o direito de fazê-la. Brasília não e só urbanismo, é também arquitetura. E eu tenho direito de defender a minha arquitetura. Todos os países desenvolvidos do mundo têm uma praça de verdade. Você vai lá e não esquece o que viu. A praça revela muito do país. A praça é fundamental. Eu encontrei uma solução nova para o projeto. Modifiquei algumas coisas. Ficou mais simples de fazer, mais barata, mais acessível. Essa praça não tem discussão. O senhor quis por um fim na polêmica? Polêmica terá sempre, não é? Vão continuar falando, mas agora não há mais argumento. Com essa praça principal, a gente vê a grandeza do país. O que mudou, afinal? Criei uma avenida para pedestres. Um país desenvolvido precisa de uma praça de grande porte. A arquitetura de Brasília tem direito a uma praça mais digna, melhor. Uma praça de acordo com a importância da capital. Ela é bonita, é monumental. Coloquei os prédios numa posição mais favorável, de modo que a gente consiga ver livremente tudo da Rodoviária ate a Praça dos Três Poderes. Acredita que a cidade vai aprovar a modificação? Imagino que sim. A cidade vibrou com a discussão. Creio que terá interesse em acompanhar essa nova fase. Me ocorreu mudar o projeto outro dia, enquanto estava sozinho pensando nas viagens que fiz a Brasília de carro. Encontrei uma forma de conduzir melhor o trabalho. Coincidentemente, alguns pontos correspondem à questão de visibilidade que eles (arquitetos que criticaram o projeto) tanto defenderam. Quando o senhor pretende apresentar as modificações ao governador? O governador Arruda vai receber a proposta ainda esta semana. Ele também vai gostar. Está interessado na obra. Ele não tem meios de construir tudo agora, mas com as mudanças, tudo fica independente: o estacionamento, os prédios e a avenida. Assim é mais acessível, mais barato, mais bonito até. A solução que encontrei é tão mais simples de fazer. A questão da visibilidade que eles exigiram de poder olhar da Rodoviária à Praça dos Três Poderes não será mais problema. Ficou livre. Eu mudei a posição dos prédios, vai ser bem mais fácil de construir mesmo. O estacionamento ficou independente de tudo, embaixo da avenida de pedestres. O senhor se acha bom de briga? Quero defender meu trabalho. É minha obrigação. Mas gosto de debater, de saber as opiniões, de compreender o que as pessoas pensam. Faça uma nova enquete no jornal para saber o que o povo acha. Vai ser divertido. Foi um gesto de humildade sua modificar o projeto? Lógico. Fiz o que é justo, correto. A responsabilidade é minha. Tem gente que vai continuar não gostando. Tem gente que não gosta nunca, não é? Tem gente que não aprende que não somos verdadeiramente nada. Tem gente que se dá uma importância enorme. O que é Deus para um arquiteto que construiu tantas igrejas e catedrais? Estou justamente produzindo um texto sobre isso. A ideia de Deus onipotente, criador de todas as coisas, havia desaparecido do meu pensamento. Mas a visão de um ser humano tão frágil e desprotegido, diante do universo fantástico que o cerca, leva-me a acompanhar as conquistas da ciência, empenhada em desvendar os mistérios do cosmo e de nossa própria existência. Tudo isso explica a minha postura compreensiva e quase indulgente em relação aos que creem num Deus invisível e onipotente, aceitando, conforme tem acontecido, projetar uma igreja, uma catedral ou uma simples capela como uma que acabo de desenhar.


Memória Discussões acaloradas A proposta de Niemeyer para a Praça da Soberania tornou-se um marco. Foi a primeira vez que a cidade reagiu contra uma obra do arquiteto. O projeto previa um obelisco com 100m de altura, dois edifícios e um estacionamento subterrâneo para 3 mil carros. Um dos prédios seria dedicado à memória dos presidentes da República. O outro abrigaria exposição permanente do progresso do Brasil. Um imenso calçadão envolveria o conjunto. A proposta foi apresentada ao governador José Roberto Arruda em 9 de janeiro, no Rio de Janeiro. Inicialmente, Arruda declarou que pretendia entregá-la no aniversário de 50 anos de Brasília. Assim que o Correio divulgou a imagem do projeto, houve reações contrárias de leigos e de especialistas. O site www.correiobraziliense.com.br promoveu enquete para saber a opinião dos internautas. Mais de 4 mil participaram e 70% votaram contra o obelisco. O superintendente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan-DF), Alfredo Gastal, alegou que o projeto feria o tombamento porque nos terrenos do canteiro central da Esplanada seriam vedadas edificações. O governador recuou. Após duas semanas na trincheira, Niemeyer jogou a toalha e escreveu um artigo em que se propunha a encerrar a questão e colocar de lado a ideia da praça — ao menos, “provisoriamente”.

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